No topo da biodiversidade mundial, o Brasil concentra mais de 20% das espécies do planeta. Contudo, o mesmo cenário que retrata um potencial local para exportar ao mundo soluções baseadas na natureza coloca também o País sob a pressão de estar na dianteira de resoluções-chave esperadas dos quase 200 países reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP-16), iniciada na segunda-feira, 21.
Até o dia 1.° de novembro, em Cali (Colômbia), as delegações internacionais estarão debruçadas sobre temas urgentes para a bioeconomia mundial. No alvo das discussões estão as estratégias para pôr em prática as 23 metas do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), firmadas na COP-15, no Canadá, em 2022.
Entre as principais pretensões alinhadas pelos países estão a proteção de 30% da terra, mar e águas doces até 2030 - a chamada ‘Meta 30 X 30′ - e a restauração de 30% dos ecossistemas degradados pela ação humana no mesmo período.
Dois pontos importantes para execução dessas metas estão em atraso e envolvem a participação do Brasil como parte interessada. O primeiro deles é o avanço no desenvolvimento de Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação (EPANB), plano que cada país precisa fazer para conservação de sua biodiversidade. O segundo, e tão importante quanto, é a garantia de financiamento para o cumprimento desses planos.
Globalmente, a elaboração dos EPANB avançou muito pouco. Um levantamento publicado na semana passada pelos portais britânicos The Guardian e Carbon Brief mostrou que 80% dos países signatários do GBF não conseguiram elaborar a tempo seus planos nacionais para cumprimento do acordo. O Brasil engrossa essa lista, juntamente com a Colômbia, que sedia o evento.
Ao Estadão, a secretária de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Rita Mesquita, explica que a chegada do País à COP-16 sem o plano aprovado não se trata de um atraso, mas de um processo que deve durar até o final de 2024. Segundo ela, o documento, embora alinhado às metas do Marco Global e com mais três metas nacionais, passa por uma jornada de consulta ampla da sociedade e de outros setores do poder público e privado, de forma a ter condições de ser executado.
Apesar disso, Mesquita salienta que o Brasil, a partir de outras iniciativas ambientais já desenvolvidas, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, terá um papel central nas reivindicações de que as metas acordadas entre os países sejam executadas.
“Está ficando muito claro aqui na COP-16 o nosso papel como liderança. O que nós trouxemos para cá foram as ações concretas que já realizamos nos dois anos deste governo. Isso já vem trazendo um pouco da pegada do que vem para as próximas ações dessa COP, que é a gente começar a dar mais foco na efetiva implementação dos acordos estabelecidos, e eu não vi isso vindo de outros países. Estamos trazendo a leitura de que agora o tempo é da implementação.”
A questão do financiamento à implementação das metas é outro gargalo no qual está prevista a intervenção do Brasil. O Marco Global prevê o valor de US$ 200 bilhões anuais para investimentos globais na preservação da biodiversidade. Parte do montante (em torno de US$ 20 bilhões) deveria sair dos países desenvolvidos para ser repassado aos países em desenvolvimento. Porém, dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) citados pelo governo brasileiro na semana passada apontam que esse repasse efetivamente só chegou, no primeiro semestre deste ano, a 23% da quantia combinada.
Segundo Mesquita, o cenário mostra que o cumprimento das metas relacionadas à biodiversidade estão condicionadas a mecanismos de financiamento que foram assumidos, mas que não estão sendo efetivamente implementados. Mas, além de cobrar dos países que efetivem os compromissos financeiros, o Brasil quer ir além dessa dependência, apresentando na COP-16 alternativas de financiamento com base em produtos já existentes no mercado.
“O Brasil trouxe propostas de novos mecanismos de financiamento que permitem obter recursos sem haver uma dependência de doações ou filantropia, e sim, usando instrumentos de mercado que estão ao alcance dos países megadiversos. Um exemplo é o Tropical Forest Finance Facility (TFFF) (fundo brasileiro que prevê a captação de aproximadamente R$ 700 bilhões para conservar 1 bilhão de hectares de florestas tropicais em todo o mundo), que é um mecanismo que foi desenhado pelo Brasil e que está sendo tratado aqui na COP com muito respeito e receptividade pelos países.”
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“O País também tem condições de criar seus próprios mecanismos de financiamento. Ele está bem posicionado tanto para propor novos mecanismos quanto para se beneficiar dos compromissos que já foram assumidos”, acrescenta a gestora.
Colaboração do setor privado
Além da cúpula formada por representantes do poder público, que prevê ainda a participação do presidente Lula, o País deve intervir em negociações por meio de entidades do setor privado, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Elas estão na COP-16, com participações também em agendas paralelas, com foco em negociações que destravem e diversifiquem, também, o financiamento às ações sustentáveis.
“Neste ano, a CNI apresentará o documento ‘Visão da Indústria sobre a COP-16′, em que explora sete temas críticos que refletem as prioridades da agenda internacional e conversam diretamente com o setor industrial. Nele, constam proposições e alertas relacionados às metas nacionais e ao monitoramento do plano de biodiversidade, à repartição de benefícios pelo uso de informações de sequências genéticas digitais e a recursos necessários ao financiamento da biodiversidade”, diz a CNI em nota.
De acordo com a presidente do CEBDS, Marina Grossi, em abril de 2023, o setor empresarial, por meio da entidade, firmou com o governo federal o compromisso do segmento em participar ativamente da elaboração da EPANB brasileira. Na COP-16, a intenção é de que essa atuação se estenda às negociações para captação de recursos financeiros.
“Pelos corredores das reuniões que pudemos participar para as negociações, o financiamento é a grande agenda que Brasil e outros países megadiversos estão se articulando para pleitear. E, trazendo para a perspectiva dos negócios, temos proposto a questão da transparência na divulgação de informações financeiras relacionadas à biodiversidade, pois isso caminha lado a lado com financiamento.”
Foco nas Soluções Baseadas na Natureza
Para a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Maria Netto, uma vez que o Brasil tem uma economia altamente dependente da natureza, tanto a COP-16 quanto a COP-30, que será realizada em 2025, chamam para o País a responsabilidade de ir além das discussões de financiamento à transição energética, para avançar também na aceleração de soluções baseadas na natureza. A expectativa é que inovações nesse sentido sejam apresentadas pelo País na conferência.
“No encontro do G-20, o País já reconheceu a necessidade de encontrar investimentos inovadores para escalar essas soluções, porque muitas vezes elas são difíceis. O que vai permear muito a conversa na COP-16 é que se reconheça a necessidade de pensar um pouco fora da caixa de como monetizar o valor da biodiversidade, mas entender que o próprio setor privado precisa reconhecer o valor da natureza, até pelo risco que compõe não reconhecê-lo. Esse é um legado que a gente espera que saia da COP-16.”
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