O encontro recente dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) que terminou com os dois abraçados e sorridentes é, praticamente, um repeteco de cena protagonizada pelos ex-ministros Antônio Palocci e José Dirceu no início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há 20 anos.
Os dois principais homens de confiança de Lula em 2023 entraram em rota de colisão por conta de vazamentos envolvendo as reuniões sobre o projeto da nova âncora fiscal, mas o que ronda os desentendimentos nos bastidores é a pressa do governo para destravar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) num cenário de juros altos.
A disputa de hoje se assemelha, em grande medida, à de 2003, quando Dirceu foi porta-voz da insatisfação do PT com a política econômica de ajuste fiscal patrocinada por Palocci – e apontada na época como uma reedição do governo FHC. A aproximação de Palocci com o mercado era vista com desconfiança e a ação do BNDES, motivo de divisão como agora.
Na época, Lula chamava Dirceu de “capitão” e Palocci de “craque” do time. Palocci só conseguiu ganhar mais espaço sobre Dirceu quando o PIB começou a reagir.
Na semana passada, Rui Costa foi apelidado pelo presidente de “Dilma de calças”. Já Haddad tem buscado na articulação política apoio a seu projeto fiscal, e tem encontrado respaldo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O ministro aposta no arcabouço para ganhar confiança e levar ao início da queda de juros.
Alinhamento
Rui Costa foi até o Ministério da Fazenda, na quinta-feira passada, para “selar a paz”, mostrar “alinhamento” com Haddad e afirmar em público que não há brigas. “Olha o sorriso dele e o sorriso meu”, disse o chefe da Casa Civil, abraçado a Haddad. Os dois fizeram questão de posar juntos para as câmeras.
Nos bastidores, há ainda ressentimentos. Na área econômica, existe a visão de que o ministro da Casa Civil não teria entendido por completo o projeto do novo arcabouço. Avalia-se também que existiria muita gente no governo falando de temas econômicos e tomando medidas sem consultar o Ministério da Fazenda, como ocorreu com a redução dos juros do consignado do INSS.
No Palácio do Planalto, ao contrário, há uma leitura de que houve uma amplificação de ruídos em torno da abertura de espaço para investimentos, que não existiriam na prática. Lula não permitiu o anúncio do novo arcabouço, previsto para a semana passada, e adiou a divulgação, ainda sem data marcada.
O Estadão ouviu integrantes do governo que reconheceram que o embaraço entre Haddad e Costa sinaliza um embate antecipado pela disputa da sucessão de Lula. O vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, outros dois presidenciáveis, têm dado apoio a Haddad.
Meta para o PIB
Lula definiu como prioridade neste início de governo acelerar o PIB. Por isso, o governo tem acionado medidas de estímulo ao crescimento, que acabam tendo impacto negativo nas contas públicas e no ajuste fiscal já anunciado por Haddad.
O Estadão apurou que a meta de crescimento que o governo persegue é entre 2,5% e 3%, mas os números até aqui, ao contrário, mostram a economia brasileira perdendo tração em março.
A pesquisa Focus, feita pelo Banco Central com analistas de mercado, aponta um crescimento bem mais débil do que o desejado pelo presidente: uma projeção média de 0,88% para o PIB neste ano.
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Nesse sentido, o ajuste fiscal proposto por Haddad para 2023 e uma nova âncora fiscal que leve à reversão do déficit das contas públicas em 2024 é encarado como uma pedra no caminho, e motivo que acionou o “fogo amigo” na direção de Haddad e a artilharia contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – transformado pelo governo no principal vilão do crescimento econômico com a taxa Selic no patamar de 13,75%.
No mercado financeiro, analistas falam em dois cenários para este primeiro ano do novo governo: um otimista, com probabilidade baixa, e um intermediário/negativo, o mais provável.
No cenário mais otimista, o governo faria uma inflexão de imediato, tendo à frente Haddad, com um discurso e ações concretas na linha do ajuste fiscal e da retomada da agenda de reformas. A Fazenda precisaria passar a atuar com mais pulso na busca do ajuste fiscal e numa linha de contraponto à agenda política.
Já no cenário apontado como mais provável, o intermediário/negativo, haveria uma espécie de continuidade dos sinais observados na transição e uma disputa cada vez menos velada entre áreas políticas e econômicas do governo.
O governo tenderia a falar de equilíbrio fiscal, mas sem implementar um plano muito robusto. Ao longo do primeiro semestre, a tendência seria de piora gradual do quadro econômico geral, por conta das pressões inflacionárias ainda resilientes, taxa Selic alta, recuo da atividade e pressões por gastos.
Nesse cenário, o risco que precisaria ser contido é de uma deterioração da inflação e dos preços de mercado. A pergunta que se faz agora é se Lula cederá ao mercado ou vai fazer uma aposta dobrada numa política desenvolvimentista.
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