As empresas brasileiras tiveram avanços nos últimos anos no combate à corrupção, mas caminham a passos lentos para resolver problemas como a falta de diversidade e suas participações nas mudanças climáticas. A conclusão é do Observatório 2030, iniciativa do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) para monitorar os avanços das organizações em cinco temas (Clima, Gênero, Corrupção, Salário Digno e Água) ligados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), projetados para serem questões resolvidas em 2030.
O Observatório 2030 avalia dados públicos de 82 empresas atuantes no Brasil, listadas na Bolsa de Valores, que reportam seus resultados não-financeiros nos padrões do Global Reporting Initiative (GRI) e são participantes do Pacto Global da ONU. A atualização é feita de forma anual. O trabalho é feito principalmente para incentivar as empresas signatárias do Pacto a medirem seus compromissos relativos à pauta ESG (ambientais, sociais e de governança corporativa).
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“Não basta a empresa dizer que está comprometida, precisa estabelecer metas e compromissos públicos, com a transparência necessária. Mais perigoso que o greenwashing, é o greenwishing, falar que vai ser incrível em determinada data sem ter um plano concreto por trás”, explica Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil
Na edição 2023, os principais avanços foram identificados no combate à corrupção. Entre 2018 e 2020, o número de funcionários treinados para lidar com o tema foi de 43,24% em 2018 para 59,90% em 2020. Outro ponto positivo foi a presença de um canal de denúncias anônimas, existente em 97,56% das empresas, que assegura um local aberto à sociedade, com garantia de não retaliação.
Porém, mesmo nesse tema, ainda há desafios. O percentual de terceiros (fornecedores, funcionários terceirizados, clientes empresariais) treinados em corrupção ainda é muito baixo (0,48% em 2020). “Tem que ter estrutura e capacitação para todo mundo. Muitas vezes, o problema da produção acaba sendo repassado para a cadeia, e se não tratar aquilo, piora. Acaba sendo colocado para baixo do tapete se não verificar o que o fornecedor faz”, alerta Pereira.
O tema da corrupção esteve em alta após a Operação Lava-Jato, que levou as empresas a fortalecerem o compliance. “Elas estão melhorando, mas tem um caminho a ser desenvolvido”, avalia Pereira.
Ambiental
Mesmo com o tempo se esgotando para evitar os piores cenários das mudanças climáticas, as empresas brasileiras não têm metas validadas pela ciência para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Apenas duas companhias tiveram pelo menos uma de suas metas aprovadas pela Science-Based Targets Initiative (SBTi), principal entidade do assunto, e outras 14 possuem metas em aprovação. 66 não buscaram a validação ainda.
Entre as que possuem outros compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa, os números são maiores nos dois primeiros escopos - o escopo 1 é o de emissões nas operações da própria empresa e o 2, na geração e transmissão da energia utilizada por ela. Contudo, é no escopo 3, as emissões ao longo da cadeia de produção, que se encontra a maior parte dos gases gerados. 35 empresas têm metas para o escopo 1 e 29 para o escopo 2, mas somente 12 para o escopo 3. “Raras são as empresas que o escopo 1 é realmente significativo”, comenta Pereira.
Segundo ele, as empresas têm dois obstáculos para implementar medidas para mitigar as emissões. O primeiro é a matriz de geração de energia no Brasil, que é muito particular por ser baseada principalmente em usinas hidrelétricas - o que tornaria difícil contabilizar. O segundo é interno das organizações. “O conselho de administração por vezes não entende entende a importância. É uma questão cultural a ser vencida”, diz.
No entanto, a pressão para que as metas sejam validadas deve aumentar. “Todos os stakeholders, de investidores a funcionários, estão cada dia mais atentos e vocais quanto a essa questão. Não tem como não estabelecer”, avisa o CEO do Pacto Global no Brasil.
Em outro tema ambiental, o uso de água também é pouco avaliado, e costuma ser reportado apenas por empresas que dependem do recurso diretamente. Somente 13 empresas analisam o risco de escassez hídrica do ponto de vista tanto da quantidade de água, quanto da qualidade. E dentro desse universo, 6 são do setor de utilities, 3 de água e saneamento e 3 de energia elétrica (as 3 operam com hidrelétricas), seguido pelo setor de Consumo e Alimentos (com 3 empresas que analisam questões relativas ao risco hídrico).
“Não é porque necessariamente não usa a água como produto que as empresas não tem que reportar. As companhias precisam melhorar o reporte e o estabelecimento de compromissos”, afirma Pereira. Segundo ele, o próprio Pacto Global está trabalhando para colocar compromissos mais fáceis de serem entendidos pelas empresas sobre o uso da água.
Diversidade
Ao se tratar da inclusão de grupos minorizados, o problema se torna outro: a falta de dados. Das 82 empresas, apenas 15 calculam o percentual de colaboradores negros e negras. “As empresas não sabem sobre o tema. Para tratar adequadamente, tem que saber”, analisa Pereira.
Com relação a composição das empresas em percentual de mulheres, em todos os cargos (conselho, diretoria executiva, diretoria, gerência e coordenação), o percentual é maior quando as empresas são signatárias dos WEPs (Women’s Empowerment Principles). No entanto, menos da metade das empresas analisadas aderem ao compromisso (43,9%).
Para resolver o problema, não há caminho fácil, e passa antes de tudo por conhecer a realidade da empresa. “Não adianta nada estabelecer uma meta se não tiver um plano de ação e implementar esse plano. É preciso entender porque não tem esse número que almeja. É uma questão cultural interna? Há obstáculos no próprio RH? Precisa fazer diagnóstico, formular um plano de ação e a posteriori estabelecer uma meta”, projeta Pereira. A importância dos compromissos públicos é ressaltada, ainda que as empresas por vezes temam não cumpri-los.
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