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Setor financeiro é protagonista na transição para uma economia verde, diz CEO do Citi Brasil

Para Marcelo Marangon, bancos já têm estratégias para incentivar agenda no Brasil, mas poder público precisa de ‘senso de urgência’ para aprovar regulações que atraiam investimentos

Foto do author Shagaly Ferreira
Atualização:
Foto: WERTHER SANTANA
Entrevista comMarcelo MarangonCEO do Citi Brasil

As instituições financeiras têm protagonismo na transição para uma economia verde no Brasil. A avaliação é de Marcelo Marangon, CEO do Citi Brasil. Segundo ele, o setor está no centro de todas as cadeias produtivas, tendo papel importante na oferta de soluções atreladas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), como green bonds (títulos verdes) e linhas de crédito conectadas à mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) de escopo 3 (emissões indiretas, ligadas aos fornecedores).

“O setor financeiro tem um papel protagonista para fomentar essa transição, e são diferentes soluções financeiras que estimulam as cadeias produtivas a terem o mesmo objetivo”, diz. “Incentivo financeiro, algum tipo de benefício em taxa, bonds sustentáveis. São maneiras de auxiliar os nossos clientes a levantar funding (recursos) através de estruturas competitivas, que tenham benefícios e que mostrem para a sociedade que eles estão focados nos objetivos corretos. E nós estamos no centro de todas essas cadeias.”

A aceleração dessa agenda, no entanto, precisa de um “senso de urgência” do poder público, pondera Marangon. Citando como exemplo a tramitação do projeto de lei Combustível do Futuro (n° 528/2020), ele diz que o Brasil está “atrasado” do ponto de vista regulatório frente a outros mercados globais, perdendo oportunidades de atrair investimentos e projetos interessados na segurança de um mercado já regulado.

“Nós não estamos competindo com projetos dentro do Brasil, nós estamos competindo com projetos globais. Então, o projeto a ser desenvolvido no Brasil tem que ser tão bem desenvolvido, rentável, organizado e estruturado quanto um projeto feito na Ásia, na Europa ou nos Estados Unidos”, afirma.

Ele lembra que o PL que endereça a SAF passou pela Câmara, mas falta ser apreciado no Senado e validado pelo Congresso. “Muitas empresas e muitos investidores aguardam o desenrolar desse PL para que a gente tenha segurança jurídica para investir em um mercado ainda a ser regulado. Essa regulamentação precisa ser finalizada o quanto antes, para que a gente não perca essa janela de oportunidade de atrair os projetos para o Brasil”, complementa o CEO.

Em 2021, o Citi, que tem atuação em mais de 100 países, anunciou a meta de investimento global de US$ 1 trilhão em finanças sustentáveis até 2030. Conforme Marangon, a instituição já chegou a US$ 441 bilhões de financiamento, incluindo alocações no Brasil. Sem divulgar a nova quantia, ele afirma que o volume de investimento acelerou mais do que o previsto e a meta deve ser revisada para um valor maior, para ser executada até os próximos seis anos.

Dentre os produtos ofertados pelo Citi no País enquadrados na meta de finanças sustentáveis, está o Sustainable Supply Chain Finance, linha de crédito de risco sacado oferecida. Nela, para ter antecipação de recebíveis, os fornecedores precisam comprovar às companhias contratantes do serviço o atendimento a critérios ESG. Segundo o banco, a modalidade registrou o total de R$ 760 milhões em operações no mercado brasileiro.

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Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Durante o Fórum Net Zero (evento ocorrido em São Paulo, em 13 de agosto), o senhor falou que o Brasil está competindo com projetos globais e por isso precisa incorporar um senso de urgência. Sob qual ponto de vista?

Esse é um ponto muito importante porque, primeiro, nós não estamos competindo com projetos dentro do Brasil, nós estamos competindo com projetos globais, a alocação de capital é global. Então, o projeto a ser desenvolvido no Brasil tem que ser tão bem desenvolvido, rentável, organizado e estruturado quanto um projeto feito na Ásia, na Europa ou nos Estados Unidos.

A perspectiva relativa é importante, não é olhar só para dentro do Brasil, é olhar para fora do Brasil. E, nesse sentido, a gente está atrasado no lado regulatório. O PL que endereça a SAF passou pela Câmara, falta ainda ser apreciado no Senado e validado pelo Congresso, e muitas empresas e muitos investidores aguardam o desenrolar desse PL para que a gente tenha segurança jurídica para investir em um novo mercado, um mercado ainda a ser regulado, que ainda não tem o mercado secundário ativo. Essa regulamentação precisa ser finalizada o quanto antes, para que a gente não perca essa janela de oportunidade de atrair os projetos para o Brasil.

Então, a urgência é por parte do poder público?

Sem dúvida.

Para Marcelo Marangon, Brasil precisa agilizar regulação para agenda verde Foto: Werther Santana/Estadão

Em 2021, o Citi anunciou que faria US$ 1 trilhão em finanças sustentáveis globalmente até 2030. Mas agora essa meta já está sendo revista. Por quê?

Nós já estamos revisando a meta porque não chegamos nem na metade do período de dez anos e já atingimos US$ 440 bilhões de financiamento. Então, certamente, a gente vai passar essa meta. Estamos acelerando demais os projetos sustentáveis.

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Parte desses recursos tem ido para a América Latina?

A gente tem grandes projetos na América Latina, vários projetos no Brasil, mas essa é uma meta global. Como somos um órgão global em termos de presença física, essa é uma meta para todos os mercados em que a gente opera. Temos toda uma governança para qualificar, validar e participar desses projetos.

Só no Brasil, o Citi anunciou que R$ 760 milhões do total oferecido via linha de crédito de risco sacado estiveram atrelados a critérios ESG. Esse tipo de produto se relaciona com um dos gargalos das empresas, que é diminuir as emissões de CO₂ do escopo 3. Isso demonstra que os bancos podem tomar a dianteira para criar estratégias que possam mitigar essas emissões?

Sim, sem dúvidas. O setor financeiro tem um papel protagonista para fomentar essa transição, e são diferentes soluções financeiras que estimulam as cadeias produtivas a terem o mesmo objetivo. O risco sacado é um deles. Então, como incentivar a cadeia de fornecimento a focar na transição energética e os nossos clientes a estimularem os seus fornecedores a também terem a mesma preocupação? É através de incentivo financeiro, algum tipo de benefício em taxa, bonds sustentáveis…

São maneiras de auxiliar os nossos clientes a levantar funding (recursos) através de estruturas competitivas, que tenham benefícios e que mostrem para a sociedade que eles estão focados nos objetivos corretos. E nós estamos no centro de todas essas cadeias, então, temos um papel importante para fomentar esse tipo de estratégia.

Existem outros produtos que o Citi pretende lançar atrelados a ESG no curto e médio prazos?

Sim. Nós temos outros produtos que já existem e vários em desenvolvimento. Por exemplo, nós temos linhas de investimento de liquidez em que parte dos recursos são direcionados para fomentar a sustentabilidade. Temos várias iniciativas que fazemos do lado social do ESG em que a gente também aloca parte dos nossos ganhos para fomentar o desenvolvimento das comunidades onde atuamos.

Mais do que iniciativas específicas, é importante isso estar no centro da estratégia do banco. Hoje em dia, em tudo que nós desenvolvemos nós pensamos em sustentabilidade. Nós acessamos nosso cliente de maneira individual para entender qual é a pegada de carbono, se ele está preocupado com transição energética, se a gente pode ajudar no financiamento da transição, como a gente vai acompanhar, quais são as métricas e se a gente tem que ter um papel protagonista para estimulá-lo a avançar mais rapidamente nos seus objetivos.

Nesse sentido, em relação ao mercado brasileiro, as empresas já estão trazendo a sustentabilidade para o centro da estratégia do negócio?

Eu acho que não é uma fotografia, é um filme. Acho que todas as empresas têm o pilar de sustentabilidade na sua estratégia. Algumas se desenvolveram mais rapidamente do que outras. Já faz mais de 15 anos que a gente já tem essa discussão com os nossos clientes, sejam companhias abertas, sejam fechadas. A gente vê progressos de intensidade e velocidade diferentes nas empresas. Mas esse é um tema que veio para ficar, e cada um está construindo a sua própria estratégia.

Tem algum setor aqui no Brasil que se destaca nesse sentido?

Por definição, o setor agrícola tem demonstrado uma preocupação muito grande, desde a parte de cultivo regenerativo e reflorestamento ao monitoramento das produções para certificar os produtos que serão exportados, para, inclusive, terem preço e condições de financiamento diferenciados. Então, acho que essa é uma área de excelência do Brasil

Temos outros setores acompanhando: o setor de energia, com toda a transição energética e projetos renováveis, solares e eólicos; e a indústria, com soluções de tecnologia desenvolvidas no Brasil e trazidas de outros países.

No banco, a gente costuma dizer que, no passado, quando os clientes faziam emissões no mercado internacional, eram emissões de general corporate purposes, ou seja recursos para investimentos gerais não determinados. Atualmente, tudo tem um uso de recursos específico, e, em um futuro próximo, tudo será sustentável.

E quanto às emissões financiadas, elas têm sido um problema para essas metas de sustentabilidade?

Eu não acho que seja um problema, acho que é um desafio. Como a sustentabilidade está no centro das grandes companhias, tudo novo que a gente faz tem uma visibilidade muito boa. O grande desafio é conseguir olhar para todos os setores da economia, todos os tipos de empresa, todas as atividades, para que a gente possa mensurar de fato, naquele portfólio, o quanto ele está emitindo. A gente tem uma série de iniciativas globais, regionais e locais, e eu acho que, em um futuro próximo, a gente vai poder estabelecer metas muito específicas para chegar na ambição de ser Net Zero.

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Nas estratégias de fusões e aquisições e em outros tipos de negociação, o mercado já tem, de fato, considerado o pilar ESG?

Sim. Ele é considerado, inclusive, no estágio inicial do posicionamento estratégico das companhias: se elas são renováveis, se prezam pela sustentabilidade. Esses são atrativos muito importantes para os investidores institucionais, para os fundos de private equity (investimento em empresas de capital fechado), para os bancos que fazem o financiamento. Esses critérios são analisados em todas as transações, não só nas transações estratégicas, de fusões e aquisições, mas nas de dívida também.

E a aposta em estratégias de soluções sustentáveis pode ser uma solução para melhorar essa lacuna que estamos tendo no mercado de capitais no Brasil quanto aos IPOs (sigla em inglês para oferta inicial de ações)? A resposta estaria no ESG?

Eu diria que o ESG faz parte da solução, mas não necessariamente é a única solução. O mercado de capitais para IPOs está fechado não por falta de projetos ligados a ESG, mas por outras condições, como taxa de juros dos Estados Unidos, a previsibilidade econômica, equilíbrio fiscal, etc. Então, eu acho que ESG é parte da solução, mas não é a única solução para que a gente tenha a volta desses mercados.

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