BRASÍLIA – O governo Lula vai ampliar o acesso de Estados e municípios de menor porte a operações de crédito com apoio do Tesouro Nacional. O objetivo do pacote elaborado pelo Ministério da Fazenda, que será anunciado nesta quarta-feira, 26, é incentivar a melhoria da saúde fiscal e elevar a chamada capacidade de pagamento (Capag) – ou seja, a nota de crédito desses entes.
A Capag é uma espécie de rating, ou nota de crédito, que o Tesouro Nacional atribui a Estados e municípios de acordo com a saúde financeira de cada ente. Essa nota vai determinar as condições que um Estado ou um município terão para tomar empréstimos do governo federal. As notas vão de A a D, sendo A a melhor e D a pior. Estados e municípios com notas A e B podem, por exemplo, pegar empréstimos com garantia da União.
“Vamos tentar fazer com que maior número possível de Estados e municípios busquem o rating A”, afirmou ao Estadão/Broadcast o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
O novo pacote conta com pelo menos sete mudanças na Capag e nas regras que guiam esses financiamentos. Dentre os ajustes estão a definição de um critério alternativo para Estados e municípios chegarem ao rating mais elevado, redução do limite mínimo do valor das contratações e uma vinculação de sistemas que criará o rating “A+” e dará direito a uma análise mais rápida pelo Tesouro do pedido de operação de crédito.
O governo também vai sugerir ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a definição de um teto de juros para empréstimos a Estados e municípios que não têm aval (garantia) do Tesouro, após verificar indícios de “abuso” nas taxas aplicadas atualmente.
As propostas ficarão em consulta pública por 30 dias e a maior parte deve entrar em vigor a partir do próximo ano. Duas grandes mudanças de paradigma são vislumbradas com o novo modelo. Do ponto de vista estrutural, Ceron vê um “alinhamento de incentivos” para Estados e municípios melhorarem seus quadros fiscais. Uma segunda dimensão atende a pauta municipalista, já que inclui no sistema de apoio da União cidades de médio e pequeno porte excluídas pelas regras atuais.
“Estamos mexendo nos limites e indicadores para levar a um resultado final: o maior número de entes serem rating A. Com isso, o País fica muito mais protegido desses casos de crises financeiras em Estados e municípios. E a contraparte disso é dar acesso a canais de investimento”, afirmou Ceron.
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Ampliação de crédito
As mudanças chegam num momento em que o governo federal faz um esforço para aumentar o nível de investimento público e ampliar o mercado de crédito, enquanto tenta imprimir no crescimento dos gastos uma marca de responsabilidade fiscal. No caso das operações garantidas pelo Tesouro, a ferramenta ganhou ainda mais destaque após a pasta ter anunciado, em abril, que o mecanismo poderá ser aplicado para financiamentos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) – grande pilar de sustentação do Novo PAC, a ser lançado em agosto.
A partir de demandas e ponderações de Estados e municípios, o Tesouro mapeou focos de problema no desenho atual das operações de crédito, como a falta de diferenciação prática entre quem é classificado como A ou B e a definição do indicador de poupança corrente em 15% para a nota mais alta, introduzida em 2022. O patamar é classificado por Ceron como “incompatível com a realidade” de parte dos entes, sem necessariamente garantir condição fiscal para o Estado ou município atravessar uma crise.
A Fazenda vai propor que o Estado ou município com nota B possa migrar para a nota A, se preencher os demais requisitos, ao substituir o indicador de poupança por um critério de “resiliência financeira”, representada por 7,5% de disponibilidade líquida de caixa sobre a receita corrente líquida. “Assim você cria um estímulo para Estados montarem uma reserva”, disse Ceron. Ele disse que, se o critério já estivesse vigente, São Paulo seria um dos Estados que poderiam conquistar o rating A.
Em outra frente, o Tesouro vai acoplar à Capag o ranking do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), que dá nota a Estados e municípios a partir de checagens de consistência contábil. O ente que for tiver a nota mais alta no Siconfi e na Capag ganhará o selo “A+” e terá seu pedido de operação de crédito analisado mais rapidamente pelo Tesouro. Por outro lado, entes com notas D ou E no Siconfi poderão ser rebaixados em até duas notas na Capag. Eles terão, contudo, um período para melhorar as demonstrações contábeis antes de a regra valer.
Juros
Também para incentivar Estados e municípios a buscar o rating A, o Tesouro vai diferenciar por nota a taxa de juros teto aplicada nas operações de crédito. Para quem tem a nota mais alta, em 120% do CDI (taxa muito próxima à Selic, hoje em 13,75% ao ano). No B, em torno de 127% e, para entes com nota C que estejam em Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF), em 130% do CDI.
“Atualmente, o limite está em torno de 122% do CDI, e depende de nuances de prazo da operação, mas é único para os três ratings”, explicou Ceron. Já nas operações sem aval do Tesouro, o governo vai propor que o CMN estabeleça um juro máximo de 155% do CDI. “Já é alto, mas pelo menos limita indícios de abuso que notamos hoje”, disse o secretário.
Para ampliar a participação de municípios de menor porte, a Fazenda propõe a redução de R$ 30 milhões para R$ 20 milhões para o limite mínimo de captação de operações de crédito. Caso o projeto esteja relacionado a PPPs, o valor cai para R$ 10 milhões.
A lista de mudanças ainda inclui alteração de limites individuais para contratação das operações de crédito, e a redução – de 1 milhão para 200 mil – do número de habitantes de municípios aptos a aderir ao PEF. Com isso, mais Estados e municípios com rating C ou D poderão contrair empréstimos com a garantia do Tesouro.
Por fim, a partir de 2025, o governo vai propor que o Tesouro só garanta 100% da operação que for contratada por Estados e municípios com nota A. Para quem tem nota B, num primeiro ano, o montante cairia para 95% e depois ficaria em 80%. “Isso incentiva o ente a buscar um rating A nesse prazo de dois anos”, disse Ceron.
O último relatório de garantias honradas pela União em Operações de Crédito mostrou que o valor já chegou a R$ 6,91 bilhões no ano de 2023. Questionado se as mudanças propostas não aumentariam o risco de exposição do Tesouro diante do histórico de execução de garantias crescente, Ceron ponderou os dados.
Segundo ele, a União consegue recuperar integralmente praticamente todas as operações num prazo de cinco anos. “O mais simples seria não dar garantia. Mas entendemos que isso não é bom para o País e as relações federativas. Tem caminho de equilíbrio. E, mais, estou criando incentivos para o ente melhorar a performance fiscal. Dou mais acesso se você tiver um quadro fiscal melhor, e vou te dar tempo para se adaptar. Nos parece que estamos indo para o caminho correto”, afirmou.
Veja as 7 medidas propostas pelo governo
- Critério alternativo para Estados e municípios poderem ser nota A: Chamado de critério de resiliência financeira, o indicador será uma alternativa ao critério de poupança líquida e dará segurança de que o ente suportaria eventual queda de receita ou uma crise financeira. Para entrar nesse critério, o ente com indicador de poupança nota B terá de combinar os demais critérios do rating A com um “colchão” de disponibilidade líquida de caixa. A proposta é fixar esse colchão em 7,5% de disponibilidade de caixa líquida sobre a receita corrente líquida.
- Nota A+: Proposta vai vincular a avaliação da Capag (capacidade de pagamento) à consistência contábil mensurada pelo Sinconfi, com a introdução de notas A+ e B+ para quem demonstrar solidez fiscal também com as informações contábeis. Ao vincular as duas avaliações, os entes com nota A e viés positivo terão um fast track (atalho) para operação com crédito. Para os que tiverem inconsistências contábeis substanciais, poderá haver redução de até dois níveis na avaliação Capag.
- Redução do limite de operações de crédito com garantia do Tesouro: Governo propõe reduzir de R$ 30 milhões para R$ 20 milhões o limite mínimo para captação das operações de crédito com garantia do Tesouro, ou para R$ 10 milhões se for relacionada a projetos de PPPs.
- Limites nas operações garantidas do Tesouro por rating: A partir de 2024, Estados e municípios com nota A poderão contratar operações de crédito acima dos limites que foram fixados pelo governo anterior, mas dentro do teto de 16% da receita corrente líquida (RCL). Para a nota B, o limite será de 4% da RCL ou R$ 20 milhões, o que for maior. Para as notas C, desde que com pacto no PEF, o limite é de 3% da RCL. Pela regra aprovada na gestão Bolsonaro, a partir de 2024, o limite de operação de crédito anual iria de 1% a 3% da RCL, o que é considerado muito restritivo pela Secretaria do Tesouro.
- Limite de juros para operações sem garantia e gradações para rating: O governo vai propor ao CMN fixar limite para taxa de juros das operações sem garantia da União, estabelecido em, no máximo, 155% do CDI. A proposta também cria gradações nos limites de taxas de juros para empréstimos com garantia do Tesouro, de acordo com o rating. Para nota A, a proposta é fixar em 120% do CDI. Para nota B, em torno de 127% do CDI e para nota C, 130% do CDI. Atualmente, o limite é em torno de 122%, independentemente da nota, mas com diferença para prazos.
- Garantia do Tesouro exclusiva para nota A: A partir de 2025, o Tesouro só garantiria 100% da operação para Estados e municípios com nota A. Os entes com nota B teriam uma redução gradual da proteção dada pela União, começando em 95% até estabilizar em 80%. Ou seja: para Estados e municípios com nota B, o Tesouro garantirá 80% do crédito. Para os 20% restantes, as instituições financeiras terão de assumir o risco ou exigir outra garantia dos entes.
- Redução do porte do município para PEF: O Tesouro propõe que municípios de 200 mil habitantes poderão aderir ao Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF). Hoje, esse limite é para cidades com mais de um milhão de habitantes. Se a mudança for acatada, pelo menos 36 entes poderão ser beneficiados com acesso a crédito com garantia da União, mesmo com rating C ou D.
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