A preocupação ambiental é uma realidade para as empresas, seja por consciência própria dos gestores de que todos tem que fazer sua parte contra as mudanças climáticas, seja por cobrança do mercado, pelos consumidores e investidores. Mas nem todos os planos voltados a esse sentido anunciados pelas companhias surtem efeito positivo. Quando uma ação pouco efetiva, falsa ou que prejudica o meio ambiente é propagandeada como positiva, ocorre o greenwashing.
O termo foi cunhado pelo ambientalista Jay Westervelt em 1986 e significa, em tradução literal, “maquiagem verde” ou “lavagem verde”. O conceito é de que empresas fazem alegações enganosas ou falsas, realizem ações ou proponham compromissos relativos ao meio ambiente que não sejam benéficos ou relevantes apenas para ter boa reputação entre os públicos-alvo internos (colaboradores) e externos (clientes, consumidores e investidores). De acordo com levantamento global da consultoria PwC realizado em 2021, 79% dos investidores levam em contas as informações de ESG em suas decisões e 49% se desfariam do investimento se a empresa não tomar ações para tratar casos.
O caso que inspirou Westervelt a criar a palavra “greenwashing” envolve uma viagem a um pequeno país na Oceania. Ele se hospedou em um resort, em Fiji, que pedia aos hóspedes que reutilizassem toalhas em prol dos recifes de corais da região. No entanto, os hotéis estavam em um processo de expansão que provavelmente causaria danos maiores aos corais, e o pedido seria unicamente por redução de custos.
Outro exemplo famoso é o da Volkswagen. Milhões de carros produzidos pela empresa entre 2005 e 2015 possuíam um software que alterava os resultados de emissões de gases de efeito estufa em veículos movidos a diesel apenas quando eles passavam por inspeções, a partir da posição do volante, da velocidade do veículo, há quanto tempo ele estava ligado e a pressão barométrica. Em condição normal de rodagem, os controles eram desligados e os carros poluíam mais do que o permitido. O então presidente da montadora nos Estados Unidos, Michael Horn, foi enfático durante o lançamento do novo modelo de um Passat em setembro de 2015: “Ferramos tudo, nossa empresa foi desonesta”.
A Volkswagen teve que pagar bilhões em multas em diversos países, incluindo o Brasil, realizar recalls e os executivos da empresa pediram desculpas oficialmente em várias ocasiões - alguns foram indiciados na Alemanha e nos Estados Unidos.
Discurso, ação e vendas
As empresas realizam o greenwashing em diversos momentos: no que dizem ao público, no que fazem e no que vendem. Quanto aos discursos, estes podem ser mentirosos, exagerados, genéricos ou distorcerem a realidade ou com jargões técnicos que dificultam a compreensão, o que pode ser complementado com o uso de imagens de belas imagens da natureza em campanhas, que não tem nada a ver com as operações reais da companhia.
Quando o greenwashing acontece em ações, pode ser percebido no desvio da atenção para projetos ambientais paralelos, tratar obrigações legais como investimento em meio ambiente, infiltrar-se na comunidade ambientalista ou agir politicamente para evitar interferência externa nos negócios dizendo que resolverão os problemas sozinhos.
Em relação ao que é comercializado, o greenwashing pode ser percebido na venda de produtos que fazem mal ao meio ambiente e ao colocar rótulos de “sustentável” ou “ecológico” em processos produtivos cuja intenção inicial era apenas o corte de custos.
Compromissos de longo prazo
Outro ponto que pode se tornar greenwashing são os compromissos de longo prazo assumidos pelas empresas. Como resultado das Conferências para o Clima, tanto governos quanto companhias privadas assumiram intenções de se tornarem neutros na emissão de carbono nas próximas décadas, por exemplo. Contudo, caso não haja acompanhamento por meio de objetivos intermediários, as metas podem não ser cumpridas e passarem a ser encaradas apenas como uma forma de obter boa publicidade.
“A empresa faz uma campanha de marketing, coloca no relatório de sustentabilidade, nas campanhas institucionais, nas apresentações para investidores, mas como é algo para 2050 e os gestores sabem que sequer vão estar aqui até lá, esse compromisso pode se tornar vazio, se não estiver de fato acompanhado por planos de ação e metas intermediárias bem colocadas”, comenta Mauricio Colombari, sócio da PwC Brasil e líder de ESG.
Consumidor, preço, meio ambiente
Para os consumidores, o principal problema de greenwashing é o de acreditar estar contribuindo para uma causa, quando, na verdade, não está, e possivelmente ainda pagando mais caro do que deveriam.
“Uma vez que produtos ecológicos geralmente custam mais caro por ter uma cadeia produtiva diferente dos demais, o consumidor acaba pagando mais por algo que nunca passou por esse processo e nada tem de sustentável”, comenta Marcos Lovato, advogado e professor de direito ambiental na Faculdade Palotina de Santa Maria (Fapas-RS).
Já para o meio ambiente, a “maquiagem verde” piora a situação: enquanto os padrões de consumo insustentáveis são mantidos, a questão climática se torna mais grave e causa diversos desequilíbrios na natureza.
“É uma verdadeira tragédia, pois estamos devorando o planeta cada vez mais rapidamente e com menos culpa”, avalia Érico Pagotto, doutor em Sustentabilidade pela USP e professor de Meio Ambiente e Gestão Empresarial na Fatec de Jacareí-SP. Para ele, a única forma de melhorar a situação seria diminuir o consumo.
“O consumidor, estimulado pela propaganda, acaba caindo na “lógica do papai noel” e compra um alívio de consciência, onde não importa muito se ele acredita ou não nos apelos de sustentabilidade, desde que satisfaça seus impulsos de consumo”, diz.
Brasil
No Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) tem desde 2011 regras definidas para tentar coibir o greenwashing. De acordo com o código publicado pela entidade, a publicidade que “comunica práticas responsáveis e sustentáveis de empresas, suas marcas, produtos e serviços” deve cumprir critérios como concretude e relevância, ou seja, ações verdadeiras e não conceitos vagos, e que possam ser comprovadas; exatidão e clareza - as informações devem estar em linguagem acessível e não conduzir a conclusões falsas, e pertinência, o que significa que a ação precisa ser ligada à área de atuação e não deve ser apenas um cumprimento de obrigações legais.
O Código de Defesa do Consumidor também estabelece que divulgar informações que levem ao erro na hora da compra também é passível de punição, o que inclui a prática do greenwashing.
Dois projetos de lei que visavam definir sanções para a prática, no entanto, não prosperaram no Congresso, o de nº 4.752/2012, com autoria de Márcio Macêdo (PT-SE) e o de número 2041/2021, de David Miranda (PSOL-RJ). “O que existe em termos normativos já é suficiente, devendo os órgãos de fiscalização, o consumidor e as próprias empresas buscarem pelo cumprimento destas regras”, avalia Lovato.
Pagotto, por outro lado, acredita que regras nacionais mais rígidas são necessárias. “Apesar dessas dificuldades, minha opinião é que a sociedade deve cobrar os governantes por uma forte regulamentação estatal da propaganda no Brasil, já que a autorregulamentação não se mostrou suficiente para coibir abusos – ao contrário: trouxe um balizamento ético enviesado, benevolente aos anunciantes”, diz.
Risco à reputação
Além das possíveis sanções como a retirada de campanhas e rótulos, há o risco de possíveis multas na Justiça. Estas, contudo, são bastante raras no Brasil. Assim, o principal risco às empresas ao realizarem o greenwashing é o reputacional: os consumidores passarem a evitar os produtos e serviços da empresa, investidores buscarem outras opções que de fato cumpram com o preconizado pelo ESG e colaboradores busquem outros locais para trabalhar.
“Depois que é feita uma exposição grande, na mídia ou nas redes sociais, a empresa vai ter muito trabalho para conseguir recuperar a confiança do consumidor, do mercado de maneira geral. Hoje, o risco reputacional é maior do que qualquer outra penalidade financeira ou processual que a empresa possa receber. O reputacional afeta a empresa da porta para fora, mas também afeta sua capacidade de atrair uma mão de obra qualificada, de reter seus funcionários”, afirma Colombari, da PwC Brasil.
Os caminhos para casos de “lavagem verde” virem à tona são variados: podem ser vazamentos de forma anônima de pessoas que estão na empresa, ou já saíram; investigações de órgãos como Ministério Público e Procon; atuações de reguladores, ou mesmo avisos de especialistas, que mesmo sem acesso a informações internas da companhia, conseguem detectar um problema. Por isso mesmo, Colombari afirma que, primeiramente, o G da sigla ESG é fundamental, e a governança começa pela ética nos negócios, sem a qual os lados social e ambiental não se tornarão reais. Em segundo lugar, recomenda que as empresas façam bons planos de ação, para evitar erros não intencionais, por não terem feito uma avaliação correta de quais impactos ambientais ou sociais que elas causam.
A atuação dos clientes, por outro lado, é possível, mas não tão simples. O principal é buscar informação, mas somente isso pode não ser suficiente. “Não acredito que seja papel do consumidor, enquanto ente atomizado, combater o greenwashing. Se até para especialistas é difícil dizer o que é ou não ‘sustentável’, considerando as questões técnicas envolvidas e a quantidade de significados de expressões como ‘sustentabilidade’, ‘ecológico’, ‘natural’, etc., para o consumidor esta é uma tarefa praticamente impossível”, diz Pagotto.
No entanto, o crescimento da consciência ambiental no mercado tem beneficiado a criação de planos verdadeiros para o ESG. “Eu começo a perceber as empresas olhando com muito mais seriedade para isso e se preocupando em evitar o greenwashing. Conforme esse assunto ganhe corpo, eu vejo que pode diminuir, já por essas forças do mercado e menos por uma legislação”, relata Colombari. A participação do setor privado é fundamental para evitar que o aquecimento global chegue a níveis irreversíveis, então, ter um plano de ação será cada vez mais cobrado dos gestores.
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