Governo adota protecionismo 'coco ralado' e adia competição com a China

Salvaguarda para o coco ralado é exemplo de reserva de mercado nacional que não eleva investimento para melhorar a competitividade

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Por Iuri Dantas e BRASÍLIA

O governo brasileiro optou por um protecionismo estilo "coco ralado", que apenas adia a competição com produtos asiáticos, ao mesmo tempo em que incentiva a indústria doméstica a se acomodar com reservas de mercado. Como resultado, dizem especialistas, os consumidores tendem a pagar preços mais elevados por produtos de menor qualidade. O estilo protecionista brasileiro pode ser compreendido ao se analisar a medida comercial mais dura adotada nos últimos anos: a salvaguarda para o coco ralado, que reserva o mercado nacional para os produtores locais, exigindo, em contrapartida, investimentos para que a indústria se torne apta a competir. Após nove anos em vigor, "o que a gente constata é que pouco ou nada foi feito", atestou Humberto Rollemberg Fontes, pesquisador da Embrapa que acompanha o setor há 30 anos. A medida expira em 2012. Da mesma maneira, outras tentativas do governo de proteger a indústria doméstica da concorrência com estrangeiros no passado deram resultados questionáveis, como a Lei da Informática e a reserva do mercado de automóveis.Depois dos anos de abertura sob Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, novas medidas protecionistas foram adotadas no primeiro ano do governo da presidente Dilma Rousseff, segundo especialistas. "O protecionismo aparece como alternativa viável quando o governo não consegue aumentar a competitividade resolvendo problemas de tributação, logística e burocracia," avaliou o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior. "Só essas medidas é que geram crescimento sustentável, em oposição à segurança ilusória do protecionismo." Inflação. A adoção de medidas protecionistas neste ano decorre de dois pontos fundamentais, segundo analistas e o governo. A crise reduziu o consumo nos países desenvolvidos, levando indústrias asiáticas a desviar produtos encalhados para o Brasil. Os automóveis, por exemplo, estariam nessa categoria por causa de estoques altos nas montadoras estrangeiras. O segundo ponto é o fim da contribuição dos importados no combate à inflação, segundo Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "O Brasil criou estabilidade de curto prazo, porque o câmbio sobrevalorizado ajudava no combate à inflação", disse o acadêmico. "No médio prazo, como agora, as empresas começam a quebrar, aí correm para proteger bicicletas, automóveis, brinquedos, etc." Na visão de representantes da indústria doméstica, não há opção. Ou o governo ajuda o setor ou algumas fábricas, e empregos, deixarão de existir. "O governo está atento e dando auxílio para que a industria de bicicletas não morra no Brasil como morreu nos Estados Unidos", disse Moacyr Alberto Paes, diretor executivo da Abraciclo, associação dos fabricantes de bicicletas. Para o diretor da Supergauss, fabricante de ímãs de ferrite, e membro fundador da Comissão de Defesa da Indústria Brasileira (CDIB), Roberto Barth, "é impossível ter uma indústria e concorrer com uma economia que tem a moeda 70% mais valorizada que a sua", como a China. "Essa palavra protecionismo não se encaixa nas medidas que estão sendo tomadas." Competitividade. Os produtos fabricados na Ásia, a maior e principal região industrial do mundo hoje, são mais competitivos do que os brasileiros e as medidas protecionistas não mudam esse cenário, afirmou Rafael Martello, analista da Tendências Consultoria. "Grande parte dessa competitividade é porque eles fizeram o dever de casa, investiram em infraestrutura, capital humano e em exportar da maneira mais barata possível", disse Martello. Enquanto isso, "não criamos condições no mercado interno" para disputar clientes com os asiáticos, avaliou o analista."Toda vez que há competição mais acirrada, a indústria clama por câmbio, que o governo resolve numa canetada, é mais difícil brigar por infraestrutura, educação, menor burocracia", acrescentou. As medidas de proteção, em geral, estimulam a acomodação da indústria e aumentam preços, disse Martello. "Como o industrial está num ambiente em que não é instigado a buscar melhorias fica acomodado e não há tanto esforço para melhorar os produtos."

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