BRASÍLIA – O governo Lula (PT) se prepara para retirar três empresas estatais do Orçamento convencional da União em 2025, usando uma manobra revelada pelo Estadão e aprovada pelo Congresso Nacional nesta quarta-feira, 18. São elas: a Telebras, que fornece conexão de internet para órgãos públicos, a Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil), que produz armas para o Exército, e o Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), criado para produzir chips eletrônicos.
Procurado, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) afirmou que “ainda é prematuro falar de empresas específicas ou de maiores detalhes sobre o tema” (leia mais abaixo).
Conforme o Estadão revelou, a medida, aprovada pelo Congresso nesta quarta-feira na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, abre caminho para que empresas saiam do Orçamento convencional e migrem para o Orçamento de estatais, como a Petrobras, mesmo que ainda dependam de aportes do Tesouro Nacional para se manter. Especialistas apontam risco de novas manobras fiscais e falta de transparência com a mudança – o que o governo nega.
O dinheiro que o Tesouro coloca nas estatais continuaria submetido ao arcabouço fiscal, mas a parcela que as empresas gastam com recursos próprios, não. Isso abre caminho para a estatal aumentar gastos usando arrecadação própria fora dos limites fiscais.
Além disso, toda a despesa, independentemente da fonte de financiamento, sairia do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), que registra todas as movimentações financeiras do governo federal, diminuindo a transparência sobre o uso dos recursos.
O governo argumenta que permitir que a empresa arrecade recursos próprios e passe a se financiar é o melhor caminho para dar autonomia a essas estatais, que hoje estariam engessadas pelo arcabouço fiscal. Além disso, integrantes do Poder Executivo dizem que as despesas continuarão transparentes com base em plataformas usadas pelas empresas federais para prestar contas.
“A lógica do governo é permitir às estatais, dentro de um desenho institucional de um contrato de gestão, ganharem autonomia para gerarem o seu caixa próprio, fazer investimentos e atrair mais receitas”, afirmou a secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão, Elisa Leonel, após uma reunião no Congresso para negociar a proposta, na terça-feira, 17.
“Nós esperamos que, no médio prazo, as empresas estejam devolvendo dividendos para a União, como as não dependentes”, disse.
Procurado após a aprovação do projeto, o ministério afirmou que as diretrizes para o contrato de gestão que mexerá nas empresas devem ser regulamentadas por decreto. A migração dependerá do interesse da própria empresa, do ministério respectivo e da aprovação de um plano de sustentabilidade que demonstre a capacidade de a companhia ganhar autonomia financeira, de acordo com a pasta. “Nesse sentido, ainda é prematuro falar de empresas específicas ou de maiores detalhes sobre o tema”, disse o ministério.
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Após críticas da oposição, o governo fechou um acordo para alterar a proposta e limitar o crescimento das despesas que o Tesouro Nacional coloca nas empresas. Os gastos não poderão crescer acima da inflação a partir de 2026. Na prática, as companhias terão de fazer esforços para arrecadar recursos próprios na hora de custear suas atividades e fazer novos investimentos.
Por outro lado, o Tesouro Nacional vai arcar com o pagamento de dívidas judiciais e administrativas existentes em 2024, dando um prazo de quatro anos para os valores serem quitados. Na prática, as estatais poderão sair do Orçamento e ainda receber um socorro dos cofres do governo federal. A medida foi endereçada à Telebras, que possui um endividamento de R$ 2,6 bilhões.
Juntas, as três estatais que o governo pretende mexer somam um Orçamento R$ 1,3 bilhão, considerando a programação de 2025. Desse montante, R$ 735 milhões, o equivalente a quase 60%, vêm de receitas próprias e poderão sair do arcabouço fiscal. O valor pode aumentar nos próximos anos, a depender do que as estatais arrecadarem e gastarem.
Com relação ao acréscimo feito pelo Congresso, trata-se de uma tentativa de limitar as transferências, mas o tiro pode sair pela culatra, tendo em vista a tradição de transformar tetos em pisos. Não demorará para que se estabeleça a regra de corrigir automaticamente as transferências pela inflação.
Para o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, a proposta do governo prejudica ainda mais a imagem do governo na política fiscal. “A disparada do dólar e dos juros seria motivo suficiente para que fossem retiradas todas as propostas que possam ser interpretadas como flexibilização de gastos públicos. E esta é uma delas.”
O especialista aponta que a mudança feita pelo Congresso é uma tentativa de limitar as despesas, mas o risco é que o teto seja usado até o limite máximo todos os anos, se transformando em um piso.
“Ademais, persiste o risco de haver superfaturamento nas vendas de serviços das estatais para a administração pública, de modo a inflar as receitas próprias das empresas, que ficam fora do orçamento. Haverá, também, maior facilidade para aumento de endividamento e aprovação de penduricalhos salariais”, diz o economista.
Telebras
A Telebras é a principal impactada. A estatal, responsável por levar internet a órgãos públicos, arrecada 70% do que gasta, mas enfrenta sérios problemas de caixa. Conforme o Estadão mostrou, a empresa gastou mais de R$ 100 milhões nos últimos quatro anos sem ter orçamento disponível, o que não é permitido.
O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga a manobra fiscal nas contas da Telebras com base em uma denúncia apresentada pelo Partido Novo. Em 2025, o governo deve recorrer até mesmo à dívida pública para custear a empresa pública. E, com a proposta aprovada agora, arcará também com as dívidas.
A Telebras e o Ceitec foram alvo de um plano de privatização fracassado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As duas empresas são deficitárias, acumulam dívidas e prejuízos para o poder público. A proposta do governo Lula é assinar um contrato de gestão, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mantendo as empresas ainda como públicas, mas fora do Orçamento tradicional.
‘Contabilidade criativa’
De acordo com a economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da LRF, o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. O instrumento previsto na legislação serve para ampliar a autonomia, a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas por meio de melhorias na gestão.
“O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer”, disse a economista na época em que o projeto foi apresentado.
O Ceitec, produtor de chips e semicondutores localizada no Rio Grande do Sul, tem praticamente 100% do Orçamento custeado pelo Tesouro Nacional e arrecada menos de 1% do caixa. A Imbel, por sua vez, é superavitária, mas depende do governo federal para bancar quase 80% das suas atividades.
“As empresas procuraram o Congresso para se livrar das amarras do Orçamento do governo. Elas têm capacidade de crescimento muito grande e hoje não podem gastar porque estão muito atreladas ao Orçamento”, disse o senador Confúcio Moura (MDB-RO), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que aprovou a proposta do governo.
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