A consultoria Deloitte e a e a Rede Brasileira do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) realizaram uma pesquisa para avaliar como as empresas brasileiras tratam o compliance, ou seja, o conjunto de práticas que visa garantir que ela e os funcionários estão agindo de acordo com os padrões éticos exigidos por leis, pelo mercado e pelas próprias regras internas. O levantamento apontou que o tema tem avançado na agenda de governança das organizações brasileiras e que canais de denúncia internos têm feito a diferença na manutenção dos padrões, mas há espaço para evolução.
Segundo os realizadores da pesquisa, os números mostram que o compliance avançou desde a última edição, realizada em 2019. Se antes o tema estava em implantação de uma maneira “generalizada”, agora já se avança para discussões de tópicos específicos, como a gestão de riscos de terceiros (fornecedores, clientes e outros entes da cadeia) ou os conflitos de interesse, por exemplo. “Antes se tinha o desenho do que era o compliance, como se iria trabalhar. Agora, a pauta já ganhou corpo e as matérias aparecem de acordo com a evolução no cotidiano”, avalia Camila Araújo, coordenadora da Plataforma de Ação Contra Corrupção do Pacto Global da ONU no Brasil.
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A coleta de dados ocorreu entre 26 de setembro e 30 de outubro e ouviu 113 empresas, 58% das quais com faturamento acima de R$ 500 milhões anuais (39% estão listadas em bolsa, e 17% contam com capital estrangeiro). Os números indicaram que 88% tem um setor interno que tem como atribuição comandar o compliance, e 37% possuem uma área específica para o tema. Entre as empresas ouvidas, 89% consideraram que o compliance melhorou os resultados financeiros (37% muito, 52% pouco), e 73% preveem ampliar investimentos.
“O compliance muitas vezes é visto como um custo, mas ele é uma proteção de valor. Ele não vai te ajudar diretamente a gerar valor, mas evita que você perca valor, protegendo para que a sua operação ocorra de acordo com as regras, leis e o desenho definido de processos e sistemas de controles esperados”, cita Araújo.
A importância de ter uma área que cuide especificamente do compliance, sem lidar também com outros temas, é reforçada por Alex Borges, líder de Risco Estratégico da Deloitte. “O compliance tem que ser da organização. É necessário que haja processos e métodos da administração, a integridade deve ser da administração. Assim, tem que ter uma centralidade para robustecer as ações”, considera.
A maioria das ações de compliance apresentou crescimento desde a última edição da pesquisa, que avaliou o triênio de 2019-2021. Por exemplo, a publicação de um código de ética e conduta avançou de 69% para 75%; o comprometimento da alta administração foi de 61% a 74%, e a avaliação de riscos entre fornecedores, de 42% a 73%. Em questões financeiras, o controle sobre o dinheiro passou de 68% a 71%; a implantação de um sistema interno de controle contábil para evitar adulterações das contas foi de 58% a 69%, e a utilização de uma cláusula anticorrupção em contratos com terceiros também passou de 58% a 69%.
Se por um lado esses números demonstram uma preocupação maior com a pauta, por outro demonstram que ainda há muito o que avançar, já que mesmo as práticas mais disseminadas não ultrapassam 80%. Contudo, a intenção de investir para melhorar o programa de compliance é um dado positivo. “Existe espaço para o compliance ser fortalecido, ainda não estamos em céu de brigadeiro, mas estamos no caminho certo. Os resultados são positivos”, afirma Araújo.
Razões
O estudo também questionou as razões para a adoção das medidas: 80% responderam que visavam tornar o negócio mais sustentável, 72% buscam evitar riscos de imagem, 69% querem estruturar um programa de compliance, 60% atender a exigências regulatórias locais e 47% proteger o valor da empresa diante de incertezas econômicas. Mesmo as organizações menores, com faturamento abaixo de R$ 500 milhões por ano, entenderam a importância de ter um programa estruturado.
“O programa de compliance tem que ser clean, ágil, e o que as empresas têm percebido é que é imperativo conhecer a estratégia, o custo, e quais são os principais riscos para balancear a estrutura de controles e monitoramento”, explica Borges. Assim, as companhias buscam saber o que de fato importa para a organização, o que é aplicável dentro de uma estrutura de compliance que ela possa erguer e como a diretoria se utiliza das informações.
Com essas informações, se torna possível que o compliance seja sustentável dentro da companhia e a proteja de fato de possíveis problemas. “Os programas devem ser calibrados com a gestão de riscos, auditoria interna e as diversas áreas de negócio para conseguir atender o que a companhia precisa em termos de buscar a estratégia, os resultados, as linhas de negócio”, reforça Araújo.
Canal de denúncias
Considerada uma medida importante no programa de compliance, a existência de um canal de denúncias foi citada por 79% das empresas, das quais 86% afirmaram que usam as informações obtidas e 69% projetaram que o uso vai crescer até 2024. As principais medidas para garantir que o canal seja bem utilizado foram a garantia de anonimato (55%) e a implantação de um canal externo, fora da empresa (45%). Os canais também foram citados como uma das principais medidas anticorrupção (46%), acima da cultura organizacional e adesão das lideranças (ambas com 43%).
Para que a implantação de um canal de denúncias seja bem-sucedido, o uso de tecnologia é importante, assim como pode ser o processamento feito por terceiros. O fundamental é garantir confidencialidade e anonimato para que as pessoas se sintam confortáveis em relatar. “Quanto mais robusto for, melhor e mais eficaz será”, ressalta Borges.
Porém há outras questões. Os funcionários da empresa precisam conhecer os fundamentos do compliance da empresa para informar possíveis violações, além de ter definido o que fazer em casos de denúncias e quando as possíveis violações são confirmadas. “Precisa dar um passo muito robusto, ter um código de ética muito claro. Gradativamente a curva de implementação se dá através do código de ética, de uma política anticorrupção. A empresa precisa querer fazer certo desde a primeira vez, mostrar o exemplo pela liderança”, afirma o sócio de risco estratégico da Deloitte.
Treinamento
Um último ponto importante é que as companhias precisam ter um processo de repensar os códigos de ética em ciclos, a cada dois ou três anos, em média, e reforçar as mudanças e alterações com os funcionários, fornecedores e outros stakeholders. “As empresas se transformam, o ecossistema se transforma. O compliance também é uma questão de atitude”, diz Borges.
Assim, criar cursos, treinamentos e ferramentas para atualização periódica dos envolvidos sobre as regras internas de compliance é uma necessidade. Um exemplo é a criação de assistentes artificiais em casos de dúvidas, que deverão estar disponíveis facilmente e de forma ágil aos interessados. Outro instrumento bastante comum é exigir em contratos com fornecedores que treinamentos de compliance sejam realizados, atitude que 30% das empresas dizem tomar em mais de 80% dos acordos que assinam.
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