Governo revoga desoneração da folha e altera regra para dívidas judiciais para aumentar receita

Medida Provisória ditará atividades econômicas atendidas por benefício tributário; prefeituras serão excluídas

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Atualização:

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta quinta-feira, 28, que o governo editará uma medida provisória até o fim deste ano com três iniciativas para recuperar receitas perdidas com renúncias tributárias e com o pagamento de créditos judiciais. O texto que será encaminhado ao Congresso ainda não foi apresentado.

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Na mais importante das iniciativas, o governo decidiu revogar a lei que havia prorrogado a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores econômicos. Em vez disso, as empresas terão desconto na tributação referente ao primeiro salário mínimo pago aos seus funcionários.

Adotada desde 2011, a desoneração é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária devida pelas empresas. O benefício, porém, perderia a validade no fim deste ano.

O Congresso aprovou em outubro um projeto que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e reduz a alíquota de contribuição previdenciária de pequenos municípios. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto em novembro, mas o Congresso derrubou o veto integral em 14 de dezembro, com placares folgados.

O que o governo propõe?

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou nesta quinta-feira que os setores serão divididos agora segundo as atividades que desempenham. O primeiro grupo, formado por 17 classes de atividades, passará a recolher a contribuição patronal de 10% sobre o primeiro salário mínimo de seus funcionários. Se o trabalhador receber, por exemplo, o equivalente a cinco salários, o desconto valerá somente sobre o primeiro salário recebido.

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No segundo grupo de 25 classes de atividades, as empresas recolherão 15% de contribuição patronal sobre o primeiro salário mínimo de seus funcionários.

A regra geral é que a contribuição patronal é de 20% sobre o salário dos trabalhadores. Dessa forma, o Ministério da Fazenda entende que esses setores seguirão com vantagem tributária, ainda que o cálculo seja feito de forma diferente.

Barreirinhas também disse que os grupos foram divididos de forma a conceder mais descontos aos que utilizaram mais do benefício para gerar empregos, segundo avaliação feita pela SPE (Secretaria de Política Econômica).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad Foto: Wilton Junior/Estad

As regras passam a valer a partir de 1º de janeiro (já que a desoneração perderia a validade em 31 de dezembro e o benefício, como aprovado pelo Congresso, deixaria de existir com a nova MP) e vão vigorar para os 17 setores já atendidos pelo programa, de forma facultativa.

Quem aderir, segundo Barreirinhas, terá que se comprometer com a manutenção de empregos. As empresas que não entrarem no programa serão taxadas como as demais. Segundo o secretário, o texto da MP dirá que o patamar de empregos deverá ser equivalente ao de 1º de janeiro de cada ano. O texto também ditará quais são as atividades em cada um dos dois grupos selecionados.

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A MP, que já está na Casa Civil e cuja data de publicação depende do presidente Lula, precisa ser aprovada pelo Congresso em até seis meses para não perder a validade. O prazo para análise da medida passa a valer a partir do fim do recesso parlamentar, em fevereiro.

Lista dos setores

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Os 17 setores que podem realizar a desoneração da folha são:

  • confecção e vestuário
  • calçados
  • construção civil
  • call center
  • comunicação
  • empresas de construção e obras de infraestrutura
  • couro
  • fabricação de veículos e carroçarias
  • máquinas e equipamentos
  • proteína animal
  • têxtil
  • TI (tecnologia da informação)
  • TIC (tecnologia de comunicação)
  • projeto de circuitos integrados
  • transporte metroferroviário de passageiros
  • transporte rodoviário coletivo
  • transporte rodoviário de cargas

Haddad já havia antecipado a espinha dorsal para a desoneração da folha quando começou a discutir com parlamentares uma alternativa à prorrogação do programa. Ele queria que o tema fosse tratado como parte da reforma da tributação incidente sobre a renda.

Mas o ministro acabou sendo atropelado pelo Congresso, que não só decidiu pela prorrogação do benefício até 2027, mas também derrubou o veto que o presidente Lula havia imposto à desoneração.

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O governo alegou que a medida era inconstitucional e se mostrou disposto a questionar a decisão do Legislativo no Supremo Tribunal Federal. Mas Lula recomendou ao ministro que buscasse uma saída negociada. Os setores beneficiados dizem que a desoneração não representa uma suspensão do pagamento de tributos, mas uma mudança do sistema de tributação estabelecido no governo de Dilma Rousseff que garante a manutenção de milhares de postos de trabalho nos 17 setores que mais empregam.

Na entrevista à imprensa para apresentar as medidas, Haddad disse esperar que o Congresso receba bem a MP, além de apontar que estará disponível para explicar as propostas. Em sua visão, as alternativas apresentadas pela equipe econômica não representam uma “afronta” ao Parlamento.

“Sempre alertamos que medida de desoneração era inconstitucional”, disse Haddad. “Sou muito grato até aqui pela maneira que o Congresso trata assuntos da Fazenda”, disse.

Mais tarde, o relator do projeto que prorrogou a desoneração, o senador Angelo Coronel (PSD-BA), disse que iniciativa de Haddad é “perigosa” e fragiliza relação com Congresso. “Eu não vejo essa medida provisória como um bom caminho. O mais certo era deixar andar a lei como já foi promulgada e, no decorrer do exercício futuro, discutir outra maneira de ajustar via projeto de lei. E não por medida provisória, cujos efeitos são imediatos”, disse.

Prefeituras

Além de alterar as regras para os 17 setores, a MP vai revogar por completo a desoneração para prefeituras com até 142 mil habitantes, dispositivo inserido pelo Senado e que para o governo também era inconstitucional. Isso porque a reforma da Previdência proibiu a concessão de novos incentivos tributários por meio do desconto das contribuições que financiam a seguridade social.

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Haddad disse nesta quinta que a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) vai iniciar uma negociação com prefeitos para ver como tratar do tema. O assunto é delicado pois 2024 é ano de eleição municipal.

Segundo Barreirinhas, a desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores teria um custo de R$ 12 bilhões em 2024. Com a mudança via MP custará R$ 6 bilhões, o que representa na prática uma reoneração sobre essas atividades.

Os R$ 6 bilhões remanescentes serão compensados com a extinção do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). O programa foi originalmente desenhado para auxiliar atividades prejudicadas pela pandemia da covid-19, mas em 2022 foi prorrogado por cinco anos.

Haddad alegou que, durante a tramitação no Legislativo, o combinado era que o programa custaria cerca de R$ 4 bilhões por ano, mas extrapolou estes valores. Só de isenções no pagamento de PIS/Cofins, as empresas deixaram de pagar cerca de R$ 16 bilhões neste ano, sem contar Imposto de Renda. Com a extinção, o governo pretende limitar essa renúncia em 2024 e usar R$ 6 bilhões “economizados” com o fim do programa para bancar a desoneração da folha.

A extinção será gradativa, uma vez que será necessário cumprir os requisitos legais de anterioridade. O fim da isenção no IR para as empresas do Perse, por exemplo, só será aplicado em 2025.

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Abatimento de prejuízo em impostos

A medida que vai gerar mais economia, nas contas do governo, é a criação de um teto para que as empresas que obtenham vitórias judiciais contra o Fisco possam descontar este valor do que devem na hora de pagar seus impostos.

Hoje, elas não têm esse limite. Haddad voltou a mencionar o caso da Souza Cruz, que conforme mostrou reportagem do Estadão, obteve decisão para deixar de recolher R$ 4,8 bilhões em impostos neste ano em razão de vitória na Justiça contra a Receita.

Neste ano, essas compensações retiraram dos cofres da União cerca de R$ 60 bilhões, segundo Haddad. Com a mudança, a estimativa da Receita é que elas fiquem ao redor de R$ 20 bilhões no próximo ano.

A MP deverá fixar um limite ao redor de 30% do crédito que a empresa poderá usufruir por ano. O teto valerá para dívidas judiciais que superem R$ 10 milhões. Segundo Barreirinhas, a ideia da Receita é fazer com que estes pagamentos sejam diluídos em até cinco anos. Empresas que tiverem a receber menos do que o valor de corte de R$ 10 milhões vão receber mais rápido, disse o secretário. As empresas também poderão optar pela via do precatório — pagamento de títulos judiciais.

Apesar de Haddad ter citado a “tese do Século” para exemplificar o problema — que corresponde a cerca de 90% desse tipo de compensação judicial —, a limitação será aplicada para qualquer decisão judicial que abranja a possibilidade de encontro de contas via crédito acima de R$ 10 milhões.

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Para o economista Gabriel Leal Barros, da Ryo Asset, a extinção do Perse é uma medida que vai na direção correta, de reavaliação de um programa que saiu mais caro do que o planejado. Ele critica, porém, o teto para as empresas compensarem dívidas judiciais com o Fisco.

“Vai na direção de uma apropriação indébita por parte da Fazenda de créditos tributários de pleno direito das empresas, já transitado em julgado”, afirma. “A proposta que fazem agora é incoerente com toda a crítica feita à apropriação indébita pelo governo com a rolagem do pagamento dos precatórios. Tem lógica, no mínimo, inconsistente.”

Haddad minimizou o risco de judicialização e afirmou, na entrevista mais cedo, que se trata de uma “regra de bom senso”. O argumento dele é que essas compensações ficam a critério do contribuinte e dificultam o planejamento da Receita sobre o quanto vai efetivamente ser arrecadado.

“Assim como a empresa precisa se planejar, o Estado precisa se planejar também”, disse o ministro.

O secretário Barreirinhas acrescentou que, no entendimento da Receita, o governo pode regular como é feita a compensação.

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“Na decisão judicial, o empresário pode pleitear o precatório, ele vai receber. Não é uma questão arrecadatória, é de planejamento. A lógica do precatório é que ele dá um fôlego para a administração se programar, caso o valor seja alto pode pagar no ano seguinte. A compensação não tem isso. Então estamos equalizando a compensação com a lógica do precatório, em termos de previsibilidade”, disse Barreirinhas.

Segundo o ministro, as propostas anunciadas não criam receita adicional, mas repõem recursos em renúncias que não estavam inicialmente previstas no projeto de lei orçamentária enviado pelo governo em 31 de agosto, já aprovado pelo Congresso.

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