Que bom que temos um cidadão presidindo a agência reguladora da moeda. E que infelicidade chamar alguém assim com o intuito de diminuir.
Entendo que o presidente da República usou essa expressão também com o sentido de evidenciar seu desconhecimento pessoal: aquele ali, aquele rapaz, não conheço a pessoa, aquele cidadão anônimo, sem padrinho, um “não eleito” e que não escolhi.
A impessoalidade diminui a pessoa na pátria do “sabe-com-quem-está-falando”, mas é, ao mesmo tempo, um dos princípios orientadores da administração pública, segundo a Constituição (art. 37). O presidente do Banco Central não tem de ser amigo, aliado ou escolhido do PR, melhor que não seja, e é a lei: está em jogo o interesse público.
Pelo mesmo motivo, convém lembrar, a diretoria do BC é colegiada, do tipo que decide em conjunto, e eles são nove.
É grotesco, ainda que não inconstitucional, o Presidente da República ralhar em público com o presidente do BC. Não sei bem qual a diferença entre isso e a diatribe do presidente anterior contra os conselheiros da Anvisa e outros órgãos técnicos da Saúde. Nesses casos, ficou estabelecido que se tratava de “ataques à ciência”. E agora?
O que dizer quando o presidente quer atropelar o BC na sua rotina de execução do sistema de metas para a inflação, e fazer política monetária lá do Palácio? E quando diz que os livros de economia não servem mais?
É mais fácil, ao menos na aparência, duvidar do saber especializado dos economistas do que do dos profissionais da saúde
É mais fácil, ao menos na aparência, duvidar do saber especializado dos economistas do que do dos profissionais da saúde. A “medicina alternativa” em economia é bem popular e, em geral, inofensiva. Só deixa de ser quando é levada a sério para substituir a medicina convencional.
As redes estão cheias de “debates necessários”, todos têm opinião sobre juros, nada de errado com essa cacofonia. Muitos que nunca viram uma ata do Copom nem sabem bem com quantos índices de inflação se faz uma canoa estão ultrajados com a “falta de fundamento” para o que fez o BC, ou com a “intransigência” da autarquia em não se deixar “pazuelizar”.
Questionar o saber estabelecido é uma estratégia populista clássica: suscita a ilusão de que a liderança tem uma fórmula mágica, uma solução salvadora e simples, o que, na verdade, não tem. Nem para a covid-19 nem para a economia. Não se trata de discutir se os juros são altos ou muito altos, ou se a ivermectina previne ou interfere com a covid, ou se o STF extrapolou nisso ou naquilo, e de que jeito exatamente.
O problema é com o respeito às instituições e ao saber especializado: falas presidenciais instigam, não são tuítes como quaisquer outros. Não se trata de “interdição” de coisa nenhuma, mas de autocontrole.
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