BRASÍLIA – No governo Lula 3, os gastos do Tesouro Nacional tiveram um aumento de R$ 348 bilhões na comparação com o último ano do governo Bolsonaro. Cerca de um terço desse valor, porém, foi herdado da administração anterior, enquanto o restante tem relação com decisões tomadas pelo governo atual.
O ritmo de crescimento dos gastos públicos, que preocupa o mercado, entrou no radar da equipe econômica, que elaborou um conjunto de medidas de contenção de despesas para dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal e retomar a confiança no equilíbrio das contas públicas. Após semanas de reuniões ministeriais e ajustes, o desenho final do pacote foi aprovado por Lula e será anunciado nesta semana, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os R$ 348 bilhões a mais em despesas neste mandato são fruto da comparação entre os gastos acumulados em 12 meses encerrados em setembro deste ano, último dado disponível do Tesouro Nacional, e os gastos dos 12 meses até dezembro de 2022, já corrigidos pela inflação. Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.
A maior despesa está relacionada ao pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), que somaram R$ 101 bilhões. A maior parte desse gasto, porém, tem relação com o governo anterior, que adiou o pagamento dessas despesas, mudou a correção do teto de gastos e abriu um espaço de mais de R$ 90 bilhões para novas despesas no ano eleitoral – o que foi considerado por muitos especialistas como uma espécie de “calote”.
Após acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) no final do ano passado, o governo Lula foi autorizado a abrir um crédito extraordinário para quitar essa dívida com precatórios, mas sem que esse gasto fosse contabilizado nos limites do novo arcabouço fiscal até 2026.
Outro gasto herdado do governo anterior são transferências aos Estados, como compensação à redução de alíquotas de ICMS para reduzir preços de combustíveis, energia elétrica, comunicação e transporte coletivo, em 2022, vésperas das eleições. Nos últimos 12 meses, houve alta de R$ 5,7 bilhões no apoio a Estados e municípios em relação ao último ano do governo anterior.
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Depois dos precatórios, a maior despesa é o programa Bolsa Família, que pressiona o Orçamento com mais R$ 74 bilhões em relação a 2022. Tanto Bolsonaro quanto Lula prometeram triplicar o valor médio do benefício, o que foi cumprido por Lula após a vitória nas eleições.
Os gastos com Previdência Social, por sua vez, dispararam R$ 68,66 bilhões. Eles foram fortemente impactados pela volta da política de valorização do salário mínimo, criada por Lula, que corrige o benefício pela inflação mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores.
A indexação do mínimo também ajuda a explicar o aumento de R$ 19,35 bilhões com o programa de Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda – e a alta de R$ 10,24 bilhões com abono salarial e seguro-desemprego. No caso do BPC, como mostrou o Estadão, o aumento de decisões judiciais para pessoas com deficiência tem preocupado o Ministério da Previdência Social.
A indexação dos pisos da saúde e da educação às receitas do governo também pressionou esses dois gastos. No caso da Educação, houve crescimento de R$ 57,23 bilhões, puxado também pelo aumento da participação do governo federal no Fundeb, que foi aprovado no governo Bolsonaro, em 2021. Com a saúde, o aumento chega a R$ 55 bilhões.
Queda como % do PIB
Segundo o economista Fábio Serrano, especialista em contas públicas no banco BTG Pactual, o gasto do governo federal deve cair como proporção do PIB este ano. Isso porque o dado acumulado em 12 meses até setembro ainda “carrega” despesas feitas no final do ano passado, principalmente para o pagamento de passivos herdados do governo anterior.
“A tendência é que esse gasto acumulado em 12 meses fique menor até dezembro, porque o indicador vai ser ‘limpo’ dos gastos extras feito no ano passado. Como proporção do PIB, estimamos que haverá uma queda de 19,6% em 2023 para 18,9% em 2024″, explicou.
Pelas projeções da equipe econômica, informadas no 5º Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, divulgado na última sexta-feira, o gasto como proporção do PIB deve ficar em 19,2%. Essa forma de acompanhar os gastos, em relação ao tamanho da economia, facilita comparações internacionais.
Por que a dívida não para de subir?
A equipe econômica alega que não há explosão de gastos no atual governo porque a despesa em 19,2% do PIB está dentro da média dos últimos dez anos, excluindo 2020 – ano atípico, por causa da pandemia.
O problema, segundo especialistas em contas públicas, é que a dívida bruta do governo federal está muito elevada, em 78% do PIB, e já subiu sete pontos porcentuais neste mandato. Barrar esse crescimento requer um superávit em torno de 2,5% do PIB, de acordo com analistas.
Hoje, como o governo tem déficit primário (excluindo as despesas com juros), na prática, não há dinheiro de impostos sendo gastos com juros. O superávit tem exatamente essa finalidade, para ajudar a conter a dívida.
Como as receitas do governo devem fechar o ano em 18,5% do PIB, de acordo com o BTG, as contas continuam no vermelho. Para atingir o superávit de 2,5%, elas teriam de subir para acima de 21% – o que especialistas consideram inviável, já que a carga tributária do País já é extremamente elevada e haveria resistências tanto no Congresso quanto na economia real.
Por isso, o gasto nesse patamar de 19,2% é visto como elevado. Ele precisaria começar a cair para que o ajuste seja feito com redução de gastos, de um lado, e aumento de receitas, de outro.
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