BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se negou a responder nesta segunda-feira, 30, se o governo Luiz Inácio Lula da Silva está comprometido com a meta de zerar o déficit das contas públicas no ano que vem.
Em entrevista coletiva no fim da manhã desta segunda, Haddad foi questionado quatro vezes por jornalistas sobre se o compromisso estava mantido e se limitou a responder: “minha meta está estabelecida”. Diante da insistência, ele deixou a entrevista.
Na última sexta-feira, 27, Lula disse que a meta de déficit zero dificilmente seria cumprida, uma vez que ele não concorda com a restrição que será imposta sobre os gastos do governo.
“A gente não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse País”, disse Lula.
Haddad conectou o desafio de zerar o déficit nas contas do governo à recuperação de perdas na arrecadação, o que ele tem chamado de “erosão da base tributária” do País.
“A minha meta está estabelecida. Eu vou buscar o equilíbrio fiscal de todas as formas justas e necessárias para que nós tenhamos um país melhor”, afirmou o ministro.
Haddad não respondeu diretamente sobre a manutenção da meta, mas fez questão de dizer que o seu papel como ministro da Fazenda era buscar o reequilíbrio fiscal, e que fará isso enquanto estiver nessa posição, “não porque é ortodoxo ou por pressão do cargo”, mas porque acredita na importância de resolver o problema das contas públicas.
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Para ele, há dez anos no Brasil há um descaso com o resultado primário das contas públicas (saldo entre receitas menos despesas, sem contas os juros da dívida), que sua equipe, sete dias, por semana trabalha para resolver.
“Não mudei de ideia, continuo com a mesma ideia, porque acredito que vai ser o melhor para o País. Agora, eu preciso de apoio político. Preciso do Congresso, preciso do Judiciário. E tenho tido a colaboração até aqui tanto de um quanto do outro. As vitórias que tivemos no Judiciário esse ano foram expressivas, mas não resolvem uma decisão tomada em 2017, infelizmente”, afirmou.
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Haddad se refere a perdas observadas pela Receita Federal com um dispositivo inserido na Lei Complementar 160, aprovada em 2017, e que permitiu às empresas abater dos impostos federais benefícios tributários obtidos nos Estados.
O ministro afirmou que a medida fez com que a renúncia tributária saltasse de um patamar de R$ 39 bilhões para R$ 200 bilhões neste ano. No ano passado, disse Haddad, a renúncia registrada foi de R$ 149 bilhões. “Essa é uma das razões que a arrecadação do governo federal vem sofrendo forte prejuízo”, disse.
A brecha, segundo o ministro, será corrigida com a MP 1185, que foi editada em agosto; mas, após um acordo político com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi convertido em projeto de lei com urgência.
A expectativa é que o relator na Câmara seja designado ainda nesta semana, mas há forte resistência ao tema no Parlamento, o que já levou o Ministério da Fazenda a rever parte do projeto que reduziu a arrecadação prevista.
Agora, a estratégia que está sendo costurada por Haddad é tentar retomar a MP. O cálculo é econômico. A aprovação do tema via MP significaria R$ 9 bilhões a mais nos cofres do governo no ano que vem, nas estimativas da Fazenda. Isso porque o aumento de impostos precisa seguir regras e prazos para entrar em vigor.
No caso da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), há o princípio da noventena. Ou seja, a majoração do tributo só pode entrar em vigor depois de noventa dias. Já o Imposto de Renda segue o princípio da anterioridade. Nesse caso, o aumento de alíquota só faz efeito no exercício seguinte à aprovação.
Como a MP entra em vigor assim que é editada, o prazo da noventena já está correndo. Portanto, se o texto for aprovado até dezembro, a mudança nos tributos poderá entrar em vigor em janeiro de 2024, com impacto estimado de R$ 35,3 bilhões em aumento de arrecadação.
Já as alterações via PL, mesmo se aprovadas até dezembro, teriam de aguardar o período de três meses da noventena, e só começariam a vigorar em abril de 2024. Nesse cenário, o impacto na arrecadação cairia para R$ 26,3 bilhões.
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O ministro também sublinhou a perda de arrecadação registrada pelo governo com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) com a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Segundo Haddad, só uma fabricante de cigarros deixará de pagar R$ 4,8 bilhões em impostos federais com a decisão. Ele acrescentou que esta é a razão pela qual as estimativas de receita não estão ocorrendo na velocidade esperada, mesmo com o PIB crescendo.
“O presidente constatou, com base nos números, que esses ralos fiscais, esse gasto tributário está num patamar exagerado em função dessas decisões tomadas em 2017, cuja repercussão está ocorrendo agora. Então quando falam ‘o presidente está sabotando o País’, não; o que está acontecendo é que o presidente está constatando problemas advindos de decisões que precisam, as que podem, ser reformadas”, afirmou Haddad.
O ministro disse que levou os números ao presidente na semana passada e que isso teria levado à fala de Lula na sexta-feira. Ele acrescentou que o presidente ordenou que sua equipe reunisse os líderes partidários do Congresso para apresentar os danos provocados pela erosão da base tributária e repisou que a Fazenda trabalha com alternativas no campo fiscal.
“O que eu levei ao presidente foram os cenários possíveis. Se eu tiver que antecipar medidas que eu iria tomar em 2024 e a Casa Civil, o presidente e a coordenação do governo concordarem, eu encaminho”, afirmou Haddad, sem dar detalhes sobre as medidas.
O ministro não respondeu se pretende enviar ao Congresso mensagem modificativa alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com a previsão de uma nova meta fiscal. A mensagem tem de ser enviada antes do início da votação da LDO na Comissão Mista de Orçamento, que vem sendo adiada pelo Congresso desde agosto, mas está prevista para esta terça-feira, 31.
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