BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu nesta sexta-feira, 17, estar preocupado com a trajetória da dívida pública no Brasil - alerta que vem sendo feito pelo mercado e por especialistas em contas públicas. O ministro, no entanto, ponderou que as projeções feitas de crescimento do País nem sempre se concretizam. A declaração foi dada em entrevista à CNN.
“Eu também estou preocupado. Nós temos que ter preocupação com a trajetória da dívida. Isso é uma preocupação do Ministério da Fazenda. Agora, eu tenho que fazer também algumas considerações sobre as projeções que são feitas e nem sempre se verificam”, disse ele, ao emendar que o Rio Grande do Sul está se recuperando das tragédias das chuvas registradas no ano passado graças à ajuda do governo federal.
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Lula assumiu com a dívida pública em 71,3% do PIB e o número subiu para 77,7% em novembro do ano passado - um aumento de seis pontos em menos de dois anos de mandato.
“Projetamos dívida bruta do governo geral de 76% do PIB, em 2024, e de quase 83% do PIB ao término do atual governo (2026). Continuará subindo daí em diante, mas num ritmo menos pronunciado, até alcançar 96% do PIB, em 2034″, diz relatório da Warren Rena.
O pacote de contenção de gastos apresentado pelo governo e aprovado pelo Congresso no final do ano passado foi considerado pelo mercado como insuficiente para reequilibrar as contas públicas. A incerteza quanto à sustentabilidade da dívida jogou o dólar para a casa dos R$ 6 e levou a uma forte piora das expectativas de inflação, o que obrigou o Banco Central a anunciar que a taxa básica de juros chegará a 14,25% ao ano já em março.
Haddad disse não saber em qual o patamar o dólar vai estacionar frente ao real em virtude de uma série de variáveis, inclusive externas, mas afirmou que não compraria dólar acima de R$ 5,70.
“Se eu dissesse que hoje eu compraria dólar a R$ 6, não, eu não compraria acima de R$ 5,70. Na minha opinião, qualquer coisa acima de R$ 5,70 é caro para os fundamentos da economia brasileira; hoje eu não compraria”, afirmou. “Eu acompanho no dia a dia, as moedas no mundo, olhar para o fundamentos e arriscar palpite, mas não sei onde ele vai estacionar, em virtude de série de variáveis, parte das quais depende do doméstico e parte das quais não depende.”
Haddad afirmou que a estratégia da pasta para endereçar a trajetória da dívida pública será continuar “perseverando” em duas frentes: contenção de despesas e combate a gastos tributários.
“Eu sei que incomoda quando eu falo, mas sobre obrigado a falar: se medidas (enviadas ao Congresso) não tivessem sido devolvidas, teríamos superávit no ano passado, o primeiro estrutural em mais de dez anos”, disse Haddad. Ele afirmou que o Congresso ajudou o governo a melhorar as contas públicas, ressalvando que o resultado poderia ter sido melhor se mais medidas tivessem sido aprovadas para acabar com alguns privilégios.
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Ao ser questionado sobre eventuais novas medidas para contenção de gastos, respondeu que o trabalho da pasta é “diário”, e que entre as tarefas está “arrumar a bagunça” herdada e melhorar o ambiente de negócios. Ele voltou a dizer que não pode anunciar medidas fiscais sem que as tenha submetido antes ao presidente Lula. “Tudo será novidade quando for anunciado, não tem como não ter”, respondeu ao ser questionado se mais iniciativas de contenção de gastos seriam submetidas ao Congresso.
Ele lembrou que Lula enviou ao Congresso no ano passado o projeto de mudanças na previdência dos militares e um comando para combater com os supersalários no funcionalismo público. “Você tem que cobrar providências do presidente, e ele está tomando”, defendeu o ministro.
Haddad avaliou ainda que, diante de uma nova realidade no cenário externo, é possível que a equipe econômica precise voltar à mesa para discutir novos ajustes na política fiscal.
“Pode haver uma política fiscal e monetária nos Estados Unidos que mantenha o nível de juros muito alto. Ninguém previa o que ia acontecer no segundo semestre. Aumento de tarifa, de aumento até do déficit fiscal, que pode manter a taxa por mais tempo, esse cenário não estava colocado”, disse.
“Diante disso, precisamos voltar à mesa, à planilha, é uma realidade nova. Precisamos observar e pensar bem no que fazer, um ajuste que penalize menos possível ou não penalize quem precisa dos serviços públicos”, continuou o ministro.
Imposto mínimo para alta renda vai considerar tributos pagos via empresas
Fernando Haddad afirmou que o governo fará a reforma da renda com “cautela”, assim como aprovou a reforma tributária dos impostos sobre o consumo, que teve o primeiro projeto de regulamentação sancionado nesta quinta-feira pelo presidente Lula.
O ministro voltou a explicar que, para compensar a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, os que recebem muito e pagam quase nada irão pagar “um pouco mais” de imposto.
A lógica da compensação já foi anunciada no fim do ano passado, com a criação de um imposto mínimo para a alta renda, acima de R$ 50 mil mensais. O governo, contudo, ainda não enviou o projeto ao Congresso porque a Receita Federal ainda está rodando cálculos para corrigir uma regra que “pareceu inconsistente” nos estudos da proposta.
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“Lula e eu pedimos para aperfeiçoar a regra e a Receita está fazendo para nos entregar a resposta e podermos tomar uma decisão o mais rápido possível”, disse Haddad. Segundo o ministro, todos, entre empresários e pessoas de renda mais baixa, poderão se manifestar e opinar sobre a proposta. “Queremos buscar justiça e neutralidade”, afirmou.
Haddad afirmou que a fórmula elaborada pela Fazenda em relação ao imposto mínimo vai considerar os tributos que já foram pagos pela empresa de contribuintes.
“A fórmula considera o que foi pago no CNPJ; isso é que faz a grande diferença. Porque, se não, alguém poderia dizer: ‘A minha empresa já está pagando. Eu vou ter que pagar mais?’ Mas quanto a sua empresa está pagando? Se a sua empresa está com uma alíquota efetiva de acordo com o padrão, você vai continuar isento (de pagar um imposto adicional). Se nem a sua empresa está pagando e nem você que está recebendo dividendo, se ninguém está pagando, nessa operação, que está dando lucro, tem que incidir Imposto de Renda.”
Haddad disse ainda ser um porcentual pequeno de brasileiros que não pagam o imposto devido “nem pelo CPF, nem pelo CNPJ” - ou seja, nem por meio da empresa ou via pessoa física. “Não dá 0,1% dos brasileiros”, disse. O ministro também lembrou que a ampliação da isenção do IR é uma promessa do presidente Lula, e aproveitou para comemorar o avanço da reforma tributária sobre o consumo.
“Brasil vai figurar entre os melhores sistemas tributários do mundo, mais justo e eficaz. Colocaremos alíquota padrão, que hoje é a mais alta do mundo, no nível internacional”, disse Haddad, enaltecendo o trabalho do Congresso pela aprovação da reforma.
Reforma tributária: maior IVA do mundo?
Haddad afirmou que, apesar de a oposição afirmar que o Brasil terá a maior alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo com regulamentação da reforma tributária, o que vale de fato é a alíquota média. Segundo ele, o País terá uma alíquota média equivalente à realidade dos países desenvolvidos.
“Eu sei que a oposição já está falando que o Brasil vai ter a maior alíquota do mundo. A alíquota que conta é a média. Se carne você paga zero e outra coisa você paga 25%, a média não é 25%, porque tem muitos bens de consumo que terão o seu imposto zerado, e de consumo de larga escala. Quando você fala de carne, comida, remédio, é a população inteira consumindo, e não vai pagar nada”, disse.
Nesta quinta-feira, o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, afirmou que a alíquota padrão do novo IVA deve ficar em torno de 28%. Se confirmada, o Brasil lideraria o ranking global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à frente da Hungria, que hoje tem uma taxação de 27%.