A viagem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à Europa, prevista para esta segunda-feira, 4, foi cancelada a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo comunicado do ministério divulgado neste domingo, 3. Segundo a nota, o ministro “estará em Brasília ao longo da próxima semana, dedicado aos temas domésticos”.
Pela previsão anterior, Haddad ficaria fora do País entre a segunda-feira e o sábado, 9. A programação da viagem não havia sido anunciada. “A agenda em questão será retomada oportunamente”, diz a nota do ministério.
A viagem para a Europa afastaria o ministro do País numa semana crucial para o governo, que é cobrado a apresentar o pacote de medidas de revisão de gastos. Prometido para “depois das eleições municipais”, o ajuste nas despesas elevou as expectativas do mercado em relação ao potencial das medidas. Enquanto há uma pressão por essa divulgação, o governo age em seu próprio ritmo, o que evidencia a diferença entre o tempo do mercado e da política.
Na semana passada, a turbulência ficou evidente principalmente na cotação do dólar, que disparou. Na sexta-feira, a moeda americana fechou cotada a R$ 5,8694, o segundo maior nível nominal da história, perdendo apenas para o fechamento de 13 de maio de 2020 (R$ 5,9008).
Integrantes da equipe econômica reconhecem que o momento é delicado, mas têm seguido a orientação de Haddad de evitar vazamentos e antecipações sobre medidas fiscais. A abordagem ao estilo do que aconteceu nas semanas que antecederam o arcabouço fiscal deixa o mercado mais nervoso, mas a avaliação dentro do governo é de que operadores ficarão assim com ou sem notícias da Fazenda.
Governo estuda pacote de gastos enquanto enfrenta impasses técnicos e políticos
A equipe econômica estuda um pacote de revisão dos gastos, mas ainda não há um plano final nem decisão de Lula sobre que despesas serão cortadas no Orçamento. Enquanto isso, as propostas que circulam nos bastidores já enfrentam questionamentos técnicos e políticos. Por um lado, há dúvidas de como as despesas vão se encaixar nas contas. Por outro, há resistência no PT sobre redução em políticas sociais.
O governo avalia impor um limite de aumento real de 2,5% por ano para as principais despesas do Orçamento, colocando o mesmo limite do teto do arcabouço fiscal. Uma proposta nesse sentido foi incluída em dois projetos de lei do Congresso para as emendas parlamentares. O governo também estuda estabelecer o mesmo limite para os pisos de saúde e educação e outras gastos obrigatórios.
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No caso da Previdência Social, por exemplo, um limite de 2,5% no crescimento das despesas seguiria pressionado pela vinculação dos pagamentos ao salário mínimo e pelo aumento na concessão de aposentadorias e benefícios assistenciais, com o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O governo ainda não apresentou um fórmula que resolva o impasse, embora reconheça que o arcabouço não para em pé sem mudanças das regras atuais.
Paralelamente à agenda de corte de gastos, o governo quer liberdade para mexer em despesas dentro do Orçamento sem autorização do Congresso. O aval, contido em projetos de lei enviados ao Legislativo, conforme o Estadão revelou, autorizaria o Poder Executivo a cancelar emendas parlamentares para colocar o dinheiro em despesas obrigatórias, além de remanejar outras despesas de custeio e investimentos por conta própria.
Cancelamento de viagem é boa notícia para o mercado, que ainda espera anúncio concreto
O cancelamento da viagem de Haddad foi bem recebido por analistas do mercado financeiro. Especialistas avaliam que, com a notícia, o pacote de corte de gastos deve avançar e pode ser anunciado nesta semana, o que ainda não é confirmado pelo governo.
“O dólar superou R$ 5,80 e os juros explodiram. O cancelamento mostra que o governo se sensibilizou, indica um senso de urgência”, afirmou o estrategista da Potenza Capital, Bruno Takeo. “O dólar nesse valor foi notícia no País inteiro. Imagine a pressão que não ficou em cima do Haddad, que teve de cancelar a viagem. Provavelmente terá de fazer algum anúncio nesta segunda-feira”, disse o estrategista-chefe do Grupo Laatus, Jefferson Laatus.
A notícia, porém, não deve trazer grande alívio aos mercados, na avaliação de Pedro Moreira, sócio da One Investimentos. Embora a expectativa seja de que o ministro permaneça em Brasília para tratar da questão fiscal, que tem estressado o mercado nas últimas semanas, Moreira diz que um maior controle das especulações só deve vir a partir de anúncios e medidas concretas. “O mercado já não está mais comprando esse corte de gastos pelo governo Lula. (O mercado) quer resoluções práticas e concretas, anúncios, não mais promessas. Isso controlaria a parte de especulação que estamos tendo, as pressões em cima do câmbio e da inflação”, afirmou.
O economista sênior da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, avalia que, com o dólar chegando perto de R$ 5,90 na sexta-feira, o governo entendeu que a questão fiscal é urgente e resolveu dar um direcionamento. “Indica que pode buscar medidas eficazes em termos de contenção de gastos, que a percepção realmente chegou ao governo, notou que há senso de urgência, dado o comportamento dos mercados”, disse. Conforme o sócio da Tendências, só mesmo um anúncio de medidas que levem à percepção de responsabilidade fiscal mudará a dinâmica dos ativos brasileiros. “Se houver, é o que realmente vai mudar mesmo que de forma tardia”, afirma.
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