BRASÍLIA – De olho na ”pauta verde” e na crescente concorrência chinesa, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara medidas de estímulo à produção nacional de ônibus elétrico. As iniciativas vão contar com verbas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e terão exigências de conteúdo local – pré-requisito que voltou a ganhar força com a nova política industrial defendida pela gestão petista.
O objetivo é estimular a produção dentro do País, tendo como principal mercado os médios e grandes municípios que estejam em processo de renovação das frotas, segundo apurou a reportagem. Dos 107 mil ônibus que rodam hoje no Brasil, apenas 444 são elétricos, de acordo com dados da plataforma E-bus Radar, que monitora o transporte público na América Latina. Na região, ocupamos o terceiro lugar, bem atrás de Chile (2.043) e Colômbia (1.590).
O principal entrave à expansão desse tipo de veículo é o preço: um ônibus com essa tecnologia custa na faixa de R$ 2,5 milhões a R$ 3 milhões, ante R$ 700 mil a R$ 900 mil da versão a diesel. “Embora o investimento seja três vezes maior, e ainda tenha o gasto com subestação, isso é compensado pelo custo menor de manutenção e da energia elétrica (na comparação com o combustível)”, afirmou ao Estadão a diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa.
Segundo ela, esse aporte adicional tende a se pagar em um período de 10 a 15 anos. Já pela ótica ambiental, cada ônibus elétrico significa cerca de 100 toneladas de CO2 a menos na atmosfera por ano. Pelo Acordo de Paris, o Brasil terá de zerar a emissão líquida desses gases do efeito estufa até 2050 – ou seja, buscar o equilíbrio entre a emissão e a captura do carbono.
A cidade de São Paulo, que transporta 7,3 milhões de passageiros por dia útil e concentra a maior parte da frota de ônibus elétrico do País, foi a primeira a obter financiamento do BNDES com o objetivo de aumentar a eletromobilidade.
O banco aprovou, no fim de 2023, R$ 2,5 bilhões para a capital paulista com o custo da TLP (Taxa de Longo Prazo, ou seja sem subsídio), mas com pagamento mais alongado, durante 15 anos, mais um de carência. O montante vai bancar a compra de até 1,3 mil veículos, o equivalente a 10% da frota paulistana.
Os veículos só poderão ser adquiridos das quatro montadoras que têm produção local e são certificadas pelo BNDES: Eletra (empresa que nasceu no ABC Paulista), Mercedes-Benz (alemã), BYD (principal fabricante chinesa de veículos elétricos, que ultrapassou a Tesla nas vendas mundiais) e Marcopolo (companhia que iniciou os negócios em Caxias do Sul, no RS).
Luciana admite que o número ainda restrito de empresas configura um gargalo: “Nós temos só quatro montadoras (de ônibus elétrico no País) e elas ainda estão começando. O início é um pouco mais lento; mas, depois, é uma curva exponencial. Nós gostaríamos de escalar rapidamente (a troca das frotas), mas depende da cadeia de suprimentos e da capacidade de produção”.
De acordo com o BNDES, essas montadoras têm apontado um potencial de produção de 4 mil veículos por ano, mas o número é considerado otimista e visto com cautela.
A expectativa do governo e da equipe econômica, segundo apurou a reportagem, é de que as indústrias automobilísticas já instaladas no País acelerem a conversão de suas plantas, atualmente focadas nos motores a combustão – bem como que haja um maior interesse de empresas estrangeiras, inclusive chinesas, de produzir esse tipo de veículo localmente.
Fundo Clima e aluguel de ônibus
Para dar escala a esses financiamentos, o BNDES aposta no Fundo Clima, que está no guarda-chuva do banco de fomento e tem cerca de R$ 10 bilhões em caixa. O dinheiro foi captado em novembro do ano passado, na primeira emissão brasileira de títulos soberanos verdes. Dentro do fundo, já há um subprograma de mobilidade urbana, mas ainda sem valor definido.
“É uma corrida contra o relógio. A expectativa é de que, no primeiro trimestre deste ano, já tenhamos os recursos disponíveis”, afirma Luciana. Segundo ela, as linhas abastecidas pelo Fundo Clima terão juros subsidiados, além de contarem com prazos mais longos do que a média do mercado.
Dentre as capitais, Curitiba também começou a estruturar um projeto de eletrificação de ônibus. A nova concessão será modelada pelo BNDES e terá a meta de renovar um terço da frota até 2030, chegando à totalidade em 2050, com o objetivo de zerar as emissões de CO2.
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O problema é que diversos municípios acabaram de realizar concessões e teriam de fazer um reequilíbrio nos contratos para prever ônibus elétrico. Já as cidades menores esbarram na falta de disponibilidade de recursos para bancar subvenções que complementem eventuais financiamentos do BNDES. Para esse último caso, o banco avalia criar um sistema de aluguel.
“Temos estudado a possibilidade de se criar uma empresa de aluguel de ônibus elétrico, mas tem algumas restrições, inclusive regulatórias”, diz Luciana. “A gente não sabe se o BNDES participaria dela ou não. Temos conversado com (o setor de) private equity (que envolve a compra de participação em companhias) e com empresas privadas”, afirma a diretora.
Segundo ela, o sistema já foi testado em outras partes do mundo, como a Colômbia – país que tem a segunda maior frota de ônibus elétrico da América Latina. “Teríamos de tropicalizar e criar o nosso próprio modelo”, diz Luciana, frisando que as conversas, nesse caso, ainda estão em estágio preliminar.
Verbas do PAC
Outro braço desses investimentos virá do chamado PAC Seleções – focado nos municípios –, que disponibilizará R$ 3 bilhões para a renovação das frotas nas prefeituras. O Ministério das Cidades já recebeu demandas para 2,9 mil ônibus elétricos e 2,7 mil movidos a diesel (modelo Euro 6, mais sustentável). Como o dinheiro não é suficiente para atender a todos os pedidos, será realizada uma seleção, que levará em conta, por exemplo, a idade dos veículos a serem substituídos.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as exigências de conteúdo local (ou seja, de uso de fornecedores que produzam internamente) serão definidas pela Comissão Interministerial de Inovações e Aquisições do PAC (Ciiapac). Os níveis de exigência, segundo a pasta, dependerão, dentre outros fatores, “da capacidade de produção e entrega desses fornecedores”.
O MDIC também se prepara para regulamentar o Programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação, o novo Rota 2030), que terá R$ 19 bilhões em créditos financeiros até 2028. O valor será destinado a empresas que fizerem investimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção tecnológica, com vistas à descarbonização da frota.
Segundo a pasta, “a expectativa é de que a produção de ônibus elétricos seja contemplada nas decisões de investimentos” do programa. A portaria regulamentando a medida provisória do Mover, que ainda tramita no Congresso, deve ser publicada nesta semana.
Procurada, a Fazenda não comentou o assunto.
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