Muitos acreditam que o futuro, por definição, nunca chega. A inexorável marcha do tempo insiste em nos afastar do passado e em nos aproximar do futuro — que, imediatamente, transforma-se em um novo presente e cria um novo futuro, infinitamente. Esta ideia é similar ao paradoxo da dicotomia, proposto pelo filósofo grego do século V a.C. Zenão de Eleia, considerado por Aristóteles como o criador da dialética, no qual a contradição de ideias é a força motriz para geração de novas ideias.
O paradoxo da dicotomia de Zenão, relatado por Aristóteles, estabelece que “o que está em locomoção deve chegar na metade do caminho antes de chegar ao objetivo.” Em outras palavras, antes de chegar ao final de um percurso, devemos chegar à metade do mesmo. E antes de chegar à metade do caminho, devemos atingir a metade da metade (ou seja, um quarto do caminho). E assim sucessivamente, levando ao paradoxo: nunca será possível completar um número infinito de trajetos para, finalmente, chegar ao objetivo. De acordo com Zenão, todo movimento é uma ilusão.
Obviamente, como todos nós podemos atestar, a ideia de movimento não é ilusória — todos os dias, milhões de trajetos são estabelecidos e completados. Podemos argumentar que o futuro não se enquadra neste exemplo, pois trata-se de um alvo-móvel: todos os dias ele se afasta de nós por pelo menos mais um dia. Entretanto, todos podemos atestar a inegável percepção que se apresenta quando somos forçados a encarar um dos aspectos do nosso futuro no “aqui” e “agora”.
Pois é isso que está acontecendo com as cadeias de suprimentos que compõem o sistema circulatório da economia global. Conforme já discutimos neste espaço, a lógica da logística que leva um produto da sua tela para sua casa demonstra como uma série de problemas “do futuro” precisam ser resolvidos “no presente”: vulnerabilidades geopolíticas, falta de mão-de-obra, cooperação entre seres humanos e máquinas, autonomia, automação, sustentabilidade, resiliência, onshoring e reshoring (ou seja, trazer para o próprio país atividades até então realizadas em outros locais).
Quais as estratégias necessárias para reduzir a dependência de fornecedores específicos, usualmente localizados em regiões com baixo custo de mão de obra? Como otimizar estoques e logística? Quais as tecnologias mais eficientes para integração das máquinas e dos seres humanos no ambiente de trabalho? Qual o papel da sustentabilidade, o “S” em “ESG”, que vem ganhando relevância para uma parte crescente da população e cujas exigências batem à porta das empresas?
De acordo com pesquisa realizada pela Oxford Economics com tomadores de decisão da cadeia de suprimentos ao redor do mundo, apesar de 88% terem estabelecido ou estarem estabelecendo uma missão ligada à sustentabilidade, apenas 52% efetivamente realizaram mudanças com impactos positivos para o meio ambiente. Mais do que isso, apenas 21% do total declarou ter visibilidade sobre seu próprio fornecimento de produtos sustentáveis, ou seja, ter instrumentos para monitorar e controlar suas práticas.
O fato é que a tecnologia é a única resposta para resolver problemas causados por ela mesma. Considere, por exemplo, o aumento da concentração atmosférica de gases nocivos ao meio ambiente. Este processo, que viabilizou a sociedade moderna tal como a conhecemos atualmente, foi acelerado após o início da Primeira Revolução Industrial, em meados do século XVIII. E como já discutimos em diversas ocasiões neste espaço, ainda temos um longo caminho a percorrer para evitar catástrofes climatológicas irreversíveis para toda vida na Terra.
Analogamente, as exigências que a sociedade impõe ao mercado — conveniência, baixo preço, informações imediatas em qualquer lugar do globo, comércio eletrônico, entre outras — foram em larga medida originadas pelos serviços prestados pelas gigantes do setor tecnológico, como Google, Amazon e Apple. O tênue fio que conecta essas e milhares de outras empresas ao redor do mundo são as cadeias de produção e suprimento. Aumentar a segurança, eficiência, confiabilidade, resiliência e sustentabilidade dessas cadeias é um desafio geopolítico, econômico e — como era de se esperar — tecnológico.
Em nossa próxima coluna, falaremos das tecnologias emergentes em desenvolvimento para buscar solucionar alguns dos mais críticos problemas que atingem o planeta — até lá.
* FUNDADOR DA GRIDS CAPITAL E AUTOR DO LIVRO "FUTURO PRESENTE - O MUNDO MOVIDO À TECNOLOGIA", VENCEDOR DO PRÊMIO JABUTI 2020 NA CATEGORIA CIÊNCIAS. É ENGENHEIRO DE COMPUTAÇÃO E MESTRE EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
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