Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, a nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está conseguindo vencer a batalha das expectativas depois “de um começo muito claudicante”. Os sinais positivos, diz ele, estão na valorização do real em relação ao dólar, na alta recente da Bolsa de Valores e na queda do risco País.
“Se houvesse um pessimismo em relação ao Brasil, nós estaríamos vendo uma depreciação do real, como houve no início do ano, quando as dúvidas eram muito agudas”, afirma o economista, que foi crítico ao governo no começo da gestão.
Eleitor de Lula no segundo turno de 2022 e conselheiro econômico da ministra Marina Silva em campanhas presidenciais, Giannetti destaca a boa visão do investidor internacional e a percepção de que o governo - por vezes por influência do Congresso - tem optado pelo pragmatismo. “Estão vendo que o governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais o do centro democrático liberal, não do PT raiz.”
A seguir os principais pontos da entrevista concedida ao Estadão.
Como o sr. vê os sinais da economia neste começo de mandato?
A grande novidade neste primeiro semestre de governo Lula é que há sinais concretos de que a batalha das expectativas está sendo vencida, depois de um começo muito claudicante. A economia depende muito de expectativas. Eu digo que a economia é uma espécie de meteorologia em que a previsão do tempo afeta o próprio tempo. Se os agentes econômicos acreditam que as coisas vão melhorar, eles agem de acordo com essas expectativas e as coisas melhoram. Se os agentes econômicos ficam muito apreensivos e pessimistas em relação ao futuro, eles agem defensivamente e as coisas pioram.
Na avaliação do sr., o que revela essa mudança?
Tem três indicadores que mostram com clareza como a batalha das expectativas vêm virando a favor da equipe econômica. O primeiro deles é o câmbio. Se houvesse um pessimismo em relação ao Brasil, nós estaríamos vendo uma depreciação do real, como houve no início do ano, quando as dúvidas eram muito agudas. Se o câmbio estivesse se depreciando, haveria uma pressão inflacionária, o Banco Central teria de aumentar os juros, levando a uma piora do quadro fiscal. A coisa iria degringolar. O real apreciando é o contrário. É menos pressão inflacionária, é o Banco Central confortável para poder baixar o juros e é menos ônus financeiro da dívida, o que dá um enorme alívio no quadro fiscal. Os outros dois indicadores importantes são Bolsa - nós tivemos uma valorização acima de 20% de março para cá - e o risco Brasil, que também teve uma queda expressiva e está num nível mais parecido com os melhores países da América Latina.
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O que está por trás dessa melhora das expectativas?
São fatores internos e externos. É difícil atribuir um peso específico para cada um desses componentes, mas, sem dúvida, pesa o fato de que o Brasil - ao contrário dos outros mercados emergentes - se mostra um país menos ameaçador e problemático. A pausa no aumento do juro americano também é um fator relevante. E as exportações brasileiras estão indo excepcionalmente bem. As nossas contas externas estão extremamente robustas, o que é algo que certamente faz muita diferença para o investidor externo. Eu tenho a impressão de que, às vezes, conversando com investidores estrangeiros, que eles estão mais confiantes no Brasil do que os próprios brasileiros. Agora, tem elementos internos importantes. Eu acho que nós temos que realmente aplaudir a condução da equipe econômica liderada pelo Fernando Haddad.
Por quê?
O arcabouço fiscal conseguiu um equilíbrio muito difícil entre o respeito aos compromissos de campanha e a restauração de um horizonte de controle dos gastos e da dívida pública. A equipe econômica foi muito hábil na maneira como ela construiu politicamente junto ao Congresso a aceitação e a legitimidade do novo arcabouço. É também evidente que o presidente Lula demonstra, repetidamente, incontinência verbal em muitas declarações no campo da economia. Agora, eu acho que as pessoas percebem que isso, na prática, significa muito pouco. No momento de implementar, prevalece um pragmatismo e um senso de realidade. Na questão do saneamento básico, foi surpreendente ver que, no Congresso, prevaleceu o que me parece ser a solução mais adequada, de não mudar um arcabouço legal que, pelos dados de que dispomos, favorece o investimento num setor no qual o Brasil tem um déficit tão inaceitável.
Mas esse pragmatismo vem do Congresso ou existe dentro do governo, prevalecendo uma força da equipe econômica?
Eu acho que, em alguns momentos, vem do Congresso, como na criação de mecanismos de maior credibilidade para o arcabouço fiscal, mas também vem do governo. Na hora de desenhar o programa, por exemplo, de estímulos à venda de automóveis, não foi algo extravagante como se imaginou no início. Foi uma coisa mais contida e negociada.
O País está no caminho, então, para ter anos de bons crescimento?
Não. Uma coisa é conseguir virar o jogo na batalha das expectativas no curto prazo. Outra coisa é criar condições para um crescimento sustentável. Eu diria que o caminho ainda é bastante longo e dificultoso. Eu acho que o governo vai concentrar agora - corretamente - o foco e as atenções no imperativo da reforma tributária. Seria a próxima grande conquista. E se conseguir o arcabouço fiscal e a reforma tributária neste ano, eu acho que nós terminamos com um saldo muito positivo e que coloca o Brasil em posição de poder sonhar e alcançar um desempenho de crescimento melhor do que vem sendo nos últimos anos.
E qual é a capacidade do governo para aprovar essa reforma?
Aí eu acho que mora um problema que está longe de dar tranquilidade com relação ao futuro. O Congresso, em alguns momentos, demonstrou uma postura mais cooperativa. Em outros momentos, mostra um fisiologismo e uma recaída nas piores práticas da velha política brasileira, deixando o governo Lula bastante perplexo e perdido sobre como proceder. Um fato novo, e eu acho que o governo ainda não está devidamente atento e preparado para isso, é que mudou muito a relação de força e poder entre Executivo e Legislativo nos últimos anos. E isso requer uma nova postura e uma capacidade de articulação e negociação bastante estruturada, que o governo parece não ter ainda alcançado e conquistado.
Como o sr. enxerga o papel e força da oposição nesse processo de negociação?
Não há, de fato, uma oposição consistente, programática e propositiva. O que nós temos são coalizões oportunistas dentro do Congresso e uma situação de enorme fluidez nas composições para cada nova iniciativa do Executivo. Por tudo o que conhecemos da experiência da redemocratização no Brasil, nós sabemos que a relação de forças entre Executivo e Legislativo tende a mudar ao longo do mandato. E o primeiro ano é o momento em que tradicionalmente o Executivo tem maior poder de deflagrar medidas e mudanças a serem implementadas com a aprovação do Legislativo. Tem que aproveitar muito bem esse tempo, esse capital político. Por outro lado, parece também que o governo Lula segurou o seu poder de cooptação, especialmente em relação às nomeações de segundo e terceiro escalões, para usá-lo no momento em que ele se tornasse mais necessário. E o que nós estamos assistindo nesses dias é a pressão do fisiologismo para que o governo entregue essa moeda de troca para aprovar os projetos do seu interesse.
E tem como fugir desse fisiologismo?
Em alguma medida, vai ter que negociar. A grande questão é estabelecer os limites em relação aos quais não se transige. Tem que prevalecer algum grau de limite, mas uma negociação e uma disposição de compartilhar poder é da natureza do jogo democrático. A questão é não permitir que isso transija questões muito críticas, de comportamento e orientação programática.
E o que explica os investidores internacionais estarem menos preocupados com o Brasil?
Eles estão vendo mais a floresta e menos a árvore. Estão vendo que somos um país que tem contas externas equilibradas e sólidas, com excepcional desempenho de exportação do agronegócio. Somos uma economia com necessidades de investimentos que podem gerar retornos espetaculares como, por exemplo, no campo da infraestrutura. Estão vendo que o governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais o do centro democrático liberal, não do PT raiz. Eles olham o País de uma maneira mais abrangente e integrada do que nós que ficamos muito presos com questões específicas do dia a dia. Nós ficamos muito preocupados com a questão do crescimento da dívida pública. Mas se ela continuar crescendo ao longo dos próximos dois ou três anos, dentro de um arcabouço de controle do gasto público efetivo, isso não nos leva para uma crise, para um precipício. A questão é que tem que se trabalhar muito bem para não perder as expectativas.
Mas há uma crítica de parte dos analistas de que o arcabouço pode ter de ser revisto a partir de 2025...
O primeiro desafio é implementar. É cumprir as regras que estão sendo aprovadas no Congresso. É positivo o Congresso ter introduzido elementos adicionais, como o contingenciamento (bloqueio preventivo) de gastos, que reforçam a credibilidade dessa nova regra. Ela não é uma regra heróica, como era o teto de gastos, que se mostrou insustentável. Não é também aquele descontrole que se imaginava que poderia prevalecer no governo, sem nenhum compromisso com o controle da dívida pública. É a busca de um equilíbrio, um caminho intermediário. Para a questão fiscal ser equacionada, é fundamental a gente criar espaço para reduzir o juro no Brasil. Se o juro continuar no patamar em que está hoje por mais tempo, não há ajuste fiscal que resolva.
Qual será a consequência de o juro seguir elevado?
Nós vamos caminhar para uma bola de neve de endividamento. Com a apreciação do real, o espaço genuíno para uma redução de juro e o crescimento - que decorre dessa melhoria -, a questão fiscal tende a se tornar perfeitamente administrável. Eu acho que vamos estar em outro patamar em 2025 e 2026. Não é um momento para se preocupar com isso. Agora, é um momento para se preocupar em criar espaço para baixar o juro. Eu acho que ele está sendo conquistado. As expectativas de inflação vêm caindo consistentemente, e isso para o Banco Central é muito importante. Não há mais razão concebível para que o Banco Central não comece, na próxima reunião, um movimento de redução dos juros.
Um movimento concreto ou uma sinalização?
Um movimento concreto. Nós já passamos da hora. Estamos com o juro real muito acima do que precisaria ser. Não resta mais dúvida em relação a esse ponto.
Houve um exagero do Banco Central?
Eu acredito que houve um exagero de dosagem. Não houve erro de sinal. Agora, diante de todas as incertezas e até mesmo dessa pressão indevida que o Executivo fez sobre o Banco Central, isso talvez tenha retardado um pouco esse movimento que agora vai acontecer.
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