A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, vê um início de 2025 complicado, com dúvidas no mercado sobre a disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de perseguir pelo menos uma regra fiscal até o final do mandato, após a aprovação do pacote de contenção de despesas ao fim do ano passado. “O fundamento continua a ser um País que não tem regra fiscal”, diz.
Ela afirma que haverá uma desaceleração importante da economia, excetuando o setor agrícola, e uma alta de inflação significativa já no começo deste ano, o que, teoricamente, deve influenciar também a popularidade do governo. “E o mercado questiona muito neste momento o que vai ser feito. Uma inversão total da política econômica, que deveria ter sido feita em novembro? Ou vai ser mais uma tentativa de segurar a economia, vai tentar segurar a inflação? Sabemos que isso nunca deu certo.”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Qual sua avaliação do cenário após o pacote fiscal do governo?
Mesmo que o pacote não fosse desidratado, já seria insuficiente para dar segurança ao arcabouço fiscal sem modificações em 2026. Houve uma desidratação importante. A meta de resultado primário não é factível porque depende de arrecadação na qual não acreditamos. O fundamento continua a ser um País que não tem regra fiscal.
Como fica a situação da equipe econômica?
A equipe econômica estava disposta a fazer algo mais estrutural, não só o Ministério da Fazenda, mas também o Planejamento, com ideias que poderiam construir uma ponte para 2026. Obviamente, a equipe fica mais enfraquecida. O mercado quer ver do presidente Lula a disposição de perseguir pelo menos uma regra fiscal até o final do mandato.
Podem vir novas medidas?
Se vierem, serão tão fracas quanto as que já vieram. O próprio BPC (Benefício de Prestação Continuada, um benefício pago a portadores de deficiência e idosos de baixa renda) mostrou que é muito difícil mexer em benefício social, ainda mais na segunda metade de um governo. A mudança no reajuste do salário mínimo foi uma vitória, mas traz muito pouca segurança de cumprimento de teto em dois anos. A sinalização é de dificuldades.
Em dezembro, o Banco Central acelerou a Selic, mas o mercado piorou...
O Banco Central praticamente elevou os juros em 300 pontos-base (três pontos porcentuais) em uma reunião só, de dezembro, mas o mercado ficou cético de que, mesmo com uma comunicação muito dura e uma alta de taxa de juros importante, o BC seria bem-sucedido. O problema é o fiscal, não é o Copom, que explicou claramente que o pacote fiscal foi recebido com ceticismo pelo mercado, o que influenciou o prêmio de risco e atrapalha a trajetória da inflação. Obviamente, não é só isso o problema do BC.
E o que mais é?
O BC precisa desacelerar a economia porque o fiscal atrapalha as expectativas e o câmbio, mas também outro canal, o do crédito. A economia está crescendo muito acima do potencial. O resultado do Copom mostrou que o mercado coloca em dúvida se o BC, apesar de ter instrumentos, vai conseguir levar a inflação à meta.
A orientação do Copom de mais duas altas da Selic em janeiro e março dá a ideia de continuidade no BC agora sob direção de Gabriel Galípolo?
O forward guidance (definição dos passos futuros) foi conveniente. A pressão política é grande, pode diminuir em alguns momentos, aumentar em outros, mas é presente e significativa. O BC ganha algum tempo sem pressão porque avisou que será duro nas próximas duas reuniões. Ajudou a diminuir a tensão Galípolo ter afirmado que o BC não vê ataque especulativo (ao real) e chamar a reunião para responsabilidade dele. Se é suficiente, dependerá da política fiscal.
A Selic vai além de 14,25% ao ano?
14,25% é o contratado pelo Banco Central. O mercado vai precificando entre 16,5% e 17%. Se o BC realmente estiver mirando a meta de inflação de 3% no horizonte relevante, vai depender muito de onde o câmbio e as expectativas de inflação vão estabilizar. Muitos no mercado dizem que uma hora o Banco Central vai precisar parar de elevar os juros, mas não consigo comprar esse argumento. Só consegue parar quando, no horizonte de projeção dele, há algum momento em que o câmbio e as expectativas estabilizam. O mercado está vendo um ambiente que talvez tenha ficado um pouco menos tenso por causa de intervenções do BC no câmbio, mas que continuará. Acho que o Banco Central vai acabar indo mais longe do que o forward guidance de hoje, se eu estiver certa na minha hipótese de que não vai vir uma bala de prata no fiscal.
Diante disso, qual a perspectiva para a economia?
A economia vai sofrer, porque a alta de juros que ocorreu, ainda que um pouquinho amenizada nos últimos dias, é brutal e vai afetar o crédito. Um salto na taxa de juros pega empresas e consumidores de surpresa. O grau de repasse para a economia acaba sendo mais rápido. O mercado só não prevê essa desaceleração logo no início deste ano porque a safra deve ser muito boa. Neste momento, a fragilidade fiscal fica ainda mais exposta. Se já falamos de não gerar superávit primário, de dívida subindo aceleradamente, com uma economia forte, quando vira, as preocupações ficam maiores.
Preocupações com respostas do governo?
O mercado tem dúvida se, na hora que a economia desacelerar, até mesmo o estímulo fiscal, não só o parafiscal, pode ser acionado de novo. A tendência é piorar, já que de fato nada estrutural mudou e a economia vai sentir. Quando a economia sente, as trajetórias fiscais ficam muito piores. Se formos revisar, com base no crescimento mais baixo de 2025, a trajetória para 2026, 2027, 2028 estará pior.
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E o cenário de inflação, com câmbio mais pressionado?
Não precisa de um câmbio a R$ 6,30 para ser péssimo. No primeiro trimestre, haverá uma surpresa muito forte com a inflação, porque as empresas recompõem seus estoques, exauridos ao final do ano, com a taxa de câmbio mais alta. O cenário de 2025 é bem ruim, como mostram as inflações implícitas no mercado. No início deste ano, haverá uma desaceleração da economia ex-agro importante e uma alta de inflação significativa. Teoricamente, isso começa a afetar a popularidade do governo. E o mercado questiona muito neste momento o que vai ser feito. Uma inversão total da política econômica, que deveria ter sido feita em novembro? Ou vai ser mais uma tentativa de segurar a economia, vai tentar segurar a inflação? Sabemos que isso nunca deu certo.
Soma-se a isso o cenário externo...
Adverso. Haverá uma volatilidade inerente a um novo governo nos Estados Unidos, que está prometendo muita coisa diferente na política econômica, em tarifas, imigração, desregulamentação, fiscal... Não há como estimar o quanto vai ser implementado. O Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) está bastante preocupado com a desinflação mais gradual. O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que o cenário inflacionário adverso tem feito o BC americano prever menos cortes de juros. Há um risco inflacionário importante, por Donald Trump e pela economia, bastante aquecida, com consequências para o Brasil. As condições globais aumentam a urgência de colocar o cenário fiscal do País na trajetória positiva.
No pior momento ao final de 2024, o Tesouro e o BC fizeram intervenções com recompra de títulos e venda de dólares para acalmar o mercado. Devem continuar?
O Banco Central não tem como perder reservas nesse ritmo (das intervenções com venda de dólar à vista ao final de 2024), porque cada vez fica mais evidente que o nível de reservas ficará desconfortável. O Tesouro também não terá como intervir agressivamente por muito tempo porque o colchão de liquidez vai diminuindo, e isso não diminui prêmio de risco, ao contrário, aumenta. A bola está com o presidente Lula mesmo. É por isso que o mercado fica de olho em quem comanda o governo, hoje personificado na figura do presidente, disposto a inverter esse ciclo de perda de confiança que vivemos.
Uma crise de confiança...
Uma crise de confiança na direção da política econômica como um todo. Ainda que o BC esteja tentando se proteger e fazendo o correto, não consegue ter sua reputação inabalada sem contribuição do fiscal, porque essa questão mina a funcionalidade da política monetária. Não tenho dúvida de que estamos numa crise de confiança severa, afetando todo o tripé macroeconômico, mas que começa pelo fiscal.
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