Resíduo como negócio: startups apostam no uso de ‘sobras’ para impulsionar agenda ESG

Empresas abraçam conceito de economia circular e investem em negócios que vão de itens descartáveis biodegradáveis desenvolvidos a partir do açaí à moeda digital gerada após certificação da coleta de resíduos

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Foto do author Beatriz  Capirazi
Atualização:

Prática até então restrita a poucas empresas, o uso de resíduos tem se tornado o foco principal de negócios voltados para a produção e o consumo de produtos sustentáveis. O movimento tem ganhado força diante de um cenário cada vez mais pautado pelas discussões sobre as mudanças climáticas.

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A agência criativa Hand Atelier, por exemplo, fechou uma parceria com a startup Polimex Bioplásticos e a Moinho Produtos Sustentáveis para a comercialização de itens descartáveis biodegradáveis e compostáveis (que podem se decompor) feitos a partir de resíduos de açaí.

Atualmente, estão disponíveis para comercialização itens como copos, pazinhas de sobremesa, colheres dosadoras e um kit escolar. A parceria prevê a criação de novas linhas com foco em redes hoteleiras, além dos segmentos de bares e restaurantes e embalagens e acessórios de cosméticos.

Com o uso do PNB (Plástico Natural Biodegradável) como matéria prima, a ideia é que esses materiais possam se decompor e se transformar em adubo orgânico em apenas 154 dias. Isso evita que toneladas de plástico sejam descartadas no meio ambiente.

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Descartáveis biodegradáveis e compostáveis (que podem se decompor) feitos a partir de resíduos de açaí. Foto: Divulgação

“O PNB não tem nada petroquímico na composição e para ele se degradar não precisa de uma composteira. Ele pode virar adubo para o solo sem nada toxico e produzir micro plástico, que traz grandes impactos para o meio ambiente, que já foi encontrado no leite materno e na água, justamente por essa dificuldade de se degradar”, explica o diretor comercial na Polimex Bioplásticos, Gabriel Lysias.

O executivo destaca que a parceria foi planejada para incentivar os princípios da bioeconomia circular, ao introduzir no mercado produtos personalizados e sustentáveis que atendem às necessidades específicas dos clientes.

Lysias observa que o mercado de bioplásticos tem crescido e ganhado escala nos últimos anos, embora ainda não se compare à quantidade de plástico produzida pela indústria petroquímica. Ele ressalta, no entanto, que a quantidade de resíduos produzidos pelo agronegócio no Brasil oferece uma grande vantagem competitiva para o país em relação a Europa.

Além disso, em termos de preço também há uma grande vantagem. “Os resíduos petroquímicos são dolarizados, enquanto o PNB, negociado em real, não sofre essas flutuações de câmbio. Então, compensa tanto para as empresas brasileiras quanto para as internacionais. Mas vale destacar que não estamos competindo por preço, mas por valor. Trabalhamos com marcas que entendem a vantagem de ter esse produto, porque o consumidor entende esse agregador de valor”, explica.

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O diretor comercial da Hand Atelier, Alejandro Perren, defende que hoje o preço é, de fato, um ponto a ser considerado na expansão dos biodegradáveis, mas ressalta que os benefícios ainda assim são maiores. “Quanto maior valor agregado naquela peça, o consumidor nem questiona. Precisamos focar no conceito e não no preço. Geralmente tem um preço a cima, mas quanto maior produção tivermos, a tendência é que iremos abrir mais portas nesse mercado”.

Com a aposta de que a demanda por esses produtos crescerá cada vez mais com a ascensão da agenda ESG (sigla em inglês para boas práticas em meio ambiente, social e governança), as marcas esperam recuperar o investimento inicial para a produção dos biodegradáveis até o final de 2024.

Outro destaque no mercado de resíduos é a startup Recicla-se, que transforma a coleta de resíduos em moeda digital. Por meio de um modelo de assinatura personalizado, a companhia certifica empresas e instituições governamentais que estão reciclando os seus resíduos e acompanhando toda a vida útil dos produtos.

Após a certificação, as companhias recebem tokens (representação eletrônica de um ativo real para facilitar as negociações de bens) de carbono como reconhecimento pelo impacto positivo gerado. Na prática, eles funcionam como criptoativos ou moedas digitais e podem ser vendidos.

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O CEO da Recicla-se, Matheus Vitor, aponta que o grande trunfo do projeto é não só a ressignificação dos resíduos em um bem de valor, mas o impulso dado à prática da economia circular nas empresas.

O conceito associa o desenvolvimento econômico de um país ao melhor uso de recursos naturais e a priorização de matérias-primas que sejam mais duráveis e renováveis.

Além disso, o executivo destaca que a prática, por si só, é positiva por rastrear tudo o que acontece com o produto desde o início de sua vida útil, evitando o greenwashing (divulgação falsa sobre sustentabilidade) nas empresas.

“Transformando o resíduo em um token, todos os dados da vida útil daquele produto e daquele resíduo vão estar armazenados na blockchain (livro de registros digitais). Isso torna o processo muito mais seguro e confiável”, explica Vitor.

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CEO da Recicla-se, Matheus Vitor Foto: Divulgação/ Rec

Demanda crescente

Essa mudança de posicionamento de empresas em relação aos resíduos segue não somente uma tendência corporativa — considerando que a gigantes do setor abraçaram o ESG —, mas também uma demanda do consumidor.

Uma pesquisa da plataforma de e-commerce Mercado Livre mostrou que o consumo de itens sustentáveis cresceu 40% no Brasil entre abril de 2022 e março de 2023 — acima da média da América Latina, com 30%. O interesse se reflete na busca por produtos inovadores. Mais de 7,6 milhões de produtos considerados sustentáveis foram consumidos na América Latina só em 2022. Cerca de 60% do total desses consumidores vem do Brasil.

Em toda a América Latina, houve um aumento de 8% no número de marcas e empresários que comercializam produtos sustentáveis, que já ultrapassa 57 mil. Desses, 37% estão no Brasil, onde o crescimento foi maior, chegando a 15% em comparação com o último levantamento.

Especialistas apontam que a busca por produtos sustentáveis tem crescido não só entre o público consumidor, mas também entre as empresas. Matheus Vitor destaca que as empresas que se posicionam como sustentáveis querem mostrar ações efetivas para serem, de fato, levadas a sério e evitar possíveis questionamentos.

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