Governo desiste de mexer no piso da saúde por meio de projeto de renegociação da dívida dos Estados

Proposta alterava conceito de Receita Corrente Líquida (RCL), mas poderia diminuir gastos com saúde pública e forçar Estados a reduzir gastos com servidores

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O Ministério da Fazenda tentou emplacar uma mudança no projeto de renegociação das dívidas dos Estados no Senado que poderia diminuir os gastos com saúde pública – uma das áreas que pressionam as contas públicas – projetados para os próximos anos. O texto, porém, repercutiu mal entre aliados do governo no Congresso e governadores, levando o Executivo a recuar e pedir que o relator do projeto, senador Davi Alcolumbre (União-AP) retirasse o dispositivo do parecer.

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A proposta alterava o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL), que serve para calcular quanto a União deve gastar com ações e serviços públicos de saúde, a partir de 2028. Além de mexer com o piso da saúde, a mudança forçaria Estados a reduzir gastos com servidores, que são calculados pelo mesmo parâmetro – o que desagradou governadores.

A Constituição estabelece que o governo federal deve desembolsar 15% da Receita Corrente Líquida em gastos com saúde, incluindo exames, cirurgias, construção de hospitais, postos de saúde, pagamento de profissionais e apoio a Estados e municípios. Esse gasto pressiona o arcabouço fiscal e pode deixar outras despesas do governo federal sem dinheiro a partir de 2028, como mostrou o Estadão, justamente o período impactado pela proposta.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Fazenda), durante cerimônia no Palácio do Planalto no dia 3 de julho de 2024. Foto: Wilton Junior/Estadão

O conceito de Receita Corrente Líquida está na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); portanto, a alteração não dependeria de mudança na Constituição, mas de uma lei complementar, como é o projeto do Senado. A ideia de mexer na Constituição para mudar o piso encontrou forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A proposta de mexer na LRF, que entrou na primeira versão do parecer de Alcolumbre, retirava da base de cálculo da Receita Corrente Líquida receitas extraordinárias, que o governo não arrecada a todo momento – entre elas concessões e permissões; dividendos e participações, como é o caso do lucro da Petrobras; receitas de exploração de recursos naturais; e receitas de programas de recuperação fiscal dos Estados e municípios com a União (estas últimas impactam os governos locais).

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Para os Estados e municípios, a mudança impactaria diretamente nas contas públicas. A Receita Corrente Líquida serve como parâmetro para definir o limite de gastos com pessoal. Com menos receitas no cálculo, haveria pressão maior para reduzir despesas com a folha salarial. Estados mais dependentes de receitas extraordinárias do petróleo, como o Rio de Janeiro, onde um quarta da receita vem de royalties e participação especial, teriam que reduzir mais o que gastam com servidores.

A intenção, de acordo com o relator, era evitar que governos estaduais e municípios usem receitas extraordinárias, que só aparecem uma vez ou outra, para aumentar gastos que viram permanentes e oneram a manutenção da máquina pública. “A alteração proposta é para excluir do conceito receitas eventuais, sem caráter continuado. Essa medida evita que receitas eventuais deem ensejo à assunção de despesas de caráter permanente, fortalecendo a responsabilidade fiscal”, escreveu Alcolumbre.

Na segunda versão, porém, a mudança desapareceu do relatório, a pedido do governo. Além da saúde, a alteração também impactaria as emendas parlamentares impositivas, que o Executivo é obrigado a pagar conforme a indicação dos congressistas. As emendas individuais de cada deputado e senador são equivalentes a 2% da Receita Corrente Líquida. As emendas de bancada, colocadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado, correspondem a 1% da arrecadação.

Mudança gradual

A mudança não era imediata e seria feita de forma gradual a partir de 2028, justamente quando o governo estima que as contas podem entrar em colapso, até 2040. As receitas extraordinárias seriam retiradas do cálculo da RCL em 8,33% no primeiro ano e depois em 8,33 pontos porcentuais a cada ano, até alcançarem 100%, de acordo com o projeto.

O Ministério da Saúde é contra a mudança no piso da área, pois afirma que uma redução pode comprometer os recursos necessários para o atendimento da população e para os repasses a Estados e municípios.

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“O governo criou um arcabouço fiscal com incompatibilidade já conhecida e está tentando resolver isso mudando a regra da Receita Corrente Líquida para reduzir a taxa de crescimento com a saúde, mas isso tem efeitos cruciais para os Estados e municípios”, diz o economista David Deccache, assessor econômico na Câmara. “Com a redução da Receita Corrente Líquida, fica mais difícil alcançar os indicadores previstos na LRF para gastos com pessoal. É preciso entender o impacto e é impossível votar o projeto sem ter uma base de impacto orçamentário e fiscal”, afirma.

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