BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha para viabilizar um pacote de crédito para os pequenos negócios. Serão três pilares: uma nova linha voltada a microempresas e MEIs (microempreededores individuais), com taxas de juros abaixo da média do mercado; renegociação de dívidas do Pronampe, o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte; e condições especiais para companhias capitaneadas por mulheres.
As propostas, segundo apurou o Estadão, serão tratadas em uma Medida Provisória (MP), que está em fase de ajustes. Os ministérios do Empreendedorismo, da Fazenda, do Desenvolvimento Social e do Trabalho estão capitaneando as discussões, que são vistas como prioritárias pelo presidente Lula em um momento de queda da popularidade.
As medidas fazem parte de um amplo conjunto de ações para impulsionar o crédito no País – o qual conta, ainda, com estímulos à criação de um mercado secundário de títulos imobiliários e de hedge (proteção) cambial, além de financiamentos aos beneficiários do Bolsa Família.
Mas são as iniciativas voltadas aos pequenos negócios as que têm o maior apelo popular. Em março de 2024, segundo dados do Ministério da Fazenda, 15,6 milhões de pessoas informaram trabalhar como MEIs.
A linha voltada aos empreendedores foi batizada, dentro do governo, de ProCred 360. Ela terá como foco os microempreendedores individuais (MEI) e as microempresas, aquelas que faturam até R$ 360 mil por ano, e está sendo tratada como “uma versão do Pronampe para os microempresários”.
A ideia é que as empresas tenham acesso a financiamento com juros abaixo dos praticados pelo mercado – parte do governo entende que as taxas possam ser a metade da cobrada hoje pelos bancos. Há, ainda, a previsão de que as empreendedoras mulheres tenham acesso a limites superiores ao oferecido a companhias lideradas por homens.
Para garantir essas taxas mais acessíveis, será necessário garantia do Tesouro Nacional, que deverá ser viabilizada por meio do Fundo de Garantia de Operações (FGO). É o mesmo fundo já usado para garantir as operações do Pronampe e do Desenrola, o programa de renegociação de dívidas lançado pelo governo com foco em pessoas físicas.
O dinheiro do FGO, segundo apurou a reportagem, também será usado para garantir as renegociações de dívidas do Pronampe, que tem escopo maior do que o imaginado para o ProCred, uma vez que atende empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões. Hoje, o programa oferece juros de 6% ao ano mais a taxa básica de juros (Selic).
O governo verificou que a inadimplência segue elevada no programa: gira em torno de 8%, enquanto o observado nas pessoas jurídicas com recursos livres, segundo o Banco Central, é de 3,4%. Isso porque são empresas que foram muito penalizadas pela pandemia e que ainda não recuperaram a saúde financeira. Por isso, o intuito é focar na renegociação.
Desde que o programa foi criado, em 2020, na pandemia, não havia essa possibilidade, o que será autorizado agora com a edição da MP. Ou seja, as empresas, a partir dessa atualização legal, poderiam usar esse dinheiro para quitar dívidas variadas, inclusive com fornecedores.
“Tem muita gente inadimplente que não consegue renegociar suas dívidas; é um defeito do Pronampe que precisa ser corrigido pelo atual governo”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quarta-feira, 27, em entrevista à Rádio Itatiaia.
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Desenrola PJ
Interlocutores a par das conversas afirmam que a renegociação do Pronampe será uma espécie de Desenrola Pessoa Jurídica (PJ), mas com uma estrutura bem mais simplificada, já que o Palácio do Planalto tem pressa para lançar a medida.
Em vez de unir credores e devedores em uma mesma plataforma, como ocorre com o Desenrola Pessoa Física, a ideia é construir um modelo de renegociação usando a estrutura já existente do programa.
O Ministério da Fazenda foi alertado, porém, que as instituições financeiras não concordam em ser obrigadas a comprovar que os clientes usaram o dinheiro para liquidar as dívidas. Isso, segundo interlocutores, elevaria os custos e poderia demandar um tempo mais longo de operacionalização.
Dessa maneira, o próprio empresário teria de se comprometer, em contrato, a usar os recursos obtidos para quitar os débitos inscritos em birôs, como Serasa e SPC. Excluindo essa exigência, o lançamento do programa poderia ser acelerado, como deseja o governo.
Caso essa opção avance, a expectativa é de que o sistema ganhe tração rapidamente, uma vez que as operações do Pronampe são bastante fluídas. Após o crédito ser aprovado, o financiamento costuma ser liberado em cerca de um minuto. Nos primeiros dias de funcionamento do Pronampe, por exemplo, as instituições financeiras chegaram a registrar cerca de um milhão de operações em um único dia.
Garantia do Tesouro
A dúvida que fica é se o dinheiro disponível no FGO será suficiente para cobrir todas essas novas ações de crédito. Integrantes da equipe econômica afirmam que há sobra de recursos no fundo, devido à utilização abaixo do previsto pelo Desenrola PF. Isso porque o programa, em algumas faixas, teve demanda abaixo do esperado.
Além disso, a Fazenda projetava que haveria um porcentual altíssimo de refinanciamentos das dívidas já renegociadas. No entanto, como os descontos nos saldos devedores foram elevados, muitas pessoas quitaram os valores à vista, sem recorrer a novos empréstimos. Logo, não houve necessidade de usar o FGO.
A renegociação dos débitos do Pronampe, porém, vai envolver empresas sem liquidez ou que já estão negativadas. O risco, portanto, será mais elevado - o que deve gerar pressão por uma maior cobertura do Tesouro ou maiores taxas de juros.
Será o nível de cobertura dado pelo governo, nas garantias, que determinará a participação dos bancos privados, tanto na renegociação do Pronampe como nos empréstimos a beneficiários do Bolsa Família, que também contarão com o aval do FGO.
Nos bastidores, a equipe econômica vem destacando que não haverá dinheiro novo no fundo e que será necessário acomodar todos esses produtos dentro da cifra já disponível.
Lançamento em abril
As equipes técnicas trabalham para que o pacote de crédito a pequenos empreendedores seja lançado pelo presidente Lula após a Páscoa.
Nesta quarta-feira, Haddad confirmou que a MP deve sair na semana que vem, com as medidas para os pequenos negócios e também com uma autorização para a securitização de dívidas imobiliárias, que estão na carteira dos bancos, e com detalhes para a proteção cambial para investidores de longo prazo. Ele citou também a criação da linha específica aos beneficiários do Bolsa Família.
“Temos que pensar o sistema de crédito de A a Z, desde a pessoa que está numa situação de vulnerabilidade, que precisa de microcrédito para se emancipar, passando por um empresário que teve dificuldades na pandemia e não está conseguindo renegociar suas dívidas no Pronampe, até o banco que está com a carteira com títulos imobiliários que ele quer vender para abrir espaço no seu balanço para novos financiamentos e não consegue fazer por regras burocráticas”, afirmou Haddad, na entrevista à Rádio Itatiaia.
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