BRASÍLIA – O governo Lula (PT) editou uma medida provisória que beneficia a Âmbar, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista no setor de energia elétrica. A decisão socorre o caixa da Amazonas Energia e cobre pagamentos que a empresa deve fazer para termelétricas recém-compradas pela Âmbar da Eletrobras. Os recursos necessários para a operação serão bancados pela conta de luz de todos os consumidores brasileiros por até 15 anos.
Na última segunda-feira, às 7h36, a Eletrobras comunicou ao mercado a venda de 13 usinas termelétricas para Âmbar por R$ 4,7 bilhões. Além da empresa dos irmãos Batista, outros interessados, como o banco BTG em associação com a Eneva, e fundos estrangeiros, fizeram ofertas pelos ativos.
Do pacote, com exceção da usina de Santa Cruz, no Rio, as demais usinas vendem energia para a Amazonas Energia, a distribuidora de energia elétrica do Estado do Amazonas. A empresa, no entanto, é deficitária e desde novembro não paga pela energia gerada por essas térmicas. A Âmbar, ao fazer a oferta, assumiu o risco de inadimplência desses contratos, até então na conta da Eletrobras.
No comunicado público feito após a conclusão do acordo, a Eletrobras informou que repassou “imediatamente à Âmbar o risco de inadimplência dos contratos de energia dos ativos, o que garantirá a retomada dos pagamentos relativos ao fornecimento mensal de energia que a Eletrobras faz à distribuidora”. Em outras palavras, a Eletrobras passou para a empresa dos irmãos Batista o problema de não receber da Amazonas Energia.
Na quinta-feira, 13, 72 horas após o negócio, o Diário Oficial da União trouxe a publicação de uma medida provisória de socorro ao caixa da Amazonas Energia e que transfere o pagamento pela energia das térmicas para contas gerenciadas pelo governo e financiadas pelas contas de luz de consumidores de todo o País por até 15 anos.
A MP foi assinada pelo presidente em exercício Geraldo Alckmin e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. À noite, o governo encaminhou ao Congresso a exposição de motivos, documento formal que justifica a edição das normas. O texto mostra que Silveira sugeriu a edição da medida provisória no dia 7 de junho. Até ser publicada na quinta-feira, dia 13, o texto não era conhecido.
Os custos para os consumidores do resto do País calculados por operadores do mercado de energia variam de R$ 2 bilhões a R$ 2,7 bilhões por ano, podendo ultrapassar R$ 30 bilhões no final. Além das usinas, a Âmbar já demonstrou interesse em comprar a própria distribuidora Amazonas.
Procurado nesta quinta para falar sobre a MP, o Ministério de Minas e Energia informou que ela foi editada para dar sustentabilidade à distribuidora do Amazonas e que desconhece os termos do acordo entre a Eletrobras e a Âmbar Energia. O ministério afirmou ainda que a medida não vai onerar o consumidor final, pois se trata da continuidade de uma ação já adotada no âmbito da concessão, o que é contestado por agentes do mercado de energia e especialistas. A Eletrobras, a Âmbar e a Amazonas Energia foram procuradas, mas não se manifestaram.
A conta vai para o bolso do consumidor
Pela medida provisória, os contratos de fornecimento das térmicas com a Amazonas Energia passarão a ser pagos pela Conta de Energia de Reserva, que é gerida pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Essa conta é financiada por todos os consumidores de energia elétrica, sejam eles do mercado regulado (pequenos consumidores), do mercado livre (grandes consumidores) e também autogeradores.
Atualmente, segundo o presidente da Frente Nacional dos Consumidores, Luiz Barata, apenas uma parte da energia que abastece a Amazonas Energia é bancada por subsídios que recaem sobre os consumidores. Com a mudança via MP, 100% da energia comprada pela distribuidora das térmicas que agora são da Âmbar será paga pelo restante do País.
Além disso, a MP prevê que os custos da Amazonas Energia com questões regulatórias, como a adequação aos parâmetros de perda de energia com “gatos”, por exemplo, também serão rateados com os consumidores do restante do País por meio de reembolsos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). Só esse item, nas contas de Luiz Barata, ampliará os custos da CCC em pouco mais de R$ 1 bilhão. A CCC é parte dos subsídios embutidos na conta de luz dos consumidores.
A medida do governo também prorroga por 120 dias flexibilizações que permitem à concessionária amazonense registrar perdas e problemas econômicos sem sofrer punições. Na justificativa, o ministro de Minas e Energia escreveu que, sem essas permissões para a distribuidora, “é improvável que no curto prazo consiga-se trazê-la a um patamar de sustentabilidade econômico-financeira”.
Executivos do setor afirmam que a retirada desses passivos do caixa da Amazonas Energia tornou uma empresa virtualmente falida interessante aos olhos de investidores. Além da Âmbar, outros potenciais interessados citados são a Equatorial, que opera no Amapá, e a Energisa, que hoje controla distribuidoras em 11 Estados.
Para Barata, o governo busca resolver o problema empresarial da Amazonas Energia com o chapéu alheio. “É uma solução que quem paga são os outros”, afirmou ele, que foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia e dirigiu o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). “Reconhecemos que a Amazonas Energia é um problema que existe e que precisa ser resolvido, o que a gente coloca é por que nós é que vamos pagar pela solução”, disse.
Como se chegou até aqui
Em 2023, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pediu a extinção do contrato de concessão da Amazonas Energia ao Ministério de Minas Energia (medida chamada tecnicamente de caducidade), apontando insustentabilidade da operação, diante de uma geração de caixa negativa permanente e uma dívida líquida crescente, que passava de R$ 7,9 bilhões.
A Aneel elencou uma série de problemas na gestão da empresa, como elevadas perdas não técnicas (por furto de energia), receitas irrecuperáveis e elevados custos operacionais da concessão. Soma-se a isso falhas constantes no fornecimento de energia no Estado.
Desde o ano passado, o governo se vê às voltas com um dilema. Se decretasse a caducidade do contrato ou se fizesse uma intervenção na companhia teria que aportar recursos diretos na empresa deficitária, além de assumir a operação de distribuição de energia elétrica no Estado do Amazonas.
A iniciativa era considerada ainda mais arriscada depois da privatização da Eletrobras, ocorrida em 2022, por meio da qual o governo já fez intervenções no passado em companhias estaduais.
O socorro oferecido pelo governo à Amazonas Energia foi concedido no momento em que os irmãos Batista ampliam sua atuação no mercado de energia por meio da geração térmica e se reaproximam do governo federal.
Após confessarem crimes de corrupção à frente da JBS, em 2017, a dupla voltou aos holofotes em Brasília. No último dia 27, Joesley e Wesley Batista estiveram com o presidente Lula no Palácio do Planalto em um encontro de produtores de carne para tratar de uma doação para vítimas do Rio Grande do Sul. A J&F, que é controlada pelos irmãos, conseguiu ainda a suspensão de uma multa de R$ 10,3 bilhões no Supremo Tribunal Federal (STF) negociada em delação premiada.
Se a MP ajudou a Âmbar, foi positiva também para a Eletrobras, que além de se livrar da inadimplência, firmou outro acordo com a empresa dos irmãos Batista. Caso a Âmbar compre a operação da Amazonas Energia, hoje feita pela empresa privada Oliveira Energia, a Eletrobras terá a opção de trocar os atrasados que tem a receber por ações na nova distribuidora - que desde a edição da MP tem menos obrigações a pagar e, portanto, um caixa mais liberado.
Com isso, a Eletrobras poderá conseguir reaver uma dívida considerada hoje impagável. Os atrasados da Amazonas Energia com a Eletrobras somam cerca de R$ 10 bilhões. Desse total, segundo executivos do setor, entre R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões têm origem em compras não pagas de energia gerada pelas térmicas vendidas para a Âmbar. O restante decorre de heranças do tempo em que a então estatal comandava a distribuidora de energia local.
Nos bastidores, executivos da Ambar têm questionado a interpretação de que houve um benefício direcionado à empresa. O argumento é que os operadores do mercado de energia já sabiam que o governo preparava uma solução para a Amazonas Energia por meio de medidas legislativas prometidas pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
A solução trazida pela MP, assim como uma intervenção federal ou a decretação de caducidade do contrato da atual operadora da Amazonas Energia, terminariam com o mesmo desfecho: o repasse da inadimplência da empresa para os consumidores ou para os contribuintes.
Em resposta ao Estadão, o Ministério de Minas e Energia afirmou que a medida provisória foi elaborada por conta da insustentabilidade da concessão. Um grupo de trabalho formado pela pasta e pela Aneel concluiu, em fevereiro deste ano, pela insustentabilidade da concessão e apontava para a necessidade de mudanças legislativas. “Com a MP, será possível dar continuidade na flexibilização de parâmetros regulatórios para a concessão, além de retirar contratos de termelétricas compulsoriamente atribuídos ao portfólio da Amazonas Energia”, diz o ministério.
O MME ressaltou que desconhece os termos do acordo entre Eletrobras e Âmbar Energia e afirmou que os custos operacionais e financeiros da concessão da Amazonas já são suportados pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). “O que se permitiu foi a continuidade dessa situação, a fim de sanar a insustentabilidade da concessão da Amazonas Energia. A medida não vai onerar o consumidor final, pois se trata da continuidade de uma ação já adotada no âmbito da concessão.”
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