A decisão do conselho de administração da Vale de escolher o executivo Gustavo Pimenta para o cargo de CEO sinaliza ao mercado o interesse dos membros do colegiado em focar na gestão financeira da companhia e mitigar rumores de possíveis “intervenções políticas” na governança da empresa. A análise é de especialistas da área ouvidos pelo Estadão, que definiram como positiva e “menos traumática” a eleição do gestor para assumir o posto em 2025, em substituição ao atual presidente, Eduardo Bartolomeo.
A eleição do novo CEO foi anunciada ao mercado na noite da segunda-feira, 26. No comunicado, a mineradora afirmou que o processo de escolha ocorreu de forma unânime entre os conselheiros e com “rigoroso processo de seleção suportado por empresa de padrão internacional (consultoria Russell Reynolds Associates), em conformidade com o estatuto social da Vale, políticas corporativas, regulamento interno do colegiado e legislações aplicáveis”.
O perfil profissional de Pimenta foi um dos aspectos que animou os analistas. Eles temiam possíveis intervenções do governo federal na escolha do CEO e interferência nas boas práticas sucessórias na governança da companhia. O executivo, além de economista com experiência internacional em empresas como AES e Citigroup, é um nome interno da Vale, não sendo cotado entre as candidaturas paralelas ligadas ao governo federal que chegaram a ventilar nos últimos meses, conforme apurado pelo Estadão.
Pimenta já atuava na mineradora brasileira desde 2021 como vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores (RI) da companhia. Antes já havia gerido as áreas de Suprimentos e Energia & Descarbonização da empresa.
Na avaliação de Pedro Fernandes Saad, diretor do Inova ESPM e professor de administração, a eleição do executivo é um passo significativo para fortalecer a governança e a transparência na empresa. “(O novo CEO) parece bem posicionado para continuar alinhando a Vale aos padrões globais de governança e promover um maior engajamento dos stakeholders (partes interessadas) nos processos decisórios. Além disso, a agilidade na eleição contribuiu para reduzir as incertezas que pairavam sobre o processo (de sucessão).”
A coordenadora do Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance da Fundação Getulio Vargas (FGVethics), Lígia Maura Costa, destaca como positiva a escolha de um futuro gestor já familiarizado à cultura e às operações da mineradora. Ela acrescenta que esse movimento reflete o compromisso dos conselheiros com a continuidade de uma gestão “aparentemente livre de pressões políticas externas”.
Essa familiaridade, complementa o professor de finanças e governança da Fundação Dom Cabral (FDC), Jairo Procianoy, é um dos fatores que faz da eleição de Pimenta uma solução “menos traumática” para a companhia e para o mercado, diante do processo conturbado de eleição da presidência. Em meio ao período sucessório, a Vale anunciou a renúncia de dois conselheiros em apenas três meses: José Penido, em março, e Vera Marie Inkster, em julho, o que expôs possíveis fissuras no colegiado.
“(A eleição de Gustavo Pimenta) apazigua todo um problema que houve anteriormente por parte do conselho, com várias visões distintas, pressões e contrapressões, e isso é muito importante para a companhia poder continuar seguindo para frente.”
Leia também
Alinhado a esse ponto, o professor do MBA em ESG e Impact da Trevisan Escola de Negócios, André Vasconcellos, destaca ainda que a experiência de Pimenta com a área financeira também justifica sua eleição. Segundo ele, um CEO com histórico em RI entende melhor as dinâmicas do mercado, ajudando na atração de investimentos e na resolução de crises, o que é crucial para uma empresa de capital aberto.
“Pimenta tende a reforçar a ênfase em resultados financeiros, e a gestão financeira rigorosa e a eficiência operacional são cruciais em um setor como o de mineração, em que os preços das commodities são voláteis e os custos operacionais podem impactar significativamente a rentabilidade. (Além disso), a Vale passou por um processo de reestruturação e aprimoramento de suas práticas de governança. A promoção de um líder com experiência em finanças pode ser vista como um passo positivo na direção de uma gestão mais transparente e responsável, reforçando a confiança dos investidores”, avalia.
Desafios na governança
Apesar das previsões positivas a respeito da gestão de Pimenta na Vale, os especialistas acreditam que o novo mandato não significa o encerramento de alguns dos principais desafios enfrentados pela mineradora. O primeiro deles é o de manter a empresa dentro dos pilares de boas práticas de governança corporativa, sem interferências externas governamentais.
Conforme o professor de governança corporativa da FIA Business School, José Luíz Munhós, como a Vale tem vários investidores institucionais, como fundos de investimentos estrangeiros e de previdência, ligados a empresas do governo, sempre haverá o desafio de conciliar os interesses desses investidores aos propósitos e estratégias da companhia.
“O novo CEO continuará tendo como principal desafio conciliar o conflito de interesses dos acionistas controladores e as tentativas de ingerência do governo no negócio à estratégia da Vale, impedindo que haja interferência”, comenta o especialista.
Outro ponto está relacionado à agenda ambiental da companhia. A imagem da mineradora está ligada a dois incidentes de grandes proporções: o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015, e o estouro da barragem de Brumadinho (MG), em 2019, para as quais ainda realiza ações de reparação de danos.
Para o consultor internacional de governança corporativa, relações com stakeholders e ESG, Guilherme Athia, é necessário que o novo presidente anuncie se, sob sua gestão, as estratégias relacionadas à sustentabilidade já anunciadas pela companhia serão mantidas ou se passarão por reformulação.
“É importante que a Vale, com o novo CEO, apresente qual será a sua visão de sustentabilidade para os próximos anos: se será a manutenção do plano atual ou se haverá uma revisão. Esse é um anúncio esperado, pois é um tema extremamente importante para todas as empresas de mineração, especialmente para a Vale, em virtude do que já aconteceu no passado”, diz Athia. “A COP-30, no ano que vem, pode ser uma oportunidade para isso”, complementa.
Em comunicado ao mercado, o presidente do conselho de administração da Vale, Daniel Stieler, afirmou que Pimenta reúne as competências necessárias para aspirar um novo ciclo virtuoso para a companhia e pontuou que o processo sucessório “evidenciou o alto nível de integridade, transparência e robustez da governança da Vale.”
Já Pimenta informou que irá intensificar o diálogo com todos stakeholders da companhia, priorizando a segurança das pessoas, das operações e do meio ambiente. “Tenho certeza de que seguiremos avançando em nossa missão, com foco em geração e distribuição de valor, elevando a Vale a patamares ainda mais altos.”
Procurada pelo Estadão, a Vale informou que não houve novo posicionamento de Pimenta a respeito de planos para empresa relacionados à governança e políticas de sustentabilidade, além da declaração exposta no comunicado ao mercado.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.