SÃO PAULO E BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira, 15, que o governo deverá anunciar em março o novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos. Antes, ele havia prometido apresentar a proposta até abril, para que fosse discutida junto com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Em evento do BTG Pactual, Haddad disse que a ideia de antecipar a nova regra foi dada pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo vice-presidente e ministro do Comércio, Indústria, Serviços e Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. Eles defenderam que seria positivo discutir a regra antes de apresentá-la ao Congresso.
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O ministro disse que nenhum país do mundo adota uma regra como o teto de gastos, mas defendeu um novo arcabouço exigente no Brasil. “Eu sou a favor de metas exigentes, porque, se não, você não trabalha. Se você botar meta de inflação, meta fiscal, não demandante, o Estado para de trabalhar. Então, tem de ser demandante, tem de ser rigoroso, tem de ser exigente, mas um ser humano tem de conseguir fazer aquilo”, disse.
Haddad não deu nenhum detalhe sobre a nova regra fiscal. Mesmo assim, foi suficiente para melhorar o humor do mercado financeiro: o Ibovespa, que abriu o dia em queda, apresentava alta de mais de 1% depois das declarações, passando a casa dos 109 mil pontos.
Ao Estadão, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu a fixação de uma regra de controle de gastos no novo arcabouço fiscal. A equipe econômica tem defendido que a nova âncora tenha uma regra de controle de gastos para limitar despesas, mas que permita o seu crescimento acima da inflação.
Para o economista André Perfeito, a fala do ministro soou como música aos ouvidos do mercado. ”A percepção é que, como já havia comentado, de fato a Fazenda e o BC estão trabalhando juntos para baixar os juros. O episódio das rusgas entre BC e Planalto está praticamente superado”, comentou. “Falta muito ainda para concretizar as iniciativas apontadas, mas o mercado agora tem assuntos ‘concretos’ para debater”, afirmou o economista.
No mesmo evento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que um texto “radical” sobre o novo arcabouço fiscal não terá sucesso no plenário do Congresso. Na visão do deputado, a âncora que substituirá o teto de gastos deve ser “razoável”, “equilibrada” e “moderada”.
”Eu não canso de dizer que o próprio ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad sentou numa mesa com todas as lideranças da Câmara na discussão da PEC da Transição e fizemos um acordo para que o texto que vier [do arcabouço fiscal] seja um texto médio, que possa angariar apoio de base de mudança constitucional. Ou seja: um texto radical, para um lado ou para outro, não terá sucesso no plenário do Congresso”, disse Lira.
”Esse compromisso foi feito na presença de todos os líderes, da oposição ao governo, para que o Ministério da Economia [Fazenda] e do Planejamento possam fornecer ao Congresso Nacional um texto médio, conceituado, razoável, equilibrado, que trate de responsabilidade fiscal sem esquecer a justiça social, mas não descambe nem para um lado, excessivamente, nem para outro, que seja um texto moderado”, emendou.
Harmonização
No evento, Haddad disse também que faz parte do seu trabalho harmonizar a política fiscal com a política monetária e construir a narrativa sobre o tema. “Esse jogo de construção de narrativa, de harmonização das políticas fiscais e monetária, de harmonização do discurso do Estado com a sociedade, isso faz parte do trabalho do Ministério da Fazenda, não faz parte do trabalho de um economista necessariamente”, afirmou.
Ele também afirmou que o governo tem agido para reonerar “barbaridades” que foram cometidas pela gestão anterior, de forma a preparar o terreno para aprovar uma reforma tributária.
Para Haddad, um sistema tributário coerente reduziria a possibilidade de que políticos ajam para beneficiar setores específicos. “Como você não tem um sistema tributário coerente, ninguém vai notar um parafuso em um Frankenstein. É isso que está acontecendo no Brasil: você tem um monstrengo e vai colocando um parafuso, ninguém nota”, disse.
Durante a sua fala, o ministro disse que os benefícios tributários concedidos pelo governo estão entre as principais causas de distorção do País. Ele acrescentou que a complexidade sistema tributário causa litigiosidade no País.
O ministro anunciou que vai assinar nesta quarta uma portaria para disciplinar a atuação dos auditores fiscais, de forma a garantir o funcionamento da livre concorrência no Brasil. “Isso é bom para que talentos que tenham vocação ética se sustentem no mercado”, afirmou, acrescentando que a Receita e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional vão agir para limpar passivo tributário.
MAIS SOBRE REFORMA TRIBUTÁRIA
‘Gestos de boa vontade’
Haddad afirmou ainda considerar que a relação entre governo e Congresso tem sido positiva. Para ele, as votações das primeiras Medidas Provisórias serão o teste dessa relação.
“Eu estou confiante, eu tenho ouvido dos dois presidentes da Câmara e do Senado gestos de boa vontade”, disse Haddad. “Nós vamos testar as primeiras votações agora”, comentou.
O ministro defendeu a volta do voto de qualidade no Carf, anunciada em janeiro entre as medidas que compõem o seu pacote de ajuste fiscal. Segundo Haddad, técnicos da OCDE ouvidos pela Fazenda disseram que a regra atual do conselho gera insegurança jurídica e dificulta a acessão do Brasil à organização.
“Não existe em nenhum lugar do mundo um órgão paritário para julgar litígio administrativo, menos ainda com voto de qualidade a favor do contribuinte, menos ainda proibindo a Fazenda Nacional de recorrer ao Judiciário. É uma excrescência que não existe em nenhum lugar do mundo”, afirmou.
‘Incertezas vão se dissipar’
Segundo o ministro, a ansiedade do mercado com as primeiras medidas do governo é compreensível, mas vai se dissipar. “Entendo ansiedade do dito mercado, essa meninada que fica na frente do computador dando ordem de compra, ordem de venda”, disse Haddad. “Cada espirro lá [em Brasília] gera uma enorme turbulência.”
Ele afirmou ter dito ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o início do governo seria difícil, mas a incerteza eventualmente iria se dissipar, à medida que novas medidas na área econômica são anunciadas.
Segundo Haddad, o governo anterior deixou uma herança negativa de R$ 300 bilhões, incluindo o déficit dos Estados. Mesmo assim, o ministro disse que os “erros” da administração Bolsonaro permitiram a eleição de Lula.
“Não vim aqui ficar reclamando, porque, se não fossem os erros que foram cometidos, nós não teríamos ganhado a eleição. Ganhamos sabendo o que estávamos herdando e vamos enfrentar”, afirmou.
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