Em nossa última coluna, falamos sobre o paradoxo de Jevons, que estabelece que quando recursos se tornam mais abundantes e acessíveis, a demanda por eles acaba aumentando (e não diminuindo). Isso aconteceu com o carvão, petróleo, plásticos, energia limpa, telecomunicações, estradas, aviões, telefones e computadores — apenas para citar alguns exemplos. Mais que um aumento na demanda, novos usos foram criados para esses recursos, expandindo seus mercados e seus públicos.
Seguindo esse raciocínio, e assumindo que a popularização e o acesso às técnicas de Inteligência Artificial irão continuar a nos auxiliar a concluir tarefas com mais rapidez e eficiência, é razoável imaginar que este fenômeno irá criar novas carreiras até então inimagináveis. Certamente algumas profissões irão cair em desuso e provavelmente desaparecer, mas se a História for um bom indicador para o futuro, o balanço final dessa equação deve ser positivo em termos de número de empregos: na transição de uma economia rural para uma sociedade industrializada durante a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XIX, mais empregos foram criados em fábricas do que aqueles perdidos na agricultura. Da mesma maneira, com a subsequente eletrificação do mundo e a popularização das linhas de montagem nas fábricas, novas vagas para empregos e novas carreiras surgiram.
Mas agora, que carreiras são essas? Como se posicionar diante de uma tendência que irá afetar pessoas e empresas de todos os setores, sempre priorizando a contratação de mão de obra qualificada e competitiva?
Da mesma maneira que praticamente todo tipo de emprego exige algumas habilidades genéricas e outras específicas, podemos supor que o mercado de trabalho irá apresentar oportunidades tanto para profissionais habilitados em criar a infraestrutura necessária para o uso adequado de sistemas de IA quanto para profissionais especializados em setores individuais (como saúde, educação, telecomunicações, alimentos, agricultura, manufatura, aviação, financeiro, e assim por diante).

Vamos começar pelo primeiro tipo: carreiras criadas ou expandidas como consequência direta da transição que a Inteligência Artificial fez da academia para o mercado, dos laboratórios para as empresas, dos artigos científicos para patentes e produtos que são utilizados diariamente ao redor do mundo. A chamada “engenharia de prompts” passou a fazer parte das engenharias em demanda pelo mercado - basicamente, trata-se da habilidade que um profissional precisa possuir para construir entradas claras, específicas e bem detalhadas que serão utilizadas por um modelo de linguagem para gerar respostas coerentes e relevantes na forma de texto, imagem, vídeo, áudio, software ou uma combinação de múltiplos elementos. Frequentemente é necessário ajustar o palavreado utilizado, acrescentar contexto à pergunta e fornecer exemplos claros para aumentar as chances de sucesso com a resposta da IA. Uma nova carreira adjacente é a de “treinador(a) de assistentes digitais”: profissionais que desenvolvem e selecionam os dados para que assistentes virtuais e chatbots tornem-se mais eficientes e úteis.
Cientistas de dados, que já experimentam demanda crescente desde que Big Data tornou-se parte do jargão de múltiplos setores há cerca de quinze anos, são profissionais que geralmente possuem formação em estatística ou matemática, capacidade de programação e idealmente boa intuição para identificar tendências em seus respectivos segmentos de negócios. Suas tarefas incluem a organização e “limpeza” dos dados, sua análise, desenvolvimento de modelos e comunicação adequada para que os dados se transformem em informação e a informação em ações. Embora claramente diversas tarefas historicamente realizadas por cientista de dados serão automatizadas pela IA, o aumento expressivo da complexidade dos dados, a ênfase na personalização de produtos e serviços, a proliferação de tecnologias emergentes e o aumento da dependência de algoritmos nos processos de tomadas de decisão devem manter a demanda elevada para esses profissionais. De acordo com o US Bureau of Labor Statistics (agência responsável pelo monitoramento do mercado de trabalho nos EUA), enquanto a expectativa média de aumento dos empregos na próxima década está em 3%, para cientistas de dados este número atinge 35%.
Uma das novas carreiras criadas como consequência direta da proliferação dos sistemas inteligentes é a de cientista de dados sintéticos. Estes profissionais geram dados realistas, estatisticamente robustos e diversificados para treinar modelos de IA sem personalização ou em situações nas quais o conjunto de dados existente não é suficientemente grande (por exemplo, em estudos a respeito de doenças raras).
Seguiremos com o tema de carreiras e empregos para o futuro na coluna do mês que vem. Até lá.
*Fundador da GRIDS Capital e autor do livro “Futuro Presente - o mundo movido à tecnologia”, vencedor do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências. É Engenheiro de Computação e Mestre em Inteligência Artificial pela PUC-Rio