Reforma do Orçamento: governo avalia regra para reduzir bola de neve de restos a pagar, de R$ 285 bi

Nova lei de finanças públicas, em elaboração no Planejamento, também deve prever simplificação das leis orçamentárias, revisão periódica de programas e ações e análise de médio prazo das despesas

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Foto do author Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA – O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) se prepara para apresentar em breve uma reformulação da lei de finanças públicas, que completa 60 anos em março e é um dos pilares do processo orçamentário no País. Entre as várias medidas em estudo pela pasta, para a proposta de reforma ao Orçamento, está o endurecimento das regras para gastos herdados de anos anteriores – os chamados “restos a pagar”, que voltaram a crescer a partir de 2021.

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São valores não pagos que são transferidos para os anos seguintes, competindo por espaço com as novas despesas. Ou seja: são cifras empenhadas para gasto (reservadas para liquidação e pagamento), porém não executadas até 31 de dezembro, sendo “roladas” para o próximo exercício. Hoje, esse montante soma R$ 284,8 bilhões.

Desse total, R$ 31,7 bilhões são referentes a emendas parlamentares, aqueles valores que deputados e senadores destinam a redutos eleitorais – o que torna o assunto sensível do ponto de vista político, sobretudo em ano de eleições municipais.

As emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto e foram extintas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022, representam a maior parte desse subgrupo: R$ 9,3 bilhões.

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Hoje, o controle sobre o Orçamento é alvo de grande embate entre Executivo e Legislativo. Isso porque a peça orçamentária é considerada engessada, por estar quase toda comprometida com gastos obrigatórios, como salários de servidores e benefícios previdenciários, deixando apenas uma pequena fatia destinada a despesas discricionárias (aquelas que não são obrigatórias, como investimentos e custeio) – e é nesse filão que se concentra a disputa entre os Poderes.

Na tentativa de reduzir essa excessiva rigidez, a nova lei de finanças públicas também deve prever uma revisão periódica dos gastos, que seria feita anualmente e poderá constar já na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a ser enviada ao Congresso até 15 de abril.

Trata-se de um tema espinhoso dentro do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vem se mostrando resistente a rever despesas, o que levou a equipe econômica a concentrar o ajuste fiscal pelo lado das receitas.

A LDO determina as diretrizes para a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) e, no âmbito da nova lei de finanças públicas, ambas deverão passar por uma simplificação, com menos detalhamento e maior foco em programas e metas, a fim de serem mais transparentes. A avaliação é de que as legislações se tornaram grandes bancos de dados, que tiram o foco do mérito (conteúdo das propostas) e se tornam pouco compreensíveis aos cidadãos.

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Além disso, com menos detalhes previstos em lei, seria possível aumentar a flexibilidade do Executivo, que dependeria menos do Legislativo para realizar alterações orçamentárias, afirmam especialistas em contas públicas. Mais um ponto, portanto, que exigirá negociação com os parlamentares.

Ministério do Planejamento, de Simone Tebet, vai apresentar reformulação da lei de finanças públicas. Foto: Adriano Machado/Reuters

Outro fundamento da proposta será a visão de médio prazo, que já começou a ser implantada em 2024, mas ainda de forma incipiente. Isso exigirá que o governo analise o impacto fiscal de um novo gasto num horizonte maior – de quatro anos, por exemplo – e não apenas no exercício corrente, avaliando, assim, se determinada medida é ou não sustentável.

Os economistas já vêm alertando para esses riscos no horizonte, uma vez que as despesas obrigatórias, como as de gastos com pessoal, estão em trajetória de alta e poderão se tornar incompatíveis com o recém-nascido arcabouço fiscal já em 2025.

O ‘orçamento paralelo’ dos restos a pagar

Atualmente, as regras sobre restos a pagar estão dispersas em diversos decretos, que foram sendo editados um em cima do outro ao longo das últimas décadas. O princípio geral em vigor, porém, prevê que as despesas não processadas sejam bloqueadas até junho do segundo ano após a inscrição no Orçamento. Se permanecerem bloqueadas até dezembro – uma vez que podem ser desbloqueadas –, serão, então, canceladas.

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Há despesas, porém, blindadas de bloqueios, como as ligadas ao Ministério da Saúde e às emendas individuais e de bancada impositivas (obrigatórias). Na prática, isso faz com que uma série de gastos sejam rolados durante vários anos, criando uma bola de neve que concorre com as execuções do exercício vigente, distorcendo a peça orçamentária.

Por esse motivo, o Tribunal de Contas da União (TCU) já emitiu recomendações ao governo para reduzir esse montante, em respeito aos princípios da “anualidade orçamentária” e da “gestão fiscal responsável”.

O estoque de restos a pagar voltou a crescer na passagem de 2020 para 2021, na esteira da pandemia e do consequente aumento das despesas públicas – tendência que se manteve nos anos seguintes. Em 2024, 80,4% do saldo bilionário é referente a 2023 (ano em que a PEC da Transição elevou os gastos do governo em R$ 170 bilhões), mas há despesas de 2022 (8,3%), 2021 (5,2%) e até mesmo anteriores a 2015 (1%).

Em janeiro do ano passado, a equipe econômica já havia demonstrado preocupação com o tema, ao determinar um pente-fino nas rubricas acima de R$ 1 milhão. Isso resultou em um bloqueio de R$ 33,6 bilhões para posterior análise pelas pastas responsáveis pelas despesas. Desse montante, porém, apenas R$ 679 milhões foram cancelados – o equivalente a 2%, segundo informações do Tesouro Nacional compiladas a pedido da reportagem.

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Agora, o Ministério do Planejamento quer aproveitar a lei de finanças públicas para tentar, novamente, endereçar esse assunto. Segundo apurou o Estadão, a pasta avalia usar como base para a nova legislação algumas propostas que constam em um projeto de lei de 2009, de autoria do então senador Tasso Jereissati, o qual foi citado publicamente pelo atual secretário de Orçamento federal, Paulo Bijos. O projeto foi aprovado em 2016 no Senado, mas encontra-se parado na Câmara.

O texto prevê prazos mais curtos do que os atuais, com diferenciação por tipo de verba. As despesas correntes inscritas nos restos a pagar, por exemplo, seriam automaticamente canceladas até março do ano seguinte. Já as despesas de capital, ligadas a investimentos, seriam extintas até junho do exercício seguinte.

Os investimentos plurianuais, por sua vez, só seriam cancelados depois de dois anos, enquanto que as despesas financiadas por operações de crédito teriam validade de um ano.

Segundo apurou a reportagem, o Ministério do Planejamento avalia colocar na nova proposta regras ainda mais rígidas do que as aprovadas pelo Senado em 2016, mas os termos ainda estão em discussão dentro da pasta. Uma vez fechados, serão apresentados ao Ministério da Fazenda e terão de obter o aval do presidente Lula antes de serem encaminhados ao Congresso.

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O tema foi abordado no seminário “Orçamento por Desempenho 2.0″, realizado pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF) em 28 de novembro do ano passado. Na ocasião, o subsecretário de Contabilidade do Tesouro Nacional, Heriberto Nascimento, afirmou que o estoque de restos a pagar “tende a se tornar um orçamento paralelo com um volume de proporções gigantescas e com cada vez maior tendência de crescimento”.

“É extremamente importante a gente enfrentar esse tema na Lei de Finanças Públicas. É difícil. E tudo que a gente trata aqui é sensível politicamente. Tem que ponderar isso aí também, mas é importantíssimo a gente enfrentar e manter esse ponto”, disse, no evento.

Interlocutores a par das discussões afirmam que o momento é oportuno para se criar travas mais efetivas à rolagem dessas despesas. Isso porque o novo arcabouço fiscal criou um piso de investimentos públicos, que será, em grande parte, direcionado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das principais bandeiras do governo Lula.

Logo, se a capacidade de execução do governo não acompanhar a evolução desse piso e dos demais gastos discricionários (não obrigatórios), a tendência será de forte crescimento dos restos a pagar, como já observado em outras gestões petistas. Em 2014, por exemplo, essa rubrica atingiu o seu pico: R$ 389 bilhões, segundo dados do Tesouro.

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