O governo federal não enxergou a dimensão do Pix na vida dos brasileiros. Os dados para evitar a crise dos últimos dias estavam à disposição e foram relegados por uma visão burocrática da relação de comunicação do Estado com os contribuintes. Essa nova derrota do governo para a oposição, especialmente a partir da ação do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) no Instagram, deixa um aprendizado para movimentos futuros.
O presidente Lula e sua equipe precisam ter uma estratégia consistente de comunicação, capaz de se inserir nas dinâmicas de informação desse novo mundo. Até aqui, o governo vem apenas olhando no retrovisor por acreditar que nada mudou desde 2002, quando Lula ganhou o seu primeiro mandato. A informação envelhece. Os dados são perenes.
Naquele ano, o Brasil tinha 9,1% da população conectada à internet. Hoje, essa taxa já alcança 85%. Naquela época, a base de telefonia celular atingia 29 milhões de pessoas. Atualmente, há 263 milhões de aparelhos, uma densidade de 121 celulares para cada 100 habitantes. Somente na cidade de São Paulo, há 26 milhões de celulares.
Os brasileiros fazem 16 bilhões de visitas a sites de diversas categorias. No WhatsApp, há 123 milhões de usuários ativos por dia e 83 milhões no Instagram. No caso do Pix, por exemplo, as pessoas que fazem consultas no Google sobre o tema (60 milhões de buscas nos últimos 12 meses) estão mais interessadas do que em cartão de crédito (27,6 milhões), CDI (20,4 milhões), Selic (18 milhões), taxa de juros (5,4 milhões) e cheque (1 milhão).
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Com tantos dados acessíveis em qualquer ponto da internet, fica difícil entender por que o governo não percebeu o óbvio ululante, como sistematizou o jornalista Nelson Rodrigues.
Um sistema de acompanhamento organizado dos fluxos de informação digital que definem a opinião pública brasileira ajudaria na antecipação das crises e mesmo no enfrentamento com parlamentares e influenciadores de oposição. Pensar apenas de maneira analógica é uma visão pífia sobre o que é boa comunicação no século 21.
Ao enveredar por esse caminho, o governo federal alcançou seu momento de “catch-22″. É aquela situação impossível na qual não há solução por mais que você tente encontrá-la. O conceito, originário do romance de ficção homônimo escrito por Joseph Heller em 1961, retrata os estratagemas de pilotos da Segunda Guerra Mundial para escapar de missões perigosas e que, para tanto, alegavam loucura, mas se estavam lúcidos para fazer essa análise, não eram loucos como diziam e precisavam ir ao combate.
O governo não sabia o que estava fazendo ao tentar ajustar a realidade do Pix e, quando o caos se instaurou, o Ministério da Fazenda e a Receita Federal transformaram Nikolas Ferreira no herói do dia.
Analisando os dados das últimas 24 horas já é possível identificar o próximo movimento da oposição. Eles caminham para criar resistência sobre o Drex, a moeda digital que deve entrar em operação ainda este ano. Com essa informação em mãos, o governo pode ter tempo para preparar suas tropas para o combate em todas as trincheiras digitais. Dados não faltarão para decisões futuras.