O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve tentar emplacar Parceiras Público-Privadas (PPPs) no setor ferroviário, com a expectativa de haver mais dinheiro público na área. A tendência foi reforçada por estudos do grupo de infraestrutura que trabalha na transição. Ex-ministro de Portos, ex-secretário do PAC e integrante do GT, Maurício Muniz disse ao Estadão/Broadcast ser necessário desenhar mais alternativas para desenvolver a matriz ferroviária. PPPs na forma da lei, com contraprestação financeira da União, e a criação de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) com participação estatal para construir e operar ferrovias estão entre as possibilidades.
Apesar de tentativas que perpassam os governos de FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, o Brasil ainda conta com uma participação baixa de ferrovias no transporte de cargas – menos de 20% da matriz. Com Bolsonaro, o Ministério da Infraestrutura apostou nas renovações antecipadas de contratos de concessão, em novos projetos e nas autorizações ferroviárias. No caso das autorizações, modelo aprovado pelo Congresso no ano passado, as empresas conseguem aval do poder público para construir por conta e risco próprios uma ferrovia privada. Até o momento, 32 contratos foram assinados, com previsão de investimentos na ordem de R$ 149 bilhões.
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O time da transição acredita que a estratégia poderá dar certo para trechos curtos – que liguem, por exemplo, uma fábrica a um ramal ferroviário principal –, mas não para trechos que exigem grande quantidade de investimento. O temor é que parte dos contratos assinados seja apenas especulativa, em função do capital insuficiente que muitas das empresas apresentam.
Diante desse cenário, Muniz defende que o governo Lula lance mão das PPPs para impulsionar o modal. O plano segue o entendimento de que concessões puras – sem qualquer recurso do governo – não param de pé, já que as obras exigem alto grau investimento. Com isso, o ex-ministro avalia ser possível que o próximo governo desenhe projetos de ferrovias estruturantes a partir do modelo de PPP previsto em lei, a depender da região e do traçado. O instrumento permitiria, por exemplo, que a iniciativa privada construa e opere um traçado recebendo algum tipo contraprestação financeira da União.
Não está nos planos retomar a modelagem tentada em 2013, quando o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) Bernardo Figueiredo estava à frente da EPL. Na ocasião, o governo Dilma estruturou projeto pelo qual a Valec compraria a capacidade da ferrovia e remuneraria a concessionária com uma tarifa. A ideia buscava tirar o risco de demanda da iniciativa privada, mas enfrentou diversos percalços, inclusive no Tribunal de Contas da União (TCU), e acabou não indo para frente. Hoje, a avaliação é de que o modelo traz um risco muito grande para o Estado e, portanto, não deve ser retomado.
Na prática, recursos públicos têm dado sustentação às principais concessões feitas nos últimos anos, mas numa espécie de PPP informal: o poder público constrói para só depois conceder. Foi o modelo que perdurou com a Valec, estatal que recentemente foi fundida com a EPL, tornando-se Infra SA. A empresa ficou responsável, por exemplo, por grande parte das obras da Ferrovia Norte-Sul (FNS), que teve trecho de 1,5 mil km arrematados pela Rumo em 2019. Foi o primeiro leilão de ferrovias do governo em mais de dez anos.
Até chegar nesse ponto, contudo, o projeto sofreu diversos solavancos. As obras custaram muito acima do previsto inicialmente. O ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, conhecido como Juquinha, chegou a ser condenado em denúncia de superfaturamento em contratos para a FNS. Uma estruturação de PPP, como previsto em lei, por sua vez, poderia dar mais transparência e controle sobre os projetos. O instrumento ainda poderia ser aplicado à parte da malha que tem sido devolvida pelas concessionárias nos processos de renovação antecipada dos contratos.
SPEs
Outro modelo que poderá ser analisado a partir de 2023 reflete o que foi feito no setor elétrico. O Estado participaria como acionista em Sociedades de Propósito Específico responsáveis pela construção e operação de ferrovias. O desenho seria eventualmente usado em ferrovias autorizadas, se o traçado for avaliado como estruturante. A ideia é dar mais capacidade de execução ao setor privado em projetos que exigem alto grau de investimento e que, por serem importantes para a malha ferroviária, precisam sair do papel.
Quais traçados poderiam ser executados nesse modelo, contudo, é um ponto a ser analisado. Será preciso levantar se projetos considerados essenciais para a malha são alvo de contratos de autorização já assinados entre empresas e o governo. São consideradas estruturantes, por exemplo, as ferrovias de Integração Oeste-Leste (Fiol) - que já teve um segmento leiloado - e de Integração Centro-Oeste (Fico). Atualmente, parte dessas ferrovias é construída com recursos obtidos pela União por meio das renovações antecipadas de contratos de concessão - o chamado ‘investimento cruzado’. O instrumento, que começou a ser usado na gestão de Tarcísio de Freitas, deve ser continuado no governo Lula 3.
Outra mudança que poderá ser estudada no próximo ano é a de alocar no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) a função da Valec - agora Infra SA - na construção de ferrovias. A alteração começou a ser estudada pelo Ministério da Infraestrutura no governo Bolsonaro. Antes da eleição, o ministro Marcelo Sampaio chegou a dizer que, com a conclusão do processo de incorporação da EPL e Valec, a pasta pretendia editar até o fim do ano uma medida provisória para efetivar a transferência.
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