BRASÍLIA - O Ministério da Fazenda enviou uma consulta formal ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de descumprir o piso constitucional da Saúde em 2023. A aplicação desse patamar mínimo de investimento significaria um aumento de gastos de até R$ 20 bilhões para a União. Ou seja, o objetivo do governo é obter o aval da Corte para evitar essa elevação nas despesas deste ano.
No caso do piso da Educação, que também voltou a vigorar após o fim do teto de gastos e início do novo arcabouço, as despesas já estão acima da aplicação mínima e, por esse motivo, não precisariam ser complementadas.
No documento, que foi enviado na noite de quinta-feira à Corte, a equipe econômica afirma que o governo recompôs o Orçamento deste ano seguindo a premissa do teto de gastos e que a retomada dos pisos está prevista para 2024.
A Fazenda alega, ainda, que antecipou a discussão do novo marco de maneira diligente e que não é necessário reengatilhar, fora do planejamento orçamentário, novas despesas nessas duas áreas. A pasta também argumenta ao TCU que os programas sociais foram restabelecidos e que não entende ser o caso de incorporar um piso que não foi previsto.
“Antecipamos o processo legislativo e aprovamos o novo arcabouço fiscal antes do tempo previsto na PEC da Transição, em benefício da economia brasileira. Não nos parece correto penalizar a boa gestão da economia”, afirmou ao Estadão o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan.
A autorização por parte do TCU, porém, não é uma certeza. No início da semana, a área técnica do tribunal recomendou o arquivamento de uma proposta que pedia exatamente o não cumprimento desses pisos de investimento em 2023. A representação foi feita pelo procurador do MP junto ao TCU Lucas Furtado, que alegou risco de paralisação da máquina pública.
Interlocutores da equipe econômica, no entanto, estão confiantes que obterão o aval da Corte, já que enxergam os pedidos como bastante distintos.
Por que os pisos voltaram a valer em 2023?
Pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, o governo era obrigado a enviar o projeto da nova regra fiscal ao Congresso até agosto, mas a entrega foi feita antes, em abril, e o texto acabou sendo sancionado no mês passado.
Dessa forma, como antecipou o Estadão em julho, os pisos de investimentos na Saúde e Educação - atrelados à variação da receita do governo - voltaram a vigorar ainda em 2023, o que não estava nas previsões do governo. Na semana passada, o Ministério do Planejamento e Orçamento realizou um bloqueio de R$ 588 milhões nos gastos de 2023, mas ignorou esse risco de aumento de despesa da ordem de R$ 20 bilhões.
A inclusão desses valores no relatório obrigaria o governo federal a fazer um bloqueio que superaria os R$ 20 bilhões e poderia gerar problemas para os ministérios, abrindo uma nova frente de pressão para a equipe econômica.
Na ocasião, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, alegou que a decisão de não incluir essas despesas devia-se à incerteza em relação ao valor que seria considerado, já que há uma discussão sobre o tema no Congresso que implicaria um aumento menor desses gastos, no valor de R$ 5 bilhões.
Ele não explicou, porém, qual a base legal que permitiu ao governo deixar de fora esses montantes. O relatório bimestral é um instrumento previsto na política fiscal brasileira, usado justamente para que o governo inclua nas decisões orçamentárias os riscos de descumprimento das regras até o final do ano.
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Segundo Bijos, o governo preferiu esperar para ver o andamento do projeto que trata da compensação da União a Estados e municípios pela perda de arrecadação do ICMS. O relator do projeto e líder do PT, deputado Zeca Dirceu, incluiu nesse texto um dispositivo que permite ao governo pagar um piso menor para a saúde, no valor de R$ 5 bilhões.
O projeto gerou críticas por parte de parlamentares da esquerda e gestores locais. Os secretários municipais de saúde, por exemplo, apontam que há uma contradição entre as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defende mais gastos na área, e a ação do líder do PT na Câmara e avaliam, inclusive, medidas na área judicial, caso o repasse integral não se efetive.
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