BRASÍLIA - A Justiça Federal do Distrito Federal (TRF1) atendeu a um pedido do governo federal e voltou atrás na suspensão de três medidas adotadas pelo Ministério da Fazenda sobre a regulação do mercado de bets.
Segundo a Advocacia Geral da União (AGU), a decisão deste sábado volta a proibir que casas de apostas autorizadas pelo Estado do Rio de Janeiro possam operar nacionalmente. Já a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) contesta essa interpretação e diz que a liminar terá efeito nulo.
Na última terça-feira, o mesmo TRF havia concedido decisão liminar (provisória) autorizando que 11 bets cadastradas pela Loterj, no Rio de Janeiro, possam atuar nacionalmente, e não apenas circunscritas no Estado. Quatro delas, contudo, foram autorizadas pela Fazenda, então sete foram liberadas pela decisão. Agora, segundo a AGU, o mesmo tribunal reviu a medida, também de forma provisória.
“AGU obtém no TRF1 decisão que mantém proibição de funcionamento de casas de apostas credenciadas no Rio de Janeiro”, disse o órgão em nota. ”Para AGU, permitir que um estado possa autorizar operadores a explorar o serviço em todo o território nacional poderia levar à competição entre os demais entes federativos, levando à deterioração dos requisitos mínimos para segurança cibernética, jogo responsável, higidez financeira dos operadores e combate à lavagem de dinheiro”, completou.
Já a Loterj, também por meio de nota, afirmou que a decisão e, nada altera as operações das suas credenciadas: “A Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) informa que a recente decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) em nada altera suas operações ou as de suas credenciadas”, disse.
Em conversa com o Estadão, o presidente da Loterj, Hazenclever Lopes Cançado, reforçou esse entendimento. “A decisão do TRF1 deste sábado não altera em nada. Há um erro muito grande nesta lista positiva do Ministério da Fazenda. Nenhuma dessas bets pagou sequer as outorgas, só as do Rio. As bets autorizadas pelo Rio vão poder continuar operando nacionalmente”.
Decisão pode afetar sete bets
As sete bets que poderão ser proibidas de atuar nacionalmente são BestBet, LotoLegal, Pixhora, Caesars, BetVip, GanhaBet e Vai de Bet.
A Vai de Bet pertence ao empresário José André da Rocha Neto, que assinou o contrato de credenciamento da casa de apostas na Loterj quando já era alvo de mandado de prisão no âmbito da operação Integration, da Polícia Civil de Pernambuco, deflagrada em 4 de setembro. A empresa recebeu autorização da Loterj para atuar no setor de apostas esportivas.
A empresa foi investigada por lavagem de dinheiro e jogo ilegal, na operação que resultou na prisão da influenciadora e advogada Deolane Bezerra - solta há poucos dias - e no indiciamento do sertanejo Gusttavo Lima. O cantor chegou a ter a prisão preventiva decretada e depois revogada pela Justiça de Pernambuco. O artista também é suspeito de ter ajudado outros alvos da polícia a escaparem da Justiça durante viagem à Grécia, após a operação ser deflagrada.
Ele diz não ser sócio da Vai de Bet, uma das possibilidades levantadas pela Justiça. O cantor afirma que o contrato assinado por ele garante apenas que, caso a marca Vai de Bet seja vendida futuramente, ele receberia 25% do valor negociado. Assim, não constaria no quadro societário como sócio nem teria participação nas decisões da empresa.
Por ter ficado fora da lista de bets autorizadas pelo Ministério da Fazenda, divulgada na terça-feira,1, o site da Vai de Bet estaria na ilegalidade e seria removido até o próximo dia 11. A licença da Loterj, porém, indeferiu o futuro da marca, que já patrocinou grandes clubes de futebol, como o Corinthians.
A Loterj regula o setor de bets no estado do Rio desde abril de 2023, amparado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na decisão deste sábado, o presidente do TRF1, desembargador José Batista Moreira, reconhece esse direito, mas diz que isso não “dispensa o controle federal da atividade”, já que há “risco para a ordem pública”.
“Ainda que concebida como serviço público de competência estadual, não se dispensa o controle federal da atividade, sem o qual há, efetivamente, risco para a ordem pública. No mínimo, a questão deve ser mais bem debatida. Por isso, defiro o pedido de suspensão até que seja julgado o agravo de instrumento”, decidiu.
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Entenda o caso
Como mostrou o Estadão em abril, já havia uma disputa entre o governo do Estado e a pasta comandada por Fernando Haddad sobre a área de atuação dessas empresas.
O pano de fundo da disputa é o crescimento vertiginoso desse mercado bilionário, que passará a ser tributado a partir deste ano, gerando receitas aos Fiscos federal e estaduais.
Trata-se, portanto, de um setor de interesse dos governadores, envoltos em uma nova reestruturação da dívida, e também da União, que tenta se aproximar da meta de déficit zero nas contas públicas.
Nesse contexto, o embate entre Fazenda e Loterj diz respeito ao alcance das loterias estaduais – viabilizadas pelo STF, em decisão de 2020, que quebrou o monopólio da União.
A Fazenda, contudo, quer que seja respeitado o princípio da territorialidade, ou seja, que a operação fique restrita aos apostadores localizados no Estado – como determina a lei aprovada pelo Congresso no fim do ano passado. Para isso, seria necessário que as plataformas fizessem uso de serviços de geolocalização, que processam informações em tempo real.
A Loterj, porém, rebate os argumentos da Fazenda. A autarquia alega que essa mesma lei preservou os termos das concessões estaduais – isso para aquelas realizadas antes da edição da Medida Provisória (MP) que conferiu as diretrizes da atividade no âmbito nacional. A MP de autoria do governo foi publicada em julho de 2023, enquanto que o edital da loteria do Rio data de abril do mesmo ano.
*Colaborou Ivo Ribeiro
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