BRASÍLIA – Em meio à queda de popularidade e às vésperas das eleições municipais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou nesta segunda-feira, 22, um pacote de crédito com foco nos pequenos negócios e nos microempreendedores individuais (MEIs), sobretudo os que estão nas camadas mais pobres. A informação foi antecipada pelo Estadão em março.
O programa, batizado de Acredita, está previsto para começar em julho, mas algumas iniciativas, como a renegociação de dívidas, terão início imediato. Uma das principais vertentes será o estímulo ao microcrédito, focado nos inscritos do Cadastro Único (CadÚnico) – a base de dados dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família.
O governo prevê realizar 1,25 milhão de transações de microcrédito até 2026, último ano do mandato presidencial. Cada operação é avaliada em torno de R$ 6 mil, o que injetaria mais de R$ 7,5 bilhões na economia nesse período, segundo projeções do Ministério da Fazenda.
Atualmente, 43 milhões de famílias (aproximadamente 96 milhões de pessoas) estão registradas no CadÚnico, das quais 54% vivem com renda per capita de até R$ 109 mensais.
A iniciativa contará com garantia do Tesouro Nacional, ou seja, dinheiro público, em caso de inadimplência. Isso se dará por meio do Fundo Garantidor de Operações (FGO), operado pelo Banco do Brasil, que terá um novo braço específico para isso: o FGO Acredita no Primeiro Passo.
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Para 2024, está prevista a aplicação de até R$ 500 milhões, fruto de um remanejamento do FGO-Desenrola Brasil (fundo usado para o programa de renegociação de dívidas de pessoas físicas). Pelo menos metade das concessões deve ser destinada a mulheres.
“As pessoas que têm muito dinheiro, se demorar um ou dois meses, aguentam. Mas quem precisa de R$ 1 mil ou R$ 2 mil, é muito difícil. Não tem banco para a gente entrar. Banco não foi preparado para receber pobre, as pessoas que não chegam de terno e gravata. O que estamos fazendo é que, independentemente da origem social, as pessoas tenham acesso ao sistema financeiro”, afirmou Lula após assinar a Medida Provisória (MP) que será encaminhada ao Congresso Nacional, já fazendo apelo aos parlamentares para que aprovem o texto.
O objetivo, segundo o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, é possibilitar que as pessoas inscritas no CadÚnico possam empreender. “Mais de 40 milhões de famílias estão registradas no Cadastro Único. Desses, na população economicamente ativa, 10% têm nível superior ou estão cursando e 14 milhões têm nível médio ou estão fazendo. E 4,6 milhões de pessoas já empreendem”, disse.
O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, também discursou no evento, que contou com a presença de representantes do setor bancário, secretários da equipe econômica e do diretor do Banco Central Gabriel Galípolo. “Nós precisamos voltar a crescer e o crédito é a alavanca imprescindível para o desenvolvimento de qualquer país”, afirmou Haddad.
Renegociação de dívidas
O segundo eixo do programa prevê a renegociação de dívidas de MEIs, micro e pequenas empresas e de débitos relativos ao Pronampe, o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, criado durante a pandemia.
Batizado de Desenrola Pequenos Negócios, o programa concede um benefício regulatório aos bancos para estimular a renegociação, nos moldes do que já foi feito no Desenrola voltado às pessoas físicas. Nesse sentido, a medida autoriza que o valor renegociado até o fim de 2024, das dívidas inadimplentes até o dia da publicação da MP, possa ser contabilizado para a apuração do crédito presumido dos bancos entre 2025 e 2029.
Isso significa que os bancos poderão elevar seu nível de capital para a concessão de empréstimos. Esse incentivo, segundo o Ministério da Fazenda, não gera nenhum impacto fiscal para 2024 e, nos próximos anos, o custo máximo estimado em renúncia fiscal será de R$ 18 milhões, em 2025, e de 3 milhões, em 2026. Para 2027, não há previsão de custo.
Além disso, esse segundo eixo prevê uma política de estímulo ao crédito a empreendedores e empresários com faturamento de até R$ 360 mil ao ano, “com taxas até 50% menores que as praticadas pelo mercado”, diz o Palácio do Planalto. Essa política foi batizada de ProCred 360, que também contará com garantias do FGO.
Já para as empresas de porte médio, com faturamento de até R$ 300 milhões, a MP reduz os custos do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), com 20% redução do Encargo por Concessão de Garantia (ECG).
O ECG começou a ser cobrado das instituições financeiras em janeiro de 2024, depois que o Peac se tornou um programa permanente, mediante aprovação de lei no Congresso Nacional. Originalmente, a linha de crédito havia sido criada com prazo de validade e estava prevista para acabar em dezembro de 2023. A redução do encargo, que tem potencial de baratear esse tipo de financiamento, foi antecipada pelo Estadão.
Por fim, há previsão de expansão das linhas de crédito no âmbito do Fundo de Aval para a Micro e Pequena Empresa (Fampe) do Sebrae. A estimativa é de que, nos próximos três anos, o Fampe viabilize R$ 30 bilhões em crédito, triplicando a carteira atual. Nesse caso, não há garantia do Tesouro Nacional, e sim do próprio Sebrae.
Impactos no PIB e nos juros e efeitos da medida
A economista-chefe para Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, avalia que faltam detalhes para medir quais seriam os efeitos da MP na política monetária, praticada pelo Banco Central, por meio da taxa de juros, para manter a inflação na meta.
“As micro e pequenas empresas têm um tamanho representativo no País, então tende a ter um efeito não desprezível em cima da economia”, afirma. “Ainda faltam informações de como e quando o programa será executado, como os eixos se darão. Precisamos ver a evolução disso para saber quando terá efeito na política monetária”, pondera.
Pinheiro acrescenta que também faltam detalhes para saber se a medida pode contribuir efetivamente para o crescimento econômico. “O grande truque que temos que observar é como o programa será financiado”, analisa. “Se os custos de financiamento forem maiores que o esperado, o receio sobre equilíbrio das contas públicas pode aumentar. E pode não ter o crescimento que se pretendia”.
Já a economista-chefe da consultoria Buysidebrazil, Andréa Damico, avalia que o pacote reforça a posição do atual governo para políticas mais intervencionistas e se somam a notícias recentes ruins para o mercado brasileiro, como a revisão das metas fiscais de 2025 e 2026.
“De certa forma, acaba sendo um retorno das políticas parafiscais, o que também é ruim”, aponta a Damico. “Se você vai ter um segmento da sociedade com juro mais baixo, você acaba tendo que praticar um juro final mais alto”, acrescenta.
Mercado imobiliário e proteção a investimento verde
O terceiro eixo do programa de crédito é direcionado ao mercado imobiliário. A ação do governo amplia o papel da Empresa Gestora de Ativos (Emgea), uma estatal, como securitizadora nesse setor. O foco será nas famílias que não se qualificam para programas habitacionais populares, mas para quem o financiamento a taxas de mercado é muito caro.
“A partir da MP, a Emgea poderá adquirir créditos imobiliários para incorporar em sua carteira ou vender no mercado, assim como títulos de valores mobiliários, contribuindo para fortalecer e dinamizar o mercado secundário de crédito do setor”, diz a Fazenda. A empresa também poderá prestar serviços de gestão e cobrança para entidades públicas e privadas, e se envolver em parcerias público-privadas.
“Podemos alavancar muito o crédito imobiliário, podemos limpar o balanço dos bancos, para conceder novos empréstimo. Podemos ter novo mercado secundário, com potencial de crescimento, que vamos atingir patamares elevados de crescimento”, disse Haddad, durante a cerimônia no Palácio do Planalto.
Segundo o ministro, a estatal vai usar o seu próprio capital para criar esse mercado secundário, “sem exigir aporte da União”. Como mostrou o Estadão/Broadcast, a empresa deve contar com cerca de R$ 8,5 bilhões que são devidos pela União em créditos perante o Fundo de Compensação da Variação Salarial (FCVS). Somado ao que já havia no caixa, são cerca de R$ 10 bilhões.
A MP ainda institui, como quarto e último eixo, um mecanismo de hedge (proteção) cambial, chamado de Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial, o Eco Invest Brasil, no âmbito do Fundo Clima.
A medida, já anunciada em fevereiro e antecipada pelo Estadão, está atrelada ao Plano de Transformação Ecológica (PTE) e pretende incentivar investimentos estrangeiros em projetos sustentáveis no País ao oferecer soluções de proteção cambial para projetos com prazo acima de dez anos.
Serão fornecidas linhas de crédito a custo competitivo para financiar parcialmente esses projetos e não haverá interferência no mercado de câmbio.
A MP estabelece as linhas de crédito, objetivos do programa, mecanismos de transparência e a atuação de cada instituição envolvida. O Banco Central será autorizado a realizar as operações que viabilizam as soluções de proteção cambial previstas no programa./Colaboraram Fernanda Trisotto, Célia Froufe, Sofia Aguiar, Amanda Pupo, Gabriela Jucá e Daniel Tozzi Mendes.
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