No momento, a inflação na Argentina atingiu a taxa anual de 254%, a maior em mais de 30 anos. Quando o leitor do Estadão estiver lendo este texto, este número será diferente, dado o descontrole que leva ao aumento contínuo dos preços. É um mal que desorganiza toda a economia e desvaloriza o dinheiro nas mãos dos cidadãos, que empobrecem.
O início de governo de Javier Milei é conturbado por medidas para tentar debelar a hiperinflação. É cedo para avaliar. O importante é saber que não existe outra forma de acabar com a inflação que não seja com um ataque direto às suas causas, não aos sintomas. É uma equação difícil de realizar, que exige boa relação com o Congresso para implementar medidas de controle de gastos públicos, uma das fraquezas do país.
Desde a década de 1980, quando fui presidente do BankBoston no Brasil e passei a lidar com economia argentina, vi quase todos os governos tentarem planos mirabolantes, a maioria deles com congelamento de preços. Todos deram errado. O governo pode tentar acabar com a inflação por decreto, mas ela não obedece.
Na Argentina, parecido com o Brasil das décadas de 1980 e 90, os principais problemas são o gasto público fora de controle e a falta de reservas para pagar compromissos internacionais. O governo de Milei é minoria no Congresso e não conseguiu aprovar toda a chamada “lei ônibus”, com várias medidas econômicas.
O governo ainda não estabeleceu um diálogo franco com o Congresso para unir a todos em torno de um projeto para controlar gastos. Não se faz isso sem um bom plano e sem apoio político. Falo com conhecimento de causa. Como ministro da Fazenda no governo Michel Temer, apresentei ao Congresso a lei do Teto de Gastos. Foi uma negociação dura, que exigiu convencer o Congresso que seria pior manter as coisas como estavam, do que pagar o preço do esforço fiscal.
Valeu a pena. O teto interrompeu um período de dez anos de crescimento descontrolado do gasto público. Foi a principal forma de sair da crise de 2014-16, quando o PIB caiu 5,2% entre junho de 2015 e maio de 2016, e voltar a crescer.
Há décadas a Argentina tem uma cultura de gastos públicos fora de controle, que leva a déficits resolvidos com emissão de moeda e endividamento. Sem controlar a inflação, será impossível o país voltar a crescer para acumular reservas – essenciais para acabar com outro problema, que é a falta de dólares para pagar compromissos internacionais.
É muito mais difícil de fazer do que congelar preços, mas os resultados são efetivos e duradouros.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.