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O Futuro dos Negócios

Opinião|A nova caixa de Pandora

Há quase três mil anos a humanidade sonha com inteligências artificiais. O que fazer agora que elas chegaram?

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Foto do author Guy  Perelmuter
Atualização:

A palavra “tecnologia” vem do grego tekhnologia — uma combinação das palavras “habilidade” e “coleção”. Portanto, a tecnologia é basicamente a manifestação concreta e palpável de uma ou mais habilidades. No caso do deus da mitologia grega Hefesto — deus dos ferreiros, do fogo, dos metais, dos artesãos e da metalurgia — essas habilidades permitiam que ele fabricasse os equipamentos utilizados pelos outros deuses e às vezes por meros mortais. Foi ele quem projetou o elmo e as sandálias de Hermes, o mensageiro dos deuses; o cinto de Afrodite, deusa do amor e do desejo; e a armadura de Aquiles, herói da Guerra de Troia; apenas para citar alguns exemplos.

De acordo com Adrienne Mayor, pesquisadora do Departamento de Clássicos da Universidade de Stanford e autora do livro Gods and Robots: Myths, Machines, and Ancient Dreams of Technology (“Deuses e Robôs: mitos, máquinas e sonhos antigos de tecnologia”), a ideia de seres artificiais tem suas origens em lendas com pelo menos 2.700 anos. Segundo ela, temas como inteligência artificial e robôs estão presentes na obra dos poetas gregos Hesíodo (autor de O Escudo de Hércules) e Homero (autor de duas das obras mais importantes da Grécia Antiga, a Ilíada e a Odisseia), que viveram aproximadamente na mesma época, possivelmente entre 750 e 650 a.C.

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Ironicamente — ou possivelmente demonstrando uma tendência inevitável da natureza humana — assim como tantos desenvolvimentos tecnológicos (radar, GPS, computador, energia nuclear), o primeiro robô dotado de inteligência artificial do qual temos notícia também foi concebido com fins militares. Segundo Hesíodo, o deus Hefesto construiu um gigante de bronze chamado Talos, a pedido de Zeus, o deus supremo da mitologia grega. A missão de Talos era proteger a ilha de Creta de seus invasores. Segundo a lenda, Talos patrulhava a ilha, arremessando grandes pedras nos navios inimigos.

Mas Talos não foi a única criatura artificial comissionada por Zeus. Depois que, graças a Prometeu, os seres humanos descobriram o fogo — simbolizando exatamente o progresso e a tecnologia — a fúria do mais importante dos deuses gregos não teve limites: Zeus não só aprisionou Prometeu em um rochedo, no qual uma águia devorava seu fígado todos os dias, como também enviou para o mundo dos mortais uma criatura chamada Pandora, feita por Hefesto a partir de argila e tornando-se a primeira mulher do mundo. Ela é a protagonista do mito que fala da abertura de uma caixa na qual todas as maldades aprisionadas foram libertadas e assolaram o planeta.

Inteligência artificial levanta debates éticos e sobre limites  Foto: Tumisu / Pixabay

Entidades de bronze e argila, modeladas de acordo com a forma humana e capazes de raciocinar — em outras palavras, inteligências artificiais. Instilar o poder do raciocínio em seres antes inanimados é um traço comum de várias civilizações: segundo Joseph Needham, em seu livro de 1991 Science and Civilisation in China: History of Scientific Thought (“Ciência e Civilização na China: história do pensamento científico”), o filósofo Lie Yukou (aproximadamente 400 A.C.) escreveu sobre um técnico chamado Yan Shi, que criou um robô humanoide com couro e madeira, capaz de andar, dançar, cantar até flertar com as concubinas do rei. O rei, zangado e assustado com a novidade, ordenou que o robô fosse desmontado — possivelmente uma das primeiras disputas entres seres humanos e seres artificiais da História.

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Séculos mais tarde e incontáveis invenções depois, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, chegamos ao momento da História na qual ficção e realidade se encontram. Os elementos necessários para emular inteligência e raciocínio estão agora técnica e economicamente acessíveis graças à combinação de modelos, dados, armazenamento e capacidade de processamento. Mas, ao contrário da maior parte das previsões realizadas ao longo das últimas décadas, que afirmavam que as profissões com foco em trabalho braçal de baixa qualificação seriam as primeiras a ser eliminadas pela automação, estamos observando que a inteligência artificial generativa começou a causar mais impacto em carreiras onde a criatividade e a especialização são as características mais importantes. O impacto desse fenômeno no mercado de trabalho, na formação profissional, e na estratégia de negócios é nosso tema da próxima coluna. Até lá.

*Fundador da GRIDS Capital e autor do livro “Futuro Presente - o mundo movido à tecnologia”, vencedor do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências. É Engenheiro de Computação e Mestre em Inteligência Artificial pela PUC-Rio

Opinião por Guy Perelmuter

Fundador da Grids Capital e autor do livro "Futuro Presente - O mundo movido à tecnologia", vencedor do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências. É engenheiro de computação e mestre em inteligência artificial

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