A revisão das tarifas cobradas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) pode passar a ser anual ― e não a cada quatro anos, como é o modelo em vigor ― após a privatização da companhia. É o que o governo de São Paulo defenderá durante o processo de audiências e consulta pública sobre o novo contrato que a empresa terá que assinar com os municípios atendidos. A nova proposta também abarca a ideia de reduzir a tarifa caso a empresa, uma vez privatizada, frustre as metas e investimentos previstos para cada município.
As mudanças são defendidas pela secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, Natália Resende. Em entrevista ao Estadão, ela adianta alguns pontos que serão debatidos na fase de escrutínio do novo contrato da empresa com o bloco regional de municípios atendidos pela companhia e defende mecanismos regulatórios baseados em incentivos.
O contrato deve ser divulgado pelo governo ainda nesta semana, para que seja aberta a fase de consulta pública, uma das etapas que deve acontecer antes da oferta de ações na Bolsa.
Promessa de campanha eleitoral do então candidato e hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a privatização da companhia de saneamento paulista é considerada a menina dos olhos do atual chefe do Palácio dos Bandeirantes, que diz que isso irá transformar a Sabesp em uma multinacional de saneamento.
Atualmente, o governo paulista detém 50,3% das ações da empresa e a intenção, com a privatização, é reduzir a participação estatal a algo entre 15% e 30%. Em dezembro, por maioria, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) autorizou o governo paulista a seguir em frente com os planos de privatização.
Segundo a secretária do Estado de São Paulo, a ideia, no primeiro caso, foi incorporar uma experiência do Chile que prevê que o investimento no serviço só seja incorporado no cálculo da tarifa depois de realizado. “Lá, você faz o investimento, depois coloca (o valor) na tarifa. Aqui em São Paulo, temos hoje uma lógica de que a Sabesp olha os próximos quatro anos, vê os investimentos necessários e já computa isso na tarifa. Qual é a lógica que vamos discutir também em consulta pública? A mesma lógica do Chile: primeiro faz o investimento e depois coloca na tarifa”, afirma.
A certificação, segundo ela, será anual, e a sistemática para a verificação dos investimentos estará prevista nos documentos que serão apresentados nos próximos dias.
“Da perspectiva do Estado, da melhoria regulatória, isso é muito positivo, porque a gente garante um alinhamento melhor para que você faça o investimento. E também da perspectiva da população, de ter cobrado aquilo que de fato já foi realizado”, afirma a secretária. “Então, temos a garantia, por parte do Estado e do usuário, de que de fato vai ser cobrado aquilo que foi feito, e que o investidor vai receber por aquilo que foi feito, com uma periodicidade anual.”
As tarifas são fixadas pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e levam em conta, por exemplo, a cobertura de custos operacionais e dos encargos e tributos da companhia. A revisão tarifária não se confunde com o reajuste ― este, sim, anual ― que consiste na atualização do valor pela inflação do ano anterior.
Pela proposta atual do governo, um certificador independente irá verificar o cumprimento do investimento e auxiliar a Arsesp na fixação da tarifa futura. A Arsesp é uma interveniente no contrato e deve assiná-lo também.
Outro ponto defendido pelo governo paulista no contrato da Sabesp é a possibilidade de diminuir o valor da tarifa caso a empresa não cumpra as metas estabelecidas e o cronograma de investimentos.
“Tem um sistema de gradação de penalidades bem definido: advertência, multa. Descumprir o contrato gera sanção. Além disso, estamos fazendo um alinhamento financeiro de regulação para que, quando não se cumprir a meta, haja um decréscimo no valor da tarifa. Porque aí você também gera um comportamento de que eu tenho que fazer (investimento) para não levar uma penalidade financeira”, diz Natália Resende. “É uma regulação por incentivo”, afirma.
Tarifa sobe ou desce?
Uma das principais críticas feitas pela oposição à privatização da Sabesp é quanto à possibilidade de aumento na conta do consumidor. O governo promete que, logo após a privatização, haverá uma diminuição na tarifa e, depois, ela irá subir, mas menos do que se a companhia não saísse das mãos do Estado. “Quando assinarmos o contrato, vai ter uma redução na conta”, afirma a secretária de Infraestrutura.
“O que sempre explicamos é que a curva da tarifa não é decrescente. Até porque vamos fazer muito investimento. A nossa preocupação é ver como seria a tarifa estatal (caso a empresa não fosse privatizada) ― e ela vai aumentar naturalmente. Então, o que colocamos lá? Que a nova tarifa (com a privatização) sempre vai ter que estar abaixo disso (da tarifa caso a companhia continuasse sendo uma estatal)”, diz Resende.
Ela também afirma que isso será feito através do Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (chamado Fausp), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, que receberá 30% do valor líquido obtido com a venda de ações e também os dividendos do Estado, que continuarão na empresa.
Asfalto
O governo também incluiu no contrato um ponto sobre o tempo de reposição e a qualidade do asfalto usado em obras de manutenção da empresa, que têm afetado as vias das cidades. “Estamos colocando um ponto que foi muito pedido pelos prefeitos, que é um gargalo hoje: a questão do asfalto”, afirma Natália Resende.
Segundo cálculos obtidos pelo portal Metrópoles, a prefeitura de São Paulo aplicou de janeiro de 2022 a outubro de 2023, R$ 196 milhões em multas à Sabesp em razão de buracos de rua deixados pela empresa nas vias da cidade durante obras de manutenção das redes de água e esgoto.
Próximos passos
Na consulta, documentos com todos os anexos do contrato são disponibilizados e audiências públicas são realizadas. As contribuições são analisadas. “Estamos seguindo nosso cronograma já estabelecido”, afirma a secretária. O governo tem trabalhado com a perspectiva de fazer a a oferta de ações da empresa, na Bolsa, até julho.
O modelo da privatização, se aprovado, será o de oferta subsequente de ações, chamado de “follow on” — uma vez que a empresa já tem ações negociadas na Bolsa. Na entrevista ao Estadão, a secretária Natália Resende evitou citar datas. Segundo ela, essa é uma exigência devido ao fato de a empresa ter o dever de divulgar fato relevante (comunicado) ao mercado em caso de anúncios oficiais.
Na capital paulista, o debate sobre a privatização da Sabesp ainda deve ser discutido na a Câmara Municipal de São Paulo. A situação é a mais emblemática, uma vez que a cidade representa uma fatia importante do faturamento da empresa.
Isso porque, em parte dos contratos da Sabesp com os municípios atendidos pela companhia está previsto o rompimento e a necessidade de renegociação em caso de transferência do controle acionário da empresa para o setor privado.
É a situação do contrato com a cidade de São Paulo, que representa mais de 40% do faturamento da empresa. A lei municipal 14.934, de 2009, que autoriza a Prefeitura de São Paulo a celebrar convênios com o Estado de São Paulo, a Arsesp e a Sabesp, prevê o fim do contrato em caso de privatização. Cabe à Câmara Municipal, neste caso, a aprovação de uma nova lei sobre o assunto.
Um movimento do prefeito Ricardo Nunes, no entanto, fez com que o governo paulista tentasse evitar o debate na Câmara Municipal de São Paulo. Em agosto do ano passado, a Prefeitura de São Paulo aderiu a uma das unidades regionais de abastecimento de água e esgoto (Urae) criadas pelo governo do Estado, na gestão João Doria, para se adequar ao Marco do Saneamento e regionalizar os serviços.
A adesão foi lida como um passo favorável à privatização, pois um decreto do governador Tarcísio permite que a renegociação dos contratos pelo governo do Estado possa ser feita em bloco, com as Urae, e não cidade a cidade.
Os vereadores da Câmara, no entanto, não abriram mão do debate político, e o governo de São Paulo agora trabalha junto ao Legislativo municipal para aprovar o texto. “Tendo o município o entendimento que deve passar pela Câmara, a gente apoia”, afirma a secretária.
Comparação internacional
A secretária afirma que o modelo do contrato da Sabesp já está olhando para o que foi feito nos outros lugares, para evitar erros e repetir acertos de outros países. Ela argumenta que a privatização se justifica, ainda que outras cidades tenham optado por um caminho diferente ao remunicipalizar os serviços de saneamento e água recentemente.
“Escuto falarem que na França deu errado, mas não é necessariamente na França (inteira). Em Paris, teve um caso que teve problema. Há uma média de 700 contratos firmados com a iniciativa privada, na França, todos os anos, segundo ela. A secretária afirma ainda que, em 144 municípios franceses, os serviços de saneamento e abastecimento de água são prestados por operadores privados”, argumenta a secretária.
“A concessão em Paris começou na década de 80. Era um momento conturbado. E teve um um descolamento da tarifa em relação a uma cesta de preços que eles usaram para fazer a inflação deles”, diz Natália Resende.
Em São Paulo, segundo ela, o problema não vai acontecer pois o indexador é “bem realista”, diz a secretária. “Um ano antes de acabar a concessão (em Paris), teve a municipalização que o pessoal fala e aí teve um congelamento de tarifa. Qual foi a consequência disso hoje que a gente observa? A infraestrutura de Paris vai demorar mais de 500 anos para ser renovada”, argumenta.
Ela também sustenta que a perda de água em Paris, na época da concessão, caiu de 24% para 4% em razão dos investimentos realizados. “Já hoje (com a remunicipalização) observamos em Paris uma das maiores perdas de água do mundo. Então, houve um decréscimo em relação à prestação do serviço”, diz.
Segundo ela, haverá diferenças também em relação ao indexador da tarifa. Ela cita, por exemplo, que em Buenos Aires a tarifa é vinculada ao dólar. “A gente não vai fazer isso”, afirma. O contrato da Sabesp se preocupa em fazer um indexador alinhado com incentivos ao plano de investimentos, diz. “Estamos colocando metas e estamos botando o indicador. Estamos, município por município, colocando os investimentos obrigatórios no cronograma de execução referencial.”
Ela cita a experiência pública de Washington, capital dos Estados Unidos, e diz que a necessidade de aumento de investimentos, mesmo sem concessão para iniciativa privada, gerou aumento de 12% nas tarifas.
O contexto europeu, segundo ela, também é diferente do brasileiro. “Lá, na década de 70 e 80, eles fizeram, em muitos países, o que estamos fazendo hoje para alcançar a universalização. Aqui, hoje, temos uma necessidade muito grande de investimento. Estamos falando de R$ 66 bilhões até 2029, com uma preocupação com a questão da tarifa”, afirma.
Agenda de privatizações
Além da Sabesp, a secretária afirma que o governo trabalha na privatização da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), que deve sair antes da desestatização da Sabesp.
Segundo ela, o governo também tem se concentrado em parcerias público-privadas em mobilidade e estuda como entrar no mercado voluntário de crédito de carbono ao trabalhar para cumprir a meta de restauração de 7.500 hectares até 2026.
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