BRASÍLIA - Sem expectativa de que haverá queda dos juros na reunião desta terça e quarta-feira do Comitê de Política Monetária (Copom), o governo conta como certo que o Banco Central vai abrir as portas para o início da redução da taxa básica de juros (Selic) a partir de agosto.
Se o sinal dado no comunicado soltado pelo comitê após a decisão for na direção contrária, e apontar que é preciso esperar mais as expectativas de inflação se ancorarem (convergirem para a meta), o conflito entre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o governo Lula deve subir ainda mais de tom. Interlocutores do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avaliam que, num cenário desse tipo, estaria configurada uma “declaração de guerra”, segundo apurou o Estadão.
O risco que a área econômica enxerga é de ocorrer um novo descolamento da curva de juros (o valor que o mercado espera para as taxas de juros no futuro), retardando o início do ciclo de flexibilização da taxa Selic no Brasil, hoje no patamar de 13,75% ao ano. Isso aconteceu em fevereiro, quando o mercado passou para o final do ano a previsão de queda de juros.
Agora, a expectativa do mercado financeiro é de que os juros comecem a cair em agosto, mas a depender da decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), na reunião do dia 29, sobre a meta de inflação.
Após as recentes sinalizações do ministro da Fazenda, analistas do mercado avaliam que Haddad atuou como bombeiro e esperam a manutenção da meta de 3% em 2024, 2025 e a fixação do mesmo valor em 2026, com a implantação de um modelo de meta contínua (acumulada em 12 meses). Nesse sistema, a meta deixaria de ser verificada no ano-calendário (janeiro a dezembro de cada ano).
A possibilidade de elevação da inflação foi levantada pelo presidente Lula, que nos últimos tempos parou de falar no assunto. Um integrante da área econômica destaca que os sinais já foram dados e que, ao final, todo o ruído em torno da meta vai mostrar que “a montanha pariu um rato”.
Saia justa
O nível de juros é visto pelo ministro Haddad e equipe como ponto central para a agenda econômica. O temor é que, num cenário de manutenção dos juros no patamar atual, a economia brasileira comece a desacelerar muito fortemente após a melhora de todos os indicadores econômicos: dólar, risco país, juros futuros, Bolsa e previsão de crescimento.
A reunião de agosto, em 1º e 2, já deverá contar com o voto do economista Gabriel Galípolo, se o Senado confirmar a sua indicação para a diretoria de Política Monetária. Ex-secretário executivo de Haddad, Galípolo deixou o cargo na última segunda-feira e espera a sua sabatina no Senado para o próximo dia 27.
No mercado e no BC, há uma avaliação de que a sabatina dele foi retardada para o ex-secretário não ficar numa saia justa na reunião desta semana, quando já se espera que o BC não vá reduzir os juros. No governo, a explicação é outra: a sabatina não foi marcada antes para não atrapalhar a votação do projeto de arcabouço fiscal na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que se reúne uma vez por semana.
Com Galípolo no BC, o que se espera é que ele construa pontes dos dois lados, hoje ainda em conflito. Haddad entende que é preciso ter confiança de que a política de juros está sendo conduzida tecnicamente. Esse é justamente o ponto que vem sendo reforçado por Roberto Campos Neto: mostrar a Galípolo que as decisões de juros são técnicas.Galípolo e Campos Neto têm um diálogo considerado muito positivo, mas há desconfiança dos dois lados: BC e governo.
Do lado do BC, existe a desconfiança de que Galípolo foi indicado com a missão de não fazer uma gestão técnica; assim, ele teria de angariar credibilidade, já que é apontado como sucessor de Campos Neto na presidência. No governo Lula, embora menos do que no início do ano, há o receio de que a manutenção dos juros altos por Campos Neto pelo BC, indicado por Bolsonaro, teria por trás um projeto político de prejudicar a gestão do presidente Lula.
O que é a meta de inflação hoje?
No Brasil, a meta para a inflação é definida pelo CMN. Cabe ao Banco Central (BC) adotar as medidas necessárias para alcançá-la. O índice de preços utilizado é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A meta se refere à inflação acumulada no ano. No desenho atual do sistema, o CMN define em junho a meta para a inflação de três anos-calendário à frente. A meta para 2023 é de uma inflação de 3,25% e para 2024 e 2025 é de 3%.
O que é intervalo de tolerância?
Nos últimos anos, o CMN tem definido um intervalo de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Por exemplo, no caso de 2025, a meta é de 3,00% e o intervalo é de 1,50% a 4,50%. Se a inflação ao final do ano se situar fora do intervalo de tolerância, o presidente do BC tem de divulgar publicamente as razões do descumprimento, por meio de carta aberta ao Ministro da Fazenda, presidente do CMN, contendo descrição detalhada das causas do descumprimento, as providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito.
O que está em discussão?
A definição das metas de 2026 e confirmação dos objetivos de 2024 e 2025. O presidente Lula chegou a defender em público a definição de um aumento da meta para a taxa Selic cair mais rápido. Essa sinalização piorou as expectativas de mercado.
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