BRASÍLIA – O governo Lula assinou uma portaria definindo os valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) de 2025 sem incorporar as mudanças feitas pelo pacote de corte de gastos, aprovado no fim do ano passado no Congresso Nacional, o que pode comprometer a economia anunciada com a medida.
A portaria foi assinada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 27 de dezembro e publicada no Diário Oficial da União no dia 31. A mudança na Constituição que mexeu no Fundeb foi promulgada pelo Congresso Nacional no dia 20 de dezembro. O Poder Executivo, porém, ainda não adotou a nova regra, não liberando o espaço fiscal anunciado.
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O Ministério da Educação afirmou ao Estadão que não houve “tempo hábil” para realizar as alterações sem comprometer o cumprimento do prazo final para a definição dos valores do fundo, fixado em 31 de dezembro de 2024. A pasta declarou que as mudanças ainda serão feitas, sem definir um prazo para isso, e os valores serão compensados para se adequar ao pacote. O Ministério da Fazenda afirmou que o governo está fazendo “novos cálculos” para publicar uma nova portaria e “assegurar a economia de gastos”.
O Fundeb representa a mudança de maior impacto fiscal do pacote em 2025, nos cálculos do governo. Com a alteração, a equipe econômica estima economizar R$ 4,8 bilhões em recursos neste ano. A projeção é questionada por economistas, pois o espaço pode ser ocupado por outras despesas, como o programa Pé-de-Meia, e o Ministério da Educação seguiria pressionado por Estados e municípios para aumento de gastos, o que pode não se traduzir em redução no total de despesas.
O fundo reúne a arrecadação de impostos para financiar a educação básica no País, principalmente o salário de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União repassa uma parcela adicional e distribui a verba de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e desempenho das escolas. A parcela da União, que era de 10% até 2020, vai subir para 23% em 2026, pressionando as contas públicas federais.
Como o governo espera economizar dinheiro com o Fundeb
O pacote fiscal estabelece que até 10% da complementação do governo federal ao Fundeb poderá ser destinada para o ensino em tempo integral em 2025, aliviando assim os gastos que o Ministério da Educação tem hoje com esse programa e que não fazem parte do Fundeb. Para os anos seguintes, os Estados e municípios deverão destinar recursos próprios para essa ação. Ao definir os valores deste ano, porém, os ministérios da Educação e da Fazenda se basearam na regra antiga, sem incorporar o ensino integral no fundo.
O Fundeb vai somar R$ 269 bilhões da arrecadação dos Estados e municípios em 2025. A União entrará com uma complementação de R$ 56,5 bilhões, de acordo com os valores definidos. O pacote de corte de gastos não altera o valor total da complementação, mas muda as regras de distribuição para incluir o ensino em tempo integral na destinação – liberando, assim, o espaço no Orçamento que é usado para esse gasto –, alterando quanto cada Estado e município recebe.
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A complementação da União é dividida em três parâmetros: VAAF – que beneficia Estados mais pobres, que não alcançam parâmetros mínimos de arrecadação em comparação às matrículas no ensino fundamental urbano parcial; VAAT – que contempla municípios específicos, estando ou não em localidades beneficiadas pelo primeiro parâmetro, alcançando cidades pobres dentro de Estados ricos; e VAAR – que serve como prêmio para redes que alcançam bons índices na educação básica.
Com uma parte dos recursos indo para a educação em tempo integral, o dinheiro distribuído com base nos três critérios antigos teria de diminuir e um quarto parâmetro – o do ensino integral – deveria ser incluído para de fato abrir caminho para a economia de despesa, o que não ocorreu.
“O Fundeb foi estruturado à revelia das mudanças introduzidas pela PEC do pacote fiscal”, afirmou o economista Camillo Bassi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que classificou a mudança como o maior “equívoco contábil” das medidas propostas pelo governo. “Vai ser preciso um ajuste de contas. Se forem mantidos os valores estabelecidos na portaria, a PEC é uma mentira e o valor que o governo divulgou de espaço fiscal foi um engodo.”
Ministérios dizem que nova portaria será elaborada para garantir economia de gastos
Além da falta de “tempo hábil”, o Ministério da Educação afirmou que não incorporou as mudanças no pacote fiscal no Fundeb porque ainda não definiu qual porcentual da complementação será destinada ao ensino em tempo integral.
“Atualmente, a determinação é de até 10%, sem um percentual ou valor exato definido. Essa definição é fundamental, pois o valor da complementação influencia diretamente o cálculo do VAAT-MIN e do VAAF-MIN, impactando a distribuição dos recursos aos entes federativos, incluindo o VAAR”, disse a pasta.
O tamanho do ajuste fiscal pode mudar a depender de qual porcentual será adotado – quanto menor, menor é a economia.
A falta de uma definição fará com que os valores do Fundeb em janeiro sejam repassados aos Estados e municípios com base nas regras anteriores. A questão é fundamental pois a mudança implica redução dos valores enviados às prefeituras e governos estaduais com base nos parâmetros da complementação.
O MEC disse estar em tratativas para obter as definições necessárias e, assim, realizar os ajustes nas estimativas do Fundeb para 2025. “Os ajustes serão feitos de forma retroativa a 1º de janeiro e compensados em parcelas futuras.”
O Ministério da Fazenda afirmou que a promulgação da PEC ocorreu após a conclusão dos cálculos do Fundeb para 2025. “Embora a Emenda (PEC do pacote fiscal) preveja a destinação de até 10% da complementação da União ao Fundeb para o fomento ao ensino em tempo integral, a aplicação dessa regra ainda depende de regulamentação específica, atualmente em fase de discussão.”
De acordo com a Fazenda, o Executivo está realizando novos cálculos para publicar uma nova portaria, “incorporar essa mudança e assegurar a economia de gastos prevista pelo governo no ajuste fiscal.”
Estados mais pobres devem perder R$ 2,7 bi em repasses com pacote em 2025
Conforme o Estadão revelou, a mudança no Fundeb deve provocar perdas superiores a R$ 2 bilhões aos Estados que mais dependem dos recursos da União para financiar a educação básica em 2025, conforme estudo do economista Camillo Bassi com base nos valores do fundo em 2024. Agora, com os valores de 2025 oficialmente divulgados, o cálculo atualizado aponta para impactos ainda maiores.
Os dez Estados mais pobres e que mais dependem do Fundeb, incluindo Maranhão, Pará, Bahia e Rio de Janeiro, devem perder R$ 2,7 bilhões em repasses do primeiro parâmetro em 2025. Os Estados e municípios que recebem recursos com base no segundo parâmetro (são 2.357 municípios e um Estado) devem ser impactados com uma redução de R$ 2,4 bilhões neste ano.
As redes que se beneficiam do terceiro parâmetro (são 2.844 municípios e seis Estados), por sua vez, seriam impactadas com uma queda de R$ 538 milhões. Só o Maranhão, Estado mais pobre do País, deve perder R$ 380,6 milhões na soma dos dois primeiros critérios – ele não é beneficiado pelo terceiro.
As perdas ocorrem porque o Fundeb dará espaço para a educação integral. Não há nenhuma garantia de que os Estados e municípios que recebem a parcela da União hoje sejam os beneficiados ou recebam os mesmo valores, pois os critérios serão outros. O MEC não afirmou como organizará o repasse, quais serão os critérios e quando adotará a mudança imposta pela PEC. A pasta tampouco respondeu sobre como avalia as alterações promovidas no fundo e os impactos citados pela reportagem.
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