Governo enfrenta pressão de servidores por reajuste enquanto tenta colocar as contas em dia

Funcionários públicos federais ameaçam greves se não houver aumento nos salários neste ano; Governo sinaliza possível reajuste, mas precisa cumprir meta de déficit zero

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – Servidores públicos federais prometem acabar com a trégua que ocorreu no primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aumentar a pressão por reajustes salariais e benefícios neste ano, ameaçando até greves em massa. O governo enfrenta o desafio de responder à sua própria base aliada sindical ao mesmo tempo que promete colocar as contas públicas em dia.

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Os funcionários do Executivo federal pedem um reajuste de 22,71% a 34,32% de forma parcelada até 2026, com parte do aumento já em 2024. Os valores são divididos em dois blocos e variam dependendo do tipo de acordo que cada categoria fechou nos últimos anos.

O governo Lula, por sua vez, apresentou uma contraproposta de no máximo 19,3% em aumentos ao longo do mandato, também de forma escalonada até 2026, mas sem nenhum reajuste neste ano. A próxima reunião da Mesa Nacional de Negociação está marcada para o dia 28. No ano passado, houve aumento linear de 9%.

A ministra Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) sinalizou com possível reajuste em 2024, mas não há recursos no Orçamento. Foto: Wilton Junior/Estadão

A intenção é fazer uma negociação para todo o período do terceiro mandato de Lula à frente da Presidência da República. Todas as categorias, incluindo professores, agentes ambientais e funcionários administrativos de carreira, seriam beneficiadas.

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Algumas, no entanto, saíram na frente. No ano passado, o governo Lula reajustou o salário dos policiais federais. E, neste ano, já avançou com o aumento do bônus por eficiência para os auditores da Receita Federal, aprovado após quase três meses de greve da categoria. O acordo prevê o pagamento de um bônus progressivo já a partir deste ano: o teto começa em R$ 4,5 mil e chega a até R$ 11,5 mil em 2026.

A negociação motivou outras carreiras, como os servidores do Banco Central, a também reforçar as demandas. Na semana passada, um dia após a aprovação do bônus dos auditores, os servidores do BC rejeitaram uma contraproposta do MGI de reajuste de 13% parcelado para 2025 e 2026, e aprovaram uma paralisação de 48 horas nos próximos dias 20 e 21.

Atualmente, o governo federal tem 571.873 servidores em atividade, além de 417.115 aposentados e 234.225 pensionistas, totalizando 1,2 milhão de pessoas na folha salarial da União. Em 2023, os gastos com pessoal totalizaram R$ 290 bilhões. A maioria dos servidores ativos ganha de R$ 3 mil a R$ 15 mil.

O Orçamento de 2024 tem R$ 1,75 bilhão reservado para aumento de remunerações do Executivo. Do total, R$ 1,1 bilhão ficou carimbado para o bônus dos auditores da Receita, R$ 131 milhões foram destinados para os auditores fiscais do trabalho e R$ 503,7 milhões ficaram reservados para outras carreiras que vierem a ser beneficiadas por algum projeto de lei de aumento.

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O valor, no entanto, é insuficiente para um novo reajuste linear e é apenas residual nas contas da União. Na prática, o Orçamento deste ano foi aprovado sem nenhuma previsão de aumento para os servidores.

“Todos os setores estão incluídos no Orçamento e nós queremos estar incluídos também. Se o governo continuar com o discurso de que tem de melhorar a economia, e não incluir os servidores, nós teremos de subir o tom e colocar o bloco na rua a partir de março, abril”, afirma o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, Sérgio Ronaldo da Silva.

Ele cita a possibilidade de greves se a reivindicação não for atendida. “Não é porque o presidente Lula já foi sindicalista que temos de ter mais paciência. Não estamos sendo prioridade”, disse.

Em nota, o Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) afirmou que o valor destinado ao pagamento do bônus de eficiência “não interfere negativamente em um possível reajuste salarial para o conjunto dos servidores públicos federais”.

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“Os recursos do programa de produtividade são provenientes do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) e não poderiam ser utilizados para pagamentos aos demais servidores públicos federais”, diz o texto. “Criado há mais de 40 anos, o Fundo é usado para garantir a manutenção dos mecanismos arrecadatórios que viabilizam o orçamento público.”

Recentemente, a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, sinalizou com a possibilidade de um reajuste linear em 2024. Isso porque, a depender do desempenho da receita, pode haver a abertura de um crédito suplementar de R$ 15 bilhões em novas despesas no Orçamento, decorrente de uma regra do novo arcabouço fiscal, e uma parte — ela não disse quanto — seria direcionada para o reajuste, como antecipou o Estadão em setembro do ano passado. O aumento, porém, depende de um cenário incerto para as contas públicas.

O governo conta com uma arrecadação maior do que o esperado para assumir esses e outros compromissos. E também espera vencer batalhas com o Congresso, como no caso da reoneração da folha de pagamentos.

A incerteza envolve a meta de zerar o déficit das contas públicas neste ano, capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que pode ficar ameaçada se houver frustração de receitas ou aumento de gastos. O alvo, porém, ainda é visto com ceticismo pelo mercado financeiro.

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Em vez de aumento salarial, governo propõe reajustar benefícios

Sem um novo aumento linear de salário, o governo optou por negociar o reajuste dos benefícios como vale-alimentação e auxílio-creche, usando o dinheiro que já está aprovado no Orçamento. O auxílio-alimentação, por exemplo, passará de R$ 658 para R$ 1 mil mensalmente a partir do dia 1º de maio.

“A recomposição e valorização da força de trabalho na administração pública federal é pauta prioritária do Ministério da Gestão para recuperar a capacidade de atuação do governo, para a execução de políticas públicas, dentro dos limites orçamentários, para atender às demandas dos órgãos e entidades”, afirmou o Ministério da Gestão ao Estadão. A pasta pontuou que segue em negociações neste ano.

O governo e o funcionalismo não apresentaram estimativa de impacto dos reajustes nos próximos anos. “O direito de reivindicação é legítimo. Caso haja algum acordo para reajuste de salários ou para aumento de cargos, isso tem de estar demonstrado na peça orçamentária e estar compatível com as regras fiscais, o que é um pouco difícil — e há incerteza em torno da meta”, afirma a economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Uma das queixas dos funcionários do Executivo é a diferença dos salários em relação a outros Poderes. O Judiciário é área do setor público que mais bem remunera no Brasil. Conforme o Estadão mostrou, um integrante do Judiciário recebia, em média, R$ 8,9 mil por mês em 1985, em valores atuais. Em 2021, o valor saltou para R$ 16 mil, mais que o dobro do que um funcionário do Legislativo (R$ 7,3 mil) ou do Executivo (R$ 4,5 mil).

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Só o bônus da Receita Federal custará R$ 1,1 bilhão em 2024 e o impacto crescerá ao longo dos anos, já que o benefício é progressivo até 2026 e depois deverá ser reajustado pela inflação. É um exemplo de como o aumento de salário mexe com o planejamento de todos os anos no governo.

Além da incerteza sobre a arrecadação, outros gastos disputam espaço se houver uma sobra para aumentar despesas. O governo quer recompor o orçamento de órgãos federais que tiveram os valores reduzidos pelo Congresso. Os parlamentares, por sua vez, querem recuperar os R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão vetados pelo presidente Lula. Em ano de eleição municipal, a pressão por esses recursos aumenta.

“A alocação do Orçamento de um ano afeta o orçamento dos anos seguintes. Com o reajuste dentro de um órgão, pode faltar dinheiro para outras coisas”, observa Vilma Pinto.