Dois meses e meio de greve e operação tartaruga dos analistas tributários e dos auditores da Receita Federal e do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda, para reivindicar reajuste salarial estão provocando estragos para os consumidores, empresas e a arrecadação.
Não são só as “blusinhas” importadas que estão com a entregas atrasadas. Indústrias de todos os portes reclamam da falta de componentes e até a arrecadação pode sofrer um revés, num momento em que governo busca recursos para aliviar o déficit fiscal.
Cerca de 75 mil remessas expressas de importação e exportação estão paradas nos terminais alfandegários, segundo estimativas das empresas do setor, relatadas pelo presidente da Frente Parlamentar de Livre Mercado (FPLM), o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP).
Hoje o tempo de liberação nas aduanas é de 14 dias para cargas normais e de sete dias para cargas expressas. Antes da paralisação, gastava-se 5 dias ou até dois dias para liberação, segundo Dão Real, o presidente do Sindifisco, que representa os auditores fiscais.
Por causa da paralisação, 1.120 processos tributários, deixaram de ser pautados para julgamento no Carf em janeiro. Isso pode representar uma perda na arrecadação potencial do governo de R$ 51 bilhões, caso a decisão seja favorável à Receita. “Se nada mudar, em fevereiro a Receita deve deixar de julgar processos cuja arrecadação potencial é de quase R$ 94 bilhões”, prevê o presidente do Sindifisco.

Tanto as indústrias que importam componentes como as que exportam produtos acabados estão sendo afetadas, segundo Helcio Honda, diretor jurídico do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), que representa 8 mil indústrias do Estado.
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Ele conta que recebe relatos de indústrias de todos os portes. Elas estão reduzindo o ritmo de produção por falta de componentes importados retidos na alfândega desde o final do ano passado. “Essa situação vai chegar no bolso do contribuinte, porque tudo é custo e alguém repassa (para o preço)”, diz Honda.
O que desencadeou a paralisação ?
A paralisação e a operação-padrão que envolve cerca de 7 mil auditores fiscais e 6,5 mil analistas tributários em todo País começaram no dia 26 de novembro de 2024. O motivo do protesto é a defasagem salarial de 27,46% acumulada entre janeiro de 2019 e dezembro de 2024, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Hoje o piso salarial de um analista tributário é R$ 13 mil mensais. No caso de um auditor fiscal, o salário base é de R$ 20 mil.
Segundo o Sindireceita e o Sindifisco, que representam os analistas tributários e os auditores fiscais, respectivamente, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), órgão responsável pela gestão do funcionalismo, descumpriu um acordo selado com a categoria.
O compromisso fechado com o MGI era de que até julho do ano passado seriam abertas negociações para reajustar os salários dos auditores fiscais e dos analistas tributários. “O governo abriu negociações e fechou acordos com várias categorias do funcionalismo público, mas a nossa carreira ficou sem negociação”, afirma o presidente do Sindireceita,Thales Freitas.
O motivo da divergência, segundo o presidente do Sindifisco, é que o MGI, apesar de ter assinado o compromisso de negociação do reajuste do salário fixo, mudou de entendimento.
Em janeiro do ano passado, as duas categorias (analista tributário e auditor fiscal) conseguiram a implementação do pagamento de um bônus de eficiência e produtividade nos rendimentos, acordado em 2016 e que não havia sido cumprido.
“Assinamos esse acordo em janeiro de 2024, regulamentamos o bônus de eficiência e, desde o início o MGI entendeu que aquela regulamentação se restringia ao bônus de eficiência, não ao vencimento básico, que representa 90% da remuneração. Tanto é que fez um novo acordo para abrir uma nova mesa de negociação a partir de julho”, explica Real.
No entanto, diz, o presidente do Sindifisco, o MGI passou a interpretar que não caberia mais nenhuma negociação porque a resolução do bônus, que é a parcela variável dos rendimentos, resolveria todos os problemas dos auditores fiscais.
“O MGI está descumprindo unilateralmente o compromisso firmado”, afirma Real. Segundo o presidente do Sindireceita, a decisão do MGI é muito grave. “O governo assinou compromisso que abriria mesa de negociação até julho de 2024 e não sentou para negociar”, afirma Freitas.
Questionado pela reportagem, a assessoria de imprensa do MGI, informa, por meio de nota, que “o acordo com as entidades representativas dos auditores fiscais da Receita Federal foi fechado em fevereiro de 2024, em uma mesa específica e temporária de negociação que tratou da regulamentação do bônus, com impacto financeiro para os servidores já em 2024 e pactuado até 2026″.
O MGI esclarece que “permaneceu dialogando com o Sindireceita e o Sindifisco Nacional, que foram recebidos pelo MGI em mais quatro ocasiões, entre agosto e novembro de 2024, mas tendo em vista que já houve acordo em 2024, não há previsão de novas negociações com a categoria”.
Já a Receita Federal informou, por meio de sua assessoria, que não iria comentar a questão.
Honda, do Ciesp, diz que a entidade enviou nota ao governo, alertando sobre os desdobramentos da paralisação. “O governo tem de resolver esse problema, tem de abrir um canal de negociação”, afirma o dirigente da indústria.