Os efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul provocam reflexão no mercado sobre o que fazer de diferente para mitigar a crise climática. A opinião é de Luciana Wodzik, CEO da divisão de Negócios de Calçados e Acessórios da Arezzo&Co, ao fazer referência à necessidade de abertura do Brasil para uma produção mais sustentável, sem retrocessos.
A sede da companhia e a maior parte das suas fábricas (seis delas) estão no Estado gaúcho, um reconhecido polo calçadista brasileiro, com cerca de 3 mil empresas e aproximadamente 120 mil trabalhadores diretos, conforme a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
Segundo a executiva, não houve grandes impactos materiais nos empreendimentos ligados a Arezzo&Co. No entanto, 3 mil colaboradores foram afetados em maior ou menor grau, o que exigiu da companhia a adoção de políticas de gestão de crise. Os funcionários que estavam em abrigos, por exemplo, foram realocados em hotéis e casas em lugares seguros, diz.
“A situação de cada um é diferente. Tem lugares que foram mais afetados que outros. Então, a gente tomou primeiro uma medida que atendesse a todos de forma igual, depois a gente classificou por situações: aqueles mais afetados tiveram um apoio diferenciado”, explica a gestora.
Além de arrecadar donativos, a companhia anunciou a parceria com entidades e empresas calçadistas em prol do Movimento Próximos Passos RS, fundo voltado para reconstrução de parte da cadeia do setor afetada pelo desastre climático que já arrecadou R$ 10 milhões.
“Nesse primeiro momento, que ainda está acontecendo, a gente tem uma questão que é basicamente salvar vidas. A arrecadação tem como foco o ecossistema do polo calçadista e é um plano de médio e longo prazo”, afirma.
Abaixo os destaques da entrevista:
A sede e a maior parte das fábricas do grupo ficam no RS. Elas foram afetadas com as enchentes?
Em um primeiro momento, a nossa preocupação era com as pessoas, com os colaboradores, com os nossos stakeholders. O primeiro passo foi apoiar todos os nossos colaboradores, trazer doações, tirar (dos alojamentos) aqueles que estavam em abrigos. A gente teve poucos (funcionários) que ficaram desabrigados, mas tiramos de imediato eles (dos abrigos), colocamos em locais seguros, em hotéis, casas, para que eles pudessem ter um conforto.
Depois, a gente trabalhou com os nossos stakeholders: nossos franqueados e nossos lojistas, e fizemos o mesmo trabalho que na pandemia. Foi todo um apoio na parte financeira, bloqueando o faturamento, trazendo prazo adicional, cuidando dos estoques deles e do que será necessário (no futuro).
A situação de cada um é diferente. Há lugares que foram mais afetados que outros. Então, a gente tomou primeiro uma medida que atendesse a todos de forma igual, depois a gente classificou por situações: aqueles mais afetados tiveram um apoio diferenciado.
A terceira fase será a gente entender todo ecossistema das nossas indústrias, dos nossos fornecedores. Por sorte, a nossa sede em Campo Bom (município do Rio Grande do Sul) não foi afetada, a enchente não chegou. Poucos fornecedores e fabricantes foram afetados, (mas foram afetados), sim, seus colaboradores, que fazem o negócio acontecer.
O grupo é um dos integrantes do Movimento Próximos Passos RS. De que modo a iniciativa planeja fazer essa intervenção?
A gente trabalhou nessa terceira edição do Pulsar (evento anual de divulgação das coleções de verão das marcas do grupo) esse propósito maior que é o “pulsando pelo Rio Grande do Sul”, em apoio da Arezzo&Co junto com a Abicalçados, a Assintecal e a CICB para a gente fazer este movimento (de apoio ao Movimento Próximos Passos RS).
Iniciamos no dia 13, com Alexandre Birman (CEO da Arezzo&Co) divulgando todo esse movimento e fazendo a contribuição de R$ 1 milhão. Na sequência, já houve outros empresários mobilizados também. E a gente está usando o Pulsar para poder dar voz a esse movimento e conseguir atingir o maior número possível de colaborações.
Nesse primeiro momento, que ainda está acontecendo, a gente tem uma questão que é basicamente salvar vidas. A arrecadação tem como foco o ecossistema do polo calçadista e é um plano de médio e longo prazo. Toda essa comunidade que está apoiando está desenhando como, de que forma e para quem a gente vai fazer todo esse movimento.
Segundo a Abicalçados, o Brasil é o quinto maior produtor de calçados do mundo, e grandes marcas de referências do segmento estão nessa campanha. Isso mostra que as mudanças climáticas têm sido uma preocupação do setor?
A Arezzo&Co tem um trabalho muito estruturado de sustentabilidade e de ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança). A gente sabe dos impactos que a indústria da moda traz, e a gente tem tentado, por meio dessas frentes, mitigar (os impactos).
Eu acredito muito na força dos movimentos, inclusive, sim, em momentos difíceis. (Isso) mostra a nossa capacidade de movimentar um mercado, um ecossistema, e isso pode servir como exemplo para todos, pois a gente está aprendendo com tudo isso, e é muito novo para todos nós a maneira como, além de você estar preocupado com a sustentabilidade financeira, estar preocupado com a sustentabilidade com uma visão mais 360°.
A Arezzo&Co está na liderança no setor calçadista, então todo bom exemplo que ela dá puxa os demais. O Pulsar e a maneira como estamos fazendo toda a movimentação sobre o tema não só movimentam o nosso ecossistema, mas incentivam as outras empresas, até pequenos e médios empresários, a ter essa consciência e também se envolver para que a gente possa cada vez mais estar olhando para um mundo melhor.
Temos que ter ações, porque é mais importante o tempo inteiro é a gente fazer. E na Arezzo&Co a gente até fala muito pouco sobre esses temas. Eu acho que cada vez mais a gente deveria fazer e liderar (movimentos), porque são movimentos muito importantes. A gente faz, mas a gente também deveria falar mais (sobre eles).
E quais são os desafios hoje enfrentados pelo segmento para cumprir metas de sustentabilidade?
Eu acho que falta, no geral, as pessoas terem consciência dos verdadeiros impactos: o que eu estou fazendo hoje e que pode estar impactando no futuro. Então, é uma questão de cultura de consciência, que a gente precisa estar todos os dias falando, conscientizando, gerando movimentos, para que a gente possa ter cada vez mais (o engajamento de) pessoas e empresas, não só do setor calçadista e de moda, mas de todos os outros setores que impactam nessas questões.
E que a gente não possa de forma nenhuma retroceder. É um trabalho. É todo dia fazendo, avançando, evoluindo, colocando mais pessoas dentro dessa consciência.
E o Brasil, hoje, já é um mercado aberto para essa produção mais sustentável?
Temos facilidade, mas temos muito para evoluir. São vários passos e evoluções que o Brasil precisa ter, mas eu acho que uma tragédia como a do Rio Grande do Sul coloca todo mundo para parar e refletir sobre o que que precisa fazer de diferente e como isso serve de lição, não só para o movimento de agora.
Por isso que as nossas ações não são apenas a curto prazo. As do curto prazo são: salvar as pessoas, se solidarizar, dar conforto e lares para todas elas, mas depois a gente tem um caminho de médio e longo prazo para continuar e cada vez mais ter menos impactos, pois com certeza que tá acontecendo no Rio Grande do Sul poderia ter sido evitado.
O mercado da moda, por exemplo, tem potencial para assumir uma posição de referência ou mesmo um protagonismo no Brasil em relação à produção sustentável?
É o que a gente idealiza e gostaria, mas a gente tem muito caminho pela frente.
E qual é o empecilho para isso?
É consciência. Se a gente for pensar, é um assunto recente, novo no mercado. Não é um assunto que vem de décadas. E por ser um assunto novo, como tudo que se busca como uma nova forma de comportamento, de olhar de mercado, de exigências, existe um caminho de evolução. Esse é o ponto.
Todo mundo, com certeza, de forma consciente quer ter um planeta melhor e mais sustentável, mais diverso, sem catástrofes, mas para isso precisa dar o primeiro passo. É uma questão de cultura e de evolução.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.