A fala recente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que vai buscar uma reforma neutra - sem aumento da carga tributária - já suscita a pergunta que deve alimentar o embate entre os setores que não querem saber de pagar mais imposto: a reforma será neutra em relação a que patamar, de que ano?
O governo Bolsonaro fechou o seu governo com um nível de receita líquida de 18,9% do PIB em 2022. Os números foram puxados por receitas atípicas como alta dos preços de commodities, entre elas, o petróleo.
Em 2019, antes da pandemia, as receitas estavam em 18,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Haddad já disse que considera os níveis de receita e despesas de 2022 como referência para o seu ajuste fiscal. Só que o nível de receita líquida, sem as receitas extraordinárias, tem sido mais baixo que isso.
E o patamar de receita recorrente, que deveria servir de base para despesas, é menor ainda.
Logo, fazer uma reforma neutra em relação ao patamar de 19% de 2022 pode significar, na prática, aumento da carga tributária.
Essa é uma escolha de política econômica. É uma escolha legítima, mas esse movimento precisa ficar claro nas negociações da reforma tributária.
Não pode chamar aumento de carga de reforma neutra. A pergunta que fica é: como o ministro vai fazer a receita líquida recorrente (sem a arrecadação atípica) sair de menos de 18% do PIB para 19%, que ele já disse que considera ideal, com reformas tributárias neutras, sem aumentar a carga?
Ou mais ainda: como Haddad vai entregar a dívida pública estável em 75% do PIB, como sinalizou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, se o governo não alcançar este patamar de receita? O governo Lula vai cortar mais despesa?
Leia também
São essas dúvidas que rondam as discussões da reforma tributária e da sustentabilidade das contas públicas com o aumento de gastos contratado para 2023.
Ceron disse nesta sexta-feira que a proposta de reforma tributária do governo será neutra, mas pode usar como referência o patamar de anos anteriores. “Ela é neutra em relação a um patamar de receitas que vai ser especificado. Temos de olhar um pouco para 2022, ou até 2019, que foi um ano que ainda não tinha tanta atipicidade”, afirmou o secretário.
Ele disse ainda que a reforma neutra deve considerar o patamar de receitas das desonerações feitas nos últimos meses do governo do governo Bolsonaro. Muito debate pela frente em meio à pressa do governo para aprovar a reforma dos tributos sobre consumo e o novo arcabouço fiscal no primeiro semestre.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.