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Governo usa novo pacote industrial para defender políticas passadas e contrasta com esforço fiscal

Enquanto equipe econômica defende reduzir subsídios e benefícios fiscais em busca do ajuste das contas públicas, ala mais desenvolvimentista quer revisitar políticas com maior presença do Estado na economia

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Foto do author Mariana Carneiro
Atualização:

BRASÍLIA - O governo Lula aproveitou o lançamento da nova política industrial nesta segunda-feira, 22, para sair em defesa de programas semelhantes voltados ao setor, lançados nas gestões do PT no passado, e que foram alvo de críticas de economistas e de parte da classe política.

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Duas ausências na longa mesa do salão oeste do Palácio do Planalto, porém, chamaram quase tanta atenção quanto as cifras bilionárias do programa de crédito e subsídios: Fernando Haddad, da Fazenda, que cumpriu agenda em São Paulo, e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento.

Os dois ministros, de perfil mais fiscalista, têm se debruçado sobre os números do Orçamento de 2024, que foi sancionado nesta segunda-feira, 22, com o compromisso de zerar o déficit público. A sanção envolveu um veto de R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares - valor que será usado para recompor políticas públicas e que deixa evidente o espaço justo para gastos neste ano, em meio ao crescimento de despesas obrigatórias.

Enquanto equipe econômica defende reduzir subsídios e benefícios fiscais em busca do ajuste das contas públicas, ala mais desenvolvimentista quer revisitar políticas com maior presença do Estado na economia. Foto: Adriano Machado/Reuters

Nesse cenário, enquanto Haddad e Tebet defendem reduzir subsídios e benefícios fiscais, a exemplo da desoneração da folha de pagamentos, em nome do ajuste das contas públicas, a ala mais desenvolvimentista quer revisitar políticas utilizadas no passado com maior presença do Estado na economia.

Durante a cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, defendeu a volta do investimento estatal, alegando que outros países também estão nessa trilha, enquanto o ministro da Casa Civil, Rui Costa, citou uma “criminalização” do apoio do governo à indústria.

Já Esther Dweck, da Gestão e Inovação, destacou o potencial das compras públicas com incentivo ao conteúdo local (exigência de compra de fornecedores brasileiros), outra iniciativa marcante das gestões passadas do PT, e frisou que o pacote “lança mão das melhores e mais modernas práticas e se mostra adaptado aos desafios de hoje”.

“Hoje não se discute mais se vamos fazer política industrial, mas como fazer política industrial”, afirmou a ministra.

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Passado x presente

Ao lado do presidente Lula, Rui Costa fez referência ao caso das empreiteiras brasileiras envolvidas em escândalos de corrupção no Brasil e em países vizinhos para criticar o que chamou de “criminalização” da política de estímulo à indústria.

“Nós vimos, nos últimos anos, um questionamento sobre apoio e participação do governo no desenvolvimento industrial, questionando, quando não criminalizando, essa ação pública de apoio e incentivo à industrialização e à indústria nacional. Muitas vezes, colocando de forma pejorativa ‘o Brasil está financiando a venda de um produto para outro país, financiando uma obra em outro país’. É importante que se pergunte, qual nação desenvolvida no mundo não está fazendo isso hoje em dia?”, disse Costa.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, citou uma “criminalização” do apoio do governo à indústria. Foto: Wilton Junior/Estadão

No passado, construtoras como a Odebrecht e Camargo Corrêa tomaram empréstimos no BNDES para executar grandes obras no exterior, como Venezuela, Cuba e Moçambique. Esses países deixaram de pagar pelos contratos, e o calote recaiu sobre o Tesouro brasileiro, que indenizou o banco estatal. Estes contratos também foram alvo de investigação da Operação Lava Jato.

Costa, assim como seus colegas, também fez referência a nações desenvolvidas que financiam políticas industriais.

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“A China, o Japão, a Alemanha, os Estados Unidos, todos têm bancos, têm fundos que financiam de forma especial. Eles vão vender um tomógrafo para o Brasil, oferecem condições especiais para quem comprar ou para quem exportar. Desde que seja um produto alemão, seja um produto americano, chines. Só no Brasil isso virou crime e, muitas vezes, é tratado de forma pejorativa”, afirmou.

Tesouro X BNDES

Mercadante também citou exemplos internacionais para justificar a relevância e pertinência do novo plano e frisou que o valor de R$ 300 bilhões é “piso” do que o governo deseja aplicar na política industrial. Segundo ele, os demais bancos estatais - Banco do Brasil e Caixa, além da Finep - “trabalharão de forma coordenada no mesmo objetivo”.

O petista destacou, ainda, a criação da Letra de Crédito do Desenvolvimento (LCD), um título que funcionaria nos mesmos moldes da LCI, voltada ao mercado imobiliário, e da LCA, direcionada ao agronegócio - letras que contam com benefício tributário, ou seja, não têm incidência de Imposto de Renda.

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Na ocasião, Mercadante aproveitou para rebater as críticas: “Por que um banco público pode levantar recursos para a agricultura (se referindo, no caso, ao Banco do Brasil) e para o setor imobiliário (Caixa) e não pode para a indústria?”.

Segundo Mercadante, o objetivo é levantar R$ 10 bilhões anuais com as novas emissões, valor que considerou irrisório perto da captação de LCI e LCA. Logo, segundo ele, não há que se falar em prejuízo a esses mercados.

“O estoque hoje (dos dois títulos) é de R$ 840 bilhões. Como que arrecadar mais R$ 10 bilhões vai prejudicar? É irrelevante. Falar que prejudica a dívida pública, então, é quase uma aberração. A dívida bruta está em R$ 6,3 trilhões. O que são R$ 10 billhões?”, questionou. Em tom irônico, Mercadante afirmou que o seu desafio, à frente do BNDES, não envolve apenas a tarefa de “matar um leão por dia”, mas também “desviar das antas”.

Mercadante frisou que o objetivo é captar no mercado o que o banco público não pegará no Tesouro. “O BNDES transfere recursos para o Tesouro. A nossa luta é para o Tesouro desmamar do BNDES, e não o contrário”, afirmou, citando que o banco paga impostos e dividendos à União.

Durante a vigência do programa de estímulo à indústria, nas gestões de Lula e Dilma Rousseff, o Tesouro injetou recursos no BNDES para irrigar linhas de empréstimos com crédito subsidiado para a compra de máquinas e equipamentos e caminhões. E também para o financiamento a grandes empresas eleitas como “campeãs nacionais”, de setores selecionados pelo governo.

A estratégia foi alvo de críticas de economistas pelo custo elevado. Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 440,8 bi ao banco de fomento, recursos que foram devolvidos gradualmente nos últimos anos. Questionado sobre se o governo vai reeditar a política dos campeões nacionais, Mercadante disse que “não escolhe o parceiro”.

“As consultas ao BNDES, os projetos que estão no BNDES hoje em relação a 2022, cresceram 88%. Nós temos R$ 270 bilhões de projetos tramitando. Essa é a esteira: projeto entra, a gente analisa e aprova. E é aberto a qualquer empresa que queira apresentar. A gente trabalha por demanda, não estamos escolhendo o parceiro. Temos editais, que são transparentes. As linhas de crédito são públicas e estamos recebendo os projetos”, disse.

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Dos R$ 300 bilhões previstos pelo programa, porém, R$ 8 bilhões serão direcionados a aportes diretos nas empresas, para compra de ações - como acontecia na política dos campeões nacionais.

Revisão de última hora

As horas que antecederam o anúncio do novo plano industrial foram tensas devido a uma revisão de última hora no material que seria divulgado. Isso porque o governo havia incorporado metas aspiracionais de dez anos para cada uma das seis missões descritas na política, como a produção local de 50% das tecnologias críticas para a indústria da defesa.

As metas foram retiradas dos discursos e da apresentação do ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. O motivo alegado é que elas não haviam sido levadas à deliberação no CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial) e deverão ser objeto de debate no grupo formado por empresários que assessoram o governo.

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