Para Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o crescimento do País no ano passado foi uma "decepção antecipada" e já é possível considerar que a década encerrada em 2019 foi perdida. "Apesar de o ritmo fraco já ser esperado, os dados mostram que a economia ainda está com uma dificuldade muito grande de se recuperar."
Nesta quarta-feira, 4, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os bens e serviços produzidos na economia) do País cresceu apenas 1,1% em 2019. O resultado frustra as expectativas de uma retomada robusta da atividade econômica.
Na avaliação de Castelar, o País teria condição de crescer em um ritmo de até 4% ao ano, caso fizesse as reformas necessárias para melhorar o ambiente de negócios e destravar investimentos.
A seguir, trechos da entrevista ao Estado:
O PIB do ano passado veio abaixo dos resultados de 2017 e de 2018, que já foram anos de crescimento fraco. Podemos chamar o crescimento de 2019 de 'pibinho'?
É um resultado que veio, mais ou menos, dentro das nossas expectativas. Os resultados do último trimestre do ano passado já haviam sido decepcionantes, o que acabou contribuindo para essa perda de velocidade. Não surpreende, mas é um número baixo. Os dados mostram, de maneira preocupante, que o PIB per capita está longe de recuperar as perdas que tivemos antes da recessão - crescimento de 0,3%, depois de quedas na casa dos 4% em anteriores. Eu diria que o resultado do PIB em 2019 foi uma decepção antecipada.
Por que a recuperação da economia, que já era lenta, desacelerou?
É preciso lembrar que os resultados de 2017 e 2018 eram mais baixos e foram revistos depois. Nada impede que o mesmo aconteça com os números de 2019. De todo modo, parece que a economia está com uma dificuldade muito grande de se recuperar, ela mantém um padrão muito baixo, que não permite que a recuperação que o País experimenta desde 2017 venha com mais força.
Após as eleições de 2018 e no começo do ano passado, havia um clima de otimismo e a expectativa era que o País crescesse 2,5%. No entanto, o primeiro PIB do governo Bolsonaro ficou bem abaixo dessa previsão. Por que isso aconteceu?
Há mais de uma interpretação para o crescimento mais fraco no ano passado. Uma discussão tem sido de que temos trabalhado em um estado permanente de expectativa e de choques: a gente fica otimista e logo vem um choque. Em 2017, o cenário era de otimismo também. Então, veio o caso da delação da JBS, com uma gravação em que o presidente Michel Temer aparecia, que mudou o clima no País e eliminou a chance de aprovação de uma reforma da Previdência. Em 2018, aconteceu a greve dos caminhoneiros, que enfraqueceu muito o governo, e também houve uma mudança do cenário externo. No ano passado veio a crise da Argentina, uma ducha de água fria na indústria, e mais problemas externos.
Qual seria a outra interpretação?
Uma outra visão, que parece mais correta, é que há travas mais profundas que impedem o crescimento do Brasil. Aconteceu uma mudança importante no modelo vigente no País, que antes era muito baseado em aumento do gasto público. Em 2019, essas mudanças permitiram a redução dos juros de uma forma nunca vista. Em certo sentido, foi a demanda privada, doméstica, que puxou o PIB no ano passado para cima. Só que não está puxando no ritmo que se esperava. O crédito, via consumo das famílias, puxou o PIB de 2019, mas isso tem um limite.
Apesar de ter sido um motor, o consumo das famílias ainda está reprimido, certo?
Se considerarmos toda a década passada, o consumo ainda está reprimido, ainda está abaixo do pico, considerando que a população cresceu. E é baixo, porque o desemprego é alto. O crédito está crescendo bastante e é isso que está fazendo o consumo crescer, e essa é a lógica que vai prevalecer em 2020. Mas, para ter consumo, tem de ter emprego; para ter emprego, tem de ter investimento.
O que fazer para trazer mais investimentos?
O que acontece é que o ambiente de negócios é muito ruim, tem muita insegurança jurídica e incerteza nos rumos do País. O modelo saiu do público para o privado, mas o setor privado está atrasado. E isso fica claro no investimento. Não se conseguiu destravar os investimentos privados até agora e, sem isso, não vamos destravar o resto. Quando isso se resolver, é razoável que o País cresça num ritmo de 4% ao ano.
O remédio aplicado desde 2016, de contenção de gastos públicos e foco no investimento privado, está perdendo efeito?
Creio que não. O modelo anterior vinha gerando recessão, o modelo novo tirou o País da recessão. O que falta é completar essa transição, efetivamente dar um ambiente de negócios que permita que empresas tenham confiança para investir. O que está segurando o investimento é a incerteza, tanto a micro, de como fica a tributação, até a coisa macro.O governo tem muita retórica, mas falta rumo, as pessoas comuns não têm uma visão clara de para onde o País está indo. Falta clareza. Por exemplo, existe demanda por grandes projetos e falta de infraestrutura. O risco de negócio é baixo, mas as incertezas regulatórias fazem com que o investimento não ocorra. As propostas de reforma tributária que estão na mesa vão nessa direção.
Agora, com o resultado de 2019, podemos avaliar que a década passada foi uma década perdida?
Ao se medir pelo PIB per capita (divisão dos bens e serviços produzidos pela população do País), foi uma década perdida. O Brasil encerrou a década abaixo do ponto em que estava. O que precisa ser feito para a economia melhorar, a gente sabe. Há 20 ou 30 anos se discute como melhorar o ambiente de negócios. A reforma da Previdência me deu otimismo, mas vamos ter vontade política para fazer ou vamos empurrar com a barriga? O histórico dos últimos 40 anos é ruim. Quando se olha o desempenho do Brasil, comparado com outros emergentes, andamos para trás.
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