O Brasil está a meio caminho de ter seu mercado de carbono nacional. O plenário do Senado aprovou em outubro o Projeto de Lei que estabelece as bases para o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Se o texto também for aprovado pela Câmara dos Deputados, o País vai impor um teto para empresas emitirem até 25 mil toneladas de CO 2 por ano. Para emitir acima do limite será necessário comprar cotas de quem emite menos ou obter certificados gerados por projetos que removam carbono da atmosfera.
Será um sistema do tipo “cap and trade”, termo que ,traduzido do inglês, significa algo como “limite e negocie”. Informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) indica que mercados do tipo movimentaram cerca de US$ 865 bilhões no ano passado. Outros US$ 2 bilhões circularam de modo voluntário. Estimativa da consultoria WayCarbon informa que, em 2030, o País pode faturar até US$ 120 bilhões vendendo créditos de carbono no mercado internacional. Para chegar lá, contudo, será preciso que o mercado seja regulado.
Substitutivo
Embora tenha nascido de um projeto do Senado, a versão aprovada partiu de uma minuta preparada pelo MDIC no contexto de um grupo de trabalho interministerial. Enxertar a proposta em um PL que já estivesse tramitando foi um atalho. “O governo optou por apresentar seu projeto como substitutivo para superar etapas e tramitar mais rapidamente”, informou o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do MDIC, Rodrigo Rolemberg.
Segundo ele, com exceção da exclusão da produção agropecuária primária, o texto que saiu do Senado manteve intacta a espinha dorsal definida pelo MDIC. “As alterações foram mínimas e não chegaram a comprometer a integridade da proposta”, diz.
O projeto que está tramitando no Congresso Nacional é uma tendência do que vem acontecendo no mundo. O Emission Tade System (ETS), da União Europeia, existe desde 2005. Nas contas do diretor de operações da WayCarbon , Henrique Pereira, há mais de 30 mercados nacionais ou regionais em operação. “O projeto de lei do Brasil vem nesse bojo”, comenta.
O País já vem debatendo o assunto pelo menos desde 2016 quando foi implementada a versão nacional do Partnership for Market Readiness (PMR) do Banco Mundial. E, de acordo com Pereira, a aprovação do PL levará o Brasil para outro patamar.
“É uma discussão complexa porque lida com questões de investimentos, de limites de emissões setoriais, com efeitos distributivos, os impactos inflacionários. Não é simples pesar isso tudo. Foi muito interessante ver a curva de maturação.”
A advogada do escritório Lobo & de Rizzo, Amália Fabbri, comenta que deputados e senadores já buscavam uma solução há alguns anos. “Em 2021, tivemos o PL 528, que é bem estruturado e foi escrito a muitas mãos. Em 2022, foi publicado o Decreto 11.075, que dava bases para um mercado regulado de carbono. O governo atual se focou em um projeto mais abrangente”, avalia.
Atento a essas possíveis mudanças, o setor privado vem se antecipando. “Temos visto muitas empresas começando a estruturar projetos para redução de emissões. A percepção é que é só uma questão de tempo”, complementa.
Projetos bem estruturados e que cumpram os requisitos técnicos de proteção ambiental, como por exemplo a manutenção de florestas, podem até receber apoio financeiro do governo. “A criação de um mercado de carbono no país será um vetor importante de fomento ao desenvolvimento de bons projetos de manutenção e aumento da biodiversidade, proteção de recursos hídricos, dentre outros”, diz Rolemberg.
O que ainda precisa melhorar?
Há alguns pontos a serem aperfeiçoados sobre o funcionamento do mercado regulado proposto no PL 412/2022. Não há, por exemplo, clareza sobre quais serão os setores regulados. Também não há definido qual será o teto de emissões e nem que projetos de preservação serão admitidos para a geração de certificados de redução de emissões. Esses pontos serão definidos em até dois anos depois do SBCE ter sido promulgado em lei. “Como o mercado é muito dinâmico para que um projeto como esse pare em pé, ele não pode dar todos os detalhes”, justifica Amália Fabbri.
Segundo Amália, o foco do texto do PL é definir a estrutura de governança que fará o SBCE funcionar. No topo, está o Comitê Interministerial, que será o órgão decisor. Abaixo dele será criado um órgão gestor que cuidará do dia a dia. Haverá ainda um comitê técnico de caráter consultivo.
Essas três instâncias vão trabalhar juntas para elaborar os Planos Nacionais de Alocação nos quais serão fixados os limites de emissões para cada setor da economia. Como em outras iniciativas do tipo, a ideia é ir endurecendo as restrições ao longo do tempo.
Competitividade
O PL 412/2022 prevê a estruturação do mercado de carbono em quatro anos – um ano para regulamentação, um para que as empresas se adequem às novas obrigações e dois em que serão apresentados relatórios de emissões.
No decorrer desse período, é possível que o Brasil tenha que acelerar processos. Isso porque a União Europeia (UE),desde o ano passado, adotou o chamado Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM, na sigla em inglês) que vai tarifar produtos com base em sua intensidade de carbono.
Em 2022, as exportações brasileiras para o bloco beiraram US$ 51 bilhões. Ter um mercado de carbono operante, portanto, pode ser uma proteção. Especialmente porque a tendência é que surjam outras iniciativas nessa linha. “Em médio e longo prazos, iniciativas nos moldes do CBAM poderão ser adotadas por outros países. A implementação do SBCE é um importante instrumento para a competitividade das exportações do Brasil”, comenta o secretário do MDIC.
Segundo Henrique Pereira, a questão pode ir além da proteção contra barreiras comerciais e se tornar um diferencial positivo, pois a matriz energética limpa pode se tornar um atrativo para novos investimentos. “O carbono vai agregar uma nova camada de competitividade, o que pode ser uma grande oportunidade”, diz
Rodrigo Rolemberg lembra também que “os mercados de carbono não são um fim em si mesmo”. “Eles são um instrumento para atingirmos a meta de reduzir e emissões de GEE de forma custo-efetiva. Por isso, a integridade ambiental deve estar no foco da política pública”, encerra.
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