Arrecadação com parte do pacote de receitas extras fica aquém do esperado e frustra governo; entenda

Medidas como a retomada do voto de qualidade do Carf e transações tributárias tiveram resultado bem abaixo do projetado; Fazenda diz que fatores novos compensaram frustrações

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BRASÍLIA - O compilado de receitas extraordinárias previsto pela equipe econômica para garantir o resultado primário em déficit zero em 2024 tem arrecadado muito menos do que o esperado originalmente.

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A quatro meses para encerrar o ano, as medidas com maiores potenciais arrecadatórios, como a retomada do voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) e transações tributárias, tiveram resultado bem abaixo do projetado, somando menos que R$ 2 bilhões. O governo espera, inclusive, reaproveitá-las no Orçamento de 2025. Já os números de arrecadação com outras propostas desenhadas para este ano sequer foram informados pelo Ministério da Fazenda.

Integrantes da pasta reconhecem que os números poderiam ser melhores, com expectativa de um desempenho maior no segundo semestre deste ano. Alegam ainda que existem fatores novos que compensam essas frustrações. É o caso dos R$ 10 bilhões em dividendos extraordinários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que serão previstos já no próximo Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, garantiu uma pessoa do governo a par do assunto.

O pacote arrecadatório que foi aprovado pelo Congresso no ano passado previa uma arrecadação de R$ 168,3 bilhões ao longo de 2024, valor que vem sendo revisto por frustração de receita.

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Pacote arrecadatório aprovado pelo Congresso no ano passado previa uma arrecadação de R$ 168,3 bilhões ao longo de 2024, valor que vem sendo revisto por frustração de receita Foto: Wilton Junior/Estadão

Em resposta ao pedido feito pelo Estadão/Broadcast via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Ministério da Fazenda informou que, até 6 de agosto, foram arrecadados R$ 83,4 milhões com as condições especiais de pagamento introduzidas na lei do Carf. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 previa para o ano inteiro o montante de aproximadamente R$ 54,7 bilhões — valor já revisado para R$ 37,7 bilhões no último relatório bimestral.

Já em relação às transações tributárias concluídas no âmbito da Receita Federal, foram arrecadados R$ 1,961 bilhão, de um total previsto de R$ 31 bilhões para o ano. As transações feitas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por outro lado, atingiram a meta colocada no PLOA de arrecadar R$ 12,2 bilhões em acordo de grandes teses. A transação com a Petrobras, realizada por meio do edital de contrato de afretamento (espécie de aluguel) de plataformas de petróleo, deve responder por boa parte dessa previsão.

Os efeitos da nova lei do Carf e das transações fechadas com a Receita voltaram a aparecer como apostas, agora na proposta orçamentária de 2025, divulgada em 30 de agosto. Pelo texto enviado ao Congresso, a peça do próximo ano estima que o governo arrecadará R$ 28,575 bilhões com o retorno do voto de qualidade do Carf e R$ 31 bilhões em transação tributária pela Receita. No total, são esperados R$ 168,252 bilhões com receitas extraordinárias.

Na avaliação da advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, conhecida como “Duquesa de Tax” nas redes sociais, a frustração de receitas com conselho administrativo em 2024 não surpreende, e tampouco há um otimismo em relação ao desempenho no próximo ano. De acordo com ela, as expectativas arrecadatórias com essa proposta dependem muito do momento econômico vivido pelas empresas.

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“Não depende de ser uma tese que a empresa perca, depende dela achar que é um bom momento econômico-financeiro para aderir às vantagens da lei. Se a gente está em um momento econômico ruim para as empresas, elas podem optar por recorrer ao Judiciário e aí terão um horizonte de sete ou até mais anos de discussão sem precisar na realidade efetuar esse desembolso. Em um momento de incerteza, que é isso que a gente está vivendo agora, é muito difícil você encontrar alguma empresa que, de fato, tope isso em nome da arrecadação”, explicou.

Já a aposta no aumento na arrecadação com as transações da Receita, pontua Gontijo, é mais factível do que a lei do Carf. “Pode haver alguma ação (na Justiça) que já esteja em discussão e que a empresa já não tem mais tanta esperança, não tem um prognóstico tão bom, e pode ser que ela entre se as condições da transação forem boas”, disse a advogada. Segundo ela, o mau desempenho dessa medida este ano pode ser explicado pelas condições não tão boas nas transações e pelo ambiente econômico mais incerto.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, também considera difícil imaginar que não haja frustração de receita novamente em 2025. “O Carf tem se mostrado mais difícil do que o governo imaginava, a protelação jurídica nesses casos sempre vence. Não deve ser diferente no ano que vem. Para piorar, o governo trabalha com alíquotas adicionais do JCP (Juros Sobre Capital Próprio) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), mas cada vez mais esse tipo de ajuste via tributação está interditado”, avaliou.

O economista aponta ainda que, sem uma agenda relevante focada na estrutura de gastos, o governo terá que usar os mecanismos de bloqueio e contingenciamento de forma ainda mais agressiva em 2025 para garantir o cumprimento da meta de resultado primário. “Não é uma política de longo prazo, mas é o que politicamente é possível de fazer. Em 2027, vamos ter que fazer um novo regime fiscal mais crível do que o atual”, projetou.

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O Carf é o tribunal que julga conflitos tributários entre a Receita Federal e os contribuintes. A lei aprovada pelo Congresso no ano passado retomou o chamado “voto de qualidade”, um desempate a favor do Fisco nos julgamentos. O texto prevê que, se houver condenação do contribuinte pelo voto de qualidade, ele poderá pagar o débito sem a incidência de juros de mora, em até 90 dias do julgamento definitivo. O valor pode ser parcelado em até 12 prestações mensais.

As condições especiais de pagamentos eram consideradas fundamentais para que o Ministério da Fazenda conseguisse elevar a arrecadação com os julgamentos, já que os contribuintes normalmente recorrem ao Poder Judiciário quando são condenados.

Outras medidas

A arrecadação com as outras medidas, no entanto, sequer foram calculadas pela Fazenda. Em relação à proposta que estabelece novas regras para a tributação federal dentro do sistema de subvenção do ICMS, com potencial de gerar R$ 25,8 bilhões aos cofres da União, a pasta informou que não há como separar os recursos da arrecadação do Imposto Sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL. “Uma estimativa de montante pode ser realizada a partir das declarações prestadas por cada contribuinte. As declarações contendo tais informações só estarão disponíveis em 2025″, respondeu o ministério.

A Fazenda também informou que não é possível saber exatamente quanto foi gerado de receitas à União por meio da limitação das compensações tributárias a empresas decorrentes de decisões judiciais. A medida aprovada pelo Congresso alterou a possibilidade da utilização de créditos de ação judicial para compensar tributos. A estimativa até o final do ano era de que essa restrição representasse um incremento de R$ 24 bilhões aos cofres públicos.

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Segundo a última divulgação feita pela Receita Federal, de janeiro a julho, os débitos compensados somaram R$ 130,302 bilhões, uma redução em relação ao mesmo período do ano passado, quando o número somou R$ 137,919 bilhões. Essa queda é puxada especialmente pelo recuo nas compensações feitas a partir de decisões judiciais, que é onde o governo aplicou limitações. No caso desse tipo de crédito, a compensação no acumulado do ano caiu 47,7%, de R$ 51,742 bilhões para R$ 27,068 bilhões nos primeiros sete meses de 2024.

Já o projeto de lei aprovado no ano passado pelo Congresso que estabelece a taxação de apostas esportivas ainda se encontra em processo de regulamentação no Poder Executivo. A estimativa de arrecadação das receitas foi projetada em R$ 728 milhões neste ano.

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