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‘Contabilidade pública não é alterada’, diz Haddad sobre uso de dinheiro esquecido criticado pelo BC

Apropriação de valores esquecidos em instituições financeiras, aprovada pelo Senado como uma das medidas para compensar desoneração, está, segundo o BC, ‘em claro desacordo com sua metodologia estatística’; data para acordo no STF se encerra nesta quarta

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Atualização:

BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e líderes partidários para defender que a medida compensatória para desoneração da folha que trata da apropriação pelo governo de depósitos judiciais e bancários esquecidos em instituições financeiras tem amparo legal. A proposta foi criticada pelo Banco Central e travou a votação do projeto de lei que prorroga a desoneração dos 17 setores e dos municípios.

“O que eu quis foi levar (na reunião) o Rogério Ceron (secretário do Tesouro) para esclarecer tecnicamente, inclusive a questão da contabilidade pública, que de fato é feita pelo Banco Central, e isso tem que ficar claro na redação, que a contabilidade pública não é alterada em função de lei, nem no caso da Constituição alterou a contabilidade pública”, disse o ministro.

Haddad se reuniu com Lira na Residência Oficial da Câmara nesta quarta-feira, 11. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Haddad reconheceu que os recursos não são classificados como receita primária (aquela contabilizada para o saldo das contas públicas), mas reforçou que o propósito do Senado, ao aprovar o texto, “nunca foi de mudar as regras de contabilidade”. No encontro, segundo o ministro, Ceron explicou aos deputados conceitos sobre contabilidade pública, além de leis que regem recursos específicos, como foi o caso dos recursos esquecidos do PIS/Pasep que não foram contabilizados pelo BC como receita primária.

A discussão levantada pelo BC é de que estes recursos esquecidos também não poderiam ser contabilizados como receita para cumprimento da meta fiscal (leia mais abaixo), já que não representam um esforço arrecadatório do governo.

O texto do projeto de lei aprovado no Senado, no entanto, abre espaço para uma outra interpretação. O trecho diz que, decorrido o prazo, os saldos não reclamados remanescentes junto às instituições depositárias passarão ao domínio da União “e serão apropriados pelo Tesouro Nacional como receita orçamentária primária para todos os fins das estatísticas fiscais e da apuração do resultado primário”.

O ministro disse que a Câmara e o Senado deverão discutir se será preciso uma outra medida compensatória caso o trecho seja modificado. “(Será discutido como) atender os objetivos do Senado sem mexer na contabilidade pública. É uma posição do BC que independe de lei, é uma espécie de manual do Fundo Monetário e de outras instituições internacionais que padronizam no mundo como é feita a contabilidade pública”, emendou. Ele reiterou que a ideia é que o texto seja aprovado pelos deputados sem precisar retornar à análise dos senadores.

Haddad disse ainda que não é fácil construir uma solução em torno da desoneração, ao explicar a razão pela demora em votar o projeto no Congresso. Ele afirmou, por outro lado, que o País vive um “bom caminho” de nova institucionalidade sobre segurança fiscal. Ele também avaliou que Lira está sempre com “boa vontade” de compreender e fazer o melhor ao País.

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BC alerta Congresso e se opõe ao uso de dinheiro esquecido

Como mostrou o Estadão, o Banco Central (BC) abriu um embate com o Congresso e o governo sobre a apropriação de valores esquecidos em instituições financeiras para melhorar o resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas sem considerar os juros da dívida pública. Ou seja, o número que determina se o governo fechou o ano no azul ou no vermelho e se cumpriu ou não a meta estabelecida pela equipe econômica.

Na terça-feira, 10, o BC enviou uma nota técnica a deputados afirmando que a incorporação desse montante bilionário – atualmente em R$ 8,6 bilhões – no cálculo das contas públicas está “em claro desacordo com sua metodologia estatística, indo de encontro às orientações do TCU (Tribunal de Contas da União) e ao entendimento recente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a matéria.”

A possibilidade de o Tesouro usar esses valores foi inserida no projeto de lei que estabelece o fim gradual da desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios. O texto, pendente de aprovação pela Câmara dos Deputados, prevê uma série de medidas para compensar a perda de arrecadação da União – dentre elas, o resgate de montantes esquecidos por pessoas físicas e jurídicas em contas de instituições financeiras, como bancos, corretoras e cooperativas.

Segundo o texto aprovado pelo Senado Federal, que teve a relatoria do líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), essas cifras deverão ser computadas pelo Tesouro Nacional como uma receita primária, melhorando, portanto, o resultado das contas públicas. Esse entendimento, porém, vai na contramão da literatura fiscal, avaliam especialistas.

‘Não vamos pedir mais prazo ao STF’

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Haddad, afirmou que, se o projeto de lei da desoneração não for votado hoje na Câmara, valerá a decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a retomada da reoneração. Ele garantiu que o governo não pedirá um novo prazo à Corte. A data-limite dada pelo STF para que o Congresso Nacional e o Poder Executivo cheguem a uma solução consensual sobre a desoneração termina nesta quarta-feira, 11.

”Não vamos pedir mais (prazo), porque nós estamos no limite da responsabilidade. Não há mais tempo para fechar o ano. Inclusive, eu estou indo ao Tribunal de Contas da União (TCU) para explicar o que está sendo feito para repor o recurso da desoneração. Nós estamos falando de R$ 28 bilhões”, disse Haddad. “O Tribunal de Contas tem dado declarações preocupadas com essa questão. É uma questão que não foi criada pelo governo. O alerta não tem que ser feito ao governo; o alerta tem que ser feito ao Congresso”, afirmou

O que é a desoneração da folha

A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para setores intensivos em mão de obra. Juntos, eles incluem milhares de empresas que empregam 9 milhões de pessoas. A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.

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Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a política de desoneração foi prorrogada até 2027, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para bancar o programa e não estimou o impacto nas contas públicas.

O Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada. O ministro da Fazenda anunciou, então, um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do próximo ano.

O cerne da discussão passou a girar em torno das compensações da desoneração da folha de pagamentos. A equipe econômica insiste em uma medida que represente receitas para os próximos anos. Ela vale para 17 setores da economia. Confira abaixo quais são:

  • confecção e vestuário
  • calçados
  • construção civil
  • call center
  • comunicação
  • empresas de construção e obras de infraestrutura
  • couro
  • fabricação de veículos e carroçarias
  • máquinas e equipamentos
  • proteína animal
  • têxtil
  • TI (tecnologia da informação)
  • TIC (tecnologia de comunicação)
  • projeto de circuitos integrados
  • transporte metroferroviário de passageiros
  • transporte rodoviário coletivo
  • transporte rodoviário de cargas
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