IR: governo passará a taxar investimentos no exterior para compensar ampliação da faixa de isenção

MP publicada no domingo também abriu possibilidade de atualizar valor de bens e ativos no exterior com pagamento de aliquota de imposto menor

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Lorenna Rodrigues
Foto do author Karla Spotorno
Atualização:

BRASÍLIA - Para compensar o que deixará de arrecadar com o aumento da isenção do Imposto de Renda para dois salários mínimos, o governo passará a tributar o rendimento de pessoas físicas residentes no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts (estruturas criadas para gestão de patrimônio) no exterior. Esses investimentos muitas vezes são feitos em paraísos fiscais, livres de impostos.

Além disso, abriu um programa para permitir que os brasileiros atualizem ativos no exterior com a vantagem de pagar uma alíquota menor sobre ganho de capital.

PUBLICIDADE

A mudança foi incluída na MP 1.171, publicada na noite deste domingo, 30, que corrige a tabela do Imposto de Renda. A partir de janeiro de 2024, os rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil serão tributados em 15% e, acima desse patamar, em 22,5%. Rendimentos até R$ 6 mil estão isentos.

Segundo o Ministério da Fazenda, o Brasil passa a adotar regra já utilizada pela maioria dos países desenvolvidos, como Alemanha (desde 1972), Canadá (1975), Japão (1978), França (1980), Reino Unido (1984), China (2008), entre outros.

Em relação à regularização de ativos, a pessoa física residente no País poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na declaração anual de ajuste para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022. O contribuinte terá de pagar o tributo referente à diferença para o custo de aquisição com alíquota definitiva de 10%. O tributo deverá ser pago até 30 de novembro.

Publicidade

Lula anunciou isenção para faixa maior de renda em pronunciamento oficial na TV Foto: REUTERS/Juan Medina

De acordo com o Ministério da Fazenda, as medidas têm potencial de arrecadação da ordem de R$ 3,25 bilhões para o ano de 2023, R$ 3,59 bilhões para o ano de 2024 e de R$ 6,75 bilhões para o ano de 2025.

Em relação à atualização dos valores da faixa de isenção da tabela mensal do IRPF, o governo estimou uma redução de receitas em 2023 da ordem de R$ 3,20 bilhões (referente a 7 meses), em 2024 de R$ 5,88 bilhões e em 2025 de R$ 6,27 bilhões.

Alterações no Imposto de Renda

A medida provisória publicada no domingo trouxe a alteração da tabela do Imposto de Renda para a Pessoa Física (IRPF), conforme anunciado em pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em cadeia de rádio e TV. Na MP foi feita a alteração dos valores da base de cálculo e criado o “desconto simplificado mensal, correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor máximo da faixa com alíquota zero da tabela progressiva mensal”.

Segundo a nova tabela do IR, fica isento quem recebe até R$ 2.112 por mês. A segunda faixa, sobre a qual incide a alíquota de 7,5%, também foi alterada, passando para o intervalo de R$ 2.112,01 até R$ 2.826,65. Considerando o valor máximo da faixa de isenção da tabela nova, o desconto simplificado mensal fica em R$ 528. Na prática, ficam isentos do IRPF os trabalhadores que recebem até R$ 2.640 por mês.

Os novos valores passam a vigorar a partir do mês de maio do ano-calendário de 2023, segundo a MP. Até ontem, a faixa de isenção do IRPF ia até R$ 1.903,98 por mês, valor congelado desde 2015. O desconto simplificado mensal de R$ 528 será feito direto na fonte, ou seja, no imposto que é retido do empregado. Isso será feito, segundo a MP, “caso seja mais benéfico ao contribuinte, dispensadas a comprovação da despesa e a indicação de sua espécie”.

Publicidade

Pelos cálculos da Receita Federal, cerca de 40% dos contribuintes - ou 13,7 milhões de pessoas - deixarão de pagar IR já a partir deste mês. Não será preciso fazer nada para garantir a isenção. Até maio, os sistemas da Receita serão atualizados para permitir a concessão automática do desconto de R$ 528.

Novo programa de regularização

De acordo com o Ministério da Fazenda, há atualmente mais de R$ 1 trilhão (US$ 200 bilhões) em ativos de pessoas físicas no exterior “que não pagam praticamente nada de IRPF sobre rendas passivas (juros, royalties etc)”.

A nova alíquota de 10% incidiria sobre aplicações financeiras; bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis; veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária; e participações em entidades controladas.

Em 2016, um programa semelhante permitiu que o governo arrecadasse R$ 50,9 bilhões ao permitir que mais de 25 mil contribuintes regularizassem ativos de outros países. A alíquota foi de 15%, com multa também de 15%.

Advogada tributarista e sócia do escritório Mattos Filho, Nicole Najjar avalia que uma das benesses para o contribuinte é não tributar o estoque. “Passa a ser possível atualizar, em maio, [quando termina o prazo da Receita Federal para a declaração de ajuste anual do IRPF] o valor dos ativos com uma alíquota de 10%. É uma benesse porque, sem atualizar o valor, a pessoa terá de pagar uma alíquota maior [de até 22,5%] quando for realizar a alienação ou liquidação do ativo”, disse Najjar.

Publicidade

“A MP foi bem ampla e abrangente no tipo de estrutura que pretende tributar”, afirma. Segundo ela, a MP trata não só das sociedades “offshore” conhecidas como PIC (Private Investment Company), mas também os fundos de investimentos, “trusts”, fundações e quaisquer estruturas controladas por um brasileiro (pessoa física).Essas estruturas, destaca Najjar, podem ou não estar em um paraíso fiscal. A MP prevê que devem ser tributadas todas as estruturas controladas que tenham 20% ou mais da renda total oriunda de rendimentos que não são operacionais ou resultado de uma atividade econômica independentemente do país onde estejam localizadas.

De acordo com o Ministério da Fazenda, a mudança evita a utilização de estruturas em “paraísos fiscais” (offshores) por pessoas físicas residentes no País para evitar ou diferir a tributação do Imposto sobre a Renda, usualmente conhecida por regra CFC (Controlled Foreing Company).

Ela afirma que um ponto polêmico é o fato de a tributação passar a considerar eventual ganho com variação cambial. “Há muito tempo vínhamos tendo tributação específica para variação cambial com uma outra mecânica para o cálculo”, disse a advogada.

A MP considera como remuneração a variação cambial produzida por uma aplicação financeira feita diretamente, ou seja, por uma pessoa física residente no Brasil. E ainda considera como um ganho de capital a “variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior (...) no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.