BRASÍLIA – Após ver o pacote de corte de gastos ser desidratado, o governo Lula não conseguiu votos para aprovar nesta quarta-feira, 18, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que integra o conjunto de medidas de ajuste fiscal.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação da proposta para esta quinta-feira, 19, para evitar uma derrota do Palácio do Planalto e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os deputados federais aprovaram um projeto do pacote, com novos gatilhos para reforçar o arcabouço fiscal, mas derrubaram a tentativa do governo de cortar emendas parlamentares impositivas para cobrir gastos obrigatórios e cumprir o limite de despesas.
A segunda proposta a ser votada seria a PEC que prevê mudanças no abono salarial, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb) e nos supersalários do funcionalismo público.
Às 23h30, os deputados votaram uma proposta regimental que dava preferência para a PEC entrar em votação. A proposta foi aprovada por 294 votos contra 172. Constatou-se que a quantidade de votos favoráveis, porém, não seria suficiente para aprovar o conteúdo da PEC, que exige 308 deputados favoráveis, por ser uma PEC - o que levou Lira a adiar a votação para poupar o governo de uma derrota.
Deputados da base aliada votaram contra a proposta, deixando claro nos bastidores uma insatisfação com o ministro Fernando Haddad e contrariedade com o ajuste proposto pela equipe econômica. Os 12 deputados do PSOL presentes na sessão e mais dois do PT votaram contra. Se tivessem votado a favor, a proposta passaria.
O governo tentará votar novamente a PEC nesta quinta, em sessão marcada às 10 horas. O Palácio do Planalto ainda tem um terceiro projeto do pacote fiscal para pautar, e esse é o mais polêmico, pois envolve mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) - que já foram desidratadas no relatório do projeto em relação à proposta original do governo.
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O Congresso só tem esta semana para analisar o pacote ainda neste ano, pois depois entra em recesso. Surpreso com o resultado da votação, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), falou rapidamente com jornalistas após a sessão e sinalizou que o Senado poderá fazer sessão no sábado para terminar a aprovação do pacote.
“Não tem sessão do Congresso mais, nós temos o dia todo para concluir; deve ficar só um destaque da PEC, dá para votar amanhã. Vamos terminar a PEC e vamos para PL. Para o Senado, tem à noite (de quinta), tem sexta, o Senado está dizendo que pode fazer sessão até sábado. Marcamos para às 10h (de amanhã). Sem risco de receio. Vamos aprovar a PEC amanhã. (Os votos) são suficientes, vamos aprovar a PEC e o PL amanhã”, afirmou.
Mudança no Fundeb
A principal mudança texto da PEC, relatado pelo deputado Moses Rodrigues (União-CE), foi a alteração da proposta do governo em relação ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A Fazenda queria que até 20% dos recursos que a União coloca no fundo fossem destinados ao ensino em tempo integral, o que poderia abrir um espaço fiscal de R$ 11,6 bilhões no ano que vem.
O relator reduziu o porcentual para 10% e estabeleceu que o dinheiro da complementação da União no Fundeb será usado para ensino em tempo integral apenas em 2025, diminuindo o impacto para R$ 4,8 bilhões. Esse valor, no entanto, já era a economia anunciada pelo governo ao anunciar o pacote fiscal.
Com a proposta, a partir de 2026, os Estados e municípios terão que destinar 4% de recursos próprios que colocam no Fundeb para esse programa. Na prática, a União transfere a responsabilidade para os governos locais e espera economizar recursos com isso.
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De acordo com o economista Camillo Bassi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os Estados e municípios precisarão investir R$ 12 bilhões em ensino em tempo integral em 2026 para cumprir a regra da proposta aprovada. “O valor bate com a proposta anterior, mas a origem do recurso é diferente. A partir de 2026, o recurso será calculado em cima dos fundos de todos os Estados, e a União estará alheia.”
A economia efetiva de gastos para a União, no entanto, vai exigir que o governo federal diminua recursos do orçamento da Educação no mesmo montante. Ao cortar recursos, o governo federal deverá assumir o ônus político e ainda respeitar o piso constitucional da Educação exigido pela Constituição, que consome despesas não obrigatórias.
O espaço da economia gerada pelo Fundeb poderá ser ocupado por outros gastos, como o programa Pé-de-Meia, que paga uma bolsa para estudantes do ensino médio. Dessa forma, não haveria corte no total de despesas, mas traria o Pé-de-Meia para dentro do Orçamento, evitando manobras fiscais.
Outras medidas
O relator manteve o comando constitucional para tentar combater os supersalários do funcionalismo público, mas definindo que uma lei ordinária, e não mais uma lei complementar, vai dizer quais tipos de penduricalhos poderão ser excluídos do teto remuneratório. Na prática, a lei ordinária exige menos votos para aprovação.
A PEC também define que terá direito ao abono salarial quem ganha até 1,5 salário mínimo, mas com uma regra de transição. Hoje, tem direito ao abono quem ganha até dois salários mínimo, mas isso vai cair gradativamente até pelo menos 2035.
A proposta prorroga ainda a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2032. Por outro lado, saiu do texto a revogação dos parágrafos que obrigavam o governo a executar o Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional.
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