A Argentina sofre mais uma grave crise financeira, que une hiperinflação e baixas reservas internacionais. A escassez de dólares atinge proporções dramáticas, a ponto de haver desabastecimento de produtos importados, desde alimentos até carros.
Na década de 1980, o Brasil ficou insolvente como a Argentina por falta de dólares para bancar importações de petróleo. Foi quando Mário Henrique Simonsen cunhou a frase “a inflação aleija, mas o câmbio mata”. Quase ninguém se lembra disso porque o problema foi superado.
Algo que não é muito comentado porque não traz problemas atualmente são as reservas internacionais brasileiras. As da Argentina estão em US$ 27 bilhões, mas a maior parte está comprometida com dívidas. O Brasil tem hoje US$ 342 bilhões em reservas (relatório do BC de 11 de setembro), valor mais do que confortável. Mas nem sempre foi assim.
Quando assumi a presidência do Banco Central, em 2003, o Brasil tinha US$ 36 bilhões de reservas e devia ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Como o País perdia recursos – o que entrava na balança de pagamentos era menos do que o que saía –, corria o risco de ficar insolvente. O processo de saída de dólares havia começado meses antes, devido à tensão em torno do que seria o governo Lula.
Quando o governo assumiu, iniciamos no BC um processo de controle da inflação, que depois envolveu aperfeiçoamentos na área de crédito e abriu a possibilidade de aproveitarmos o aumento das exportações para acumular reservas. Quando deixei a presidência do BC, em 2010, o Brasil tinha US$ 288 bilhões em reservas internacionais. É talvez um dos mais importantes ativos do País.
Para entender a importância disso, basta pensar na crise de 2015/16, quando o PIB caiu mais de 5% de junho de 2015 a maio de 2016. A situação era grave, mas era uma crise de raízes fiscais, ou seja, causada por excesso de gastos. Resolve-se isso como em 2016, com a retomada do controle dos gastos públicos. Não ter dólares para pagar importações e cumprir compromissos é um problema mais grave.
Um país com reservas robustas não cai no descrédito porque o mercado sabe que o Banco Central poderá usá-las. Foi o que fizemos na crise de 2008: quando o mercado de crédito se fechou, anunciamos que o BC emprestaria reservas suficientes para substituir os bancos internacionais durante um ano.
Além disso, venderia até US$ 50 bilhões no mercado de dólares para entrega futura, o que permitiu às empresas quitarem seus compromissos. A crise passou. Sem reservas, a Argentina não tem esse recurso à mão.
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