Governo Bolsonaro deixa sem vale-gás mães pobres que têm filhos com deficiência

Segundo a Rede Observatório BPC, apenas uma das 13 mil mães solo pertencentes à associação que recebem o BPC recebe atualmente o vale-gás

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Foto do author Anna Carolina Papp
Atualização:

BRASÍLIA - Uma vez por semana, Rosane Arruda, de 47 anos, sai com um carrinho de feira pela comunidade onde mora, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Mas não é para colocar frutas ou verduras; e, sim, gravetos, tábuas, restos de obra e o que mais encontrar pelo caminho. Sem dinheiro para comprar gás, Rosane tem cozinhado com lenha – sendo que, por lei, tem direito a receber um auxílio que subsidia o botijão.

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Ela, porém, nunca viu esse dinheiro, assim como milhares de outras mães solo que, como ela, têm filhos com deficiência e recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Às vésperas do início do pagamento dobrado do vale-gás, instituído pela “PEC Kamikaze”, o governo Jair Bolsonaro deixou sem o benefício mães que têm filhos com deficiência e representam a parcela mais pobre da população brasileira. Nas últimas duas semanas, o Estadão conversou com mulheres que estão desassistidas pela ação que subsidia metade do botijão de gás a cada dois meses – e, a partir de agosto, passa a subsidiar 100%.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) concede um salário mínimo por mês a pessoas com deficiência ou idosos acima de 65 anos com renda per capita de até um quarto do salário mínimo (hoje, R$ 303). Já o vale-gás é pago desde janeiro a famílias inscritas no Cadastro Único com renda mensal per capita de até meio salário mínimo e a famílias que possuem integrante que receba o BPC. No entanto, segundo a Rede Observatório BPC, de um universo de 13 mil mães solo pertencentes à associação que recebem o BPC – com os cadastros atualizados –, apenas uma, no momento, recebe o vale-gás. Quando procuram os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), saem sem respostas. Procurado pela reportagem desde a semana passada, o Ministério da Cidadania preferiu não se manifestar.

Sem dinheiro para comprar gás, Rosane Arruda usa lenha para cozinhar Foto: Arquivo pessoal

“Vivo com ajuda de cesta básica e doação”

“Boto o fogãozinho a lenha lá no fundo, porque meu filho também tem bronquite”, diz Rosane, que tem um filho deficiente visual e outro autista. “Eu sei que é perigoso, mas a gente não tem o que fazer. Não posso trabalhar, porque tenho que cuidar deles o dia todo. Tenho que me virar com o BPC, mas tem muito gasto, tem remédio, comida está caro… e o gás aqui está R$ 110. Não tem condições”, diz.

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Luana Paula, de 31 anos, é mãe de uma criança cadeirante de 11 anos. Ela também não recebe o vale-gás. Quando busca ajuda no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de onde mora, em Santo Antônio do Descoberto, Goiás, ouve que seu cadastro está atualizado, mas que o pagamento ainda não foi liberado e que nem há previsão.

“Não temos direito a nada, só a um salário mínimo. Meu filho toma remédio, usa fralda, eu pago aluguel. Uma fralda está R$ 40, R$ 50 reais. Um leite, quase R$ 10. Eu vivo com ajuda de cesta básica e doação”, diz. Onde ela mora, o botijão está custando R$ 140. “Deixo o registro aberto pela metade para economizar. Faço a janta e já deixo para o almoço. Mesmo assim, é muito difícil”, contou Paula.

Critérios

O presidente da Rede Observatório BPC, Vinícius Mariano, questiona o fato de o decreto que regulamentou a lei do vale-gás, em dezembro de 2021, priorizar outros públicos no recebimento do benefício, incluindo beneficiários do Auxílio Brasil. Pelo texto, os critérios de prioridade são: Cadastro Único atualizado nos últimos dois anos, menor renda per capita, maior quantidade de membros na família, beneficiários do Auxílio Brasil e com cadastro qualificado pelo gestor por meio do uso de dados de averiguação.

“Além desse ordenamento, o decreto também retira o valor do Auxílio Brasil do cálculo da renda per capita, mas não o BPC. Assim, as mães do BPC não conseguirão jamais ter acesso ao benefício”, diz Mariano. “O que está acontecendo é um cerceamento e direitos econômicos a esse grupo de mães que não podem trabalhar e não têm acesso a um benefício a que elas têm direito por lei.”

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Joseane Zanardi Parodi, coordenadora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário em São Paulo, avalia que essas mulheres se encontram em situação de muita vulnerabilidade. “Mãe solo nessa situação é muito comum, pois muitos homens ‘caem fora’ quando sabem que a criança tem alguma deficiência e precisará de cuidados especiais. Aí, normalmente ela acaba tendo de abandonar o mercado de trabalho para tomar conta em tempo integral dos filhos, já que é muito caro contratar uma pessoa para isso”, diz.

“Vira uma bola de neve: fora do mercado, a mulher fica sem o suporte financeiro e não contribui para o INSS. Se algo vir a acontecer com a criança, ela fica totalmente descoberta. São mulheres excluídas – e que precisam de políticas públicas que as incluam.”

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